Entidades criam cartilha para policiais e soldados que atuam na Maré

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da BBC Brasil

Maré quer novo modelo de UPP e cria cartilha para policiais e soldados

Jefferson Puff

Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

 
Soldados patrulham mercado em favela da Maré | Reuters

Moradores querem repensar modelo UPP antes que pacificação chegue à comunidade

Descrentes com o processo de pacificação no Rio de Janeiro, os moradores do Complexo da Maré, ocupado pelas Forças Armadas desde o sábado, pressionam o poder público pelo que chamam de um “novo modelo de UPP”, com ajustes de conduta, definição de responsabilidades e maior participação popular nas decisões da comunidade.

Além disso, dado o temor de abusos e excessos, as lideranças das 16 favelas apresentaram um protocolo com seis exigências para guiar a ação das forças de segurança na comunidade.

 

Embora não tenha valor jurídico, o documento foi entregue em público ao secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que se comprometeu a tentar colocá-lo em prática, servindo como interlocutor entre os moradores e os militares.

Em entrevista à BBC Brasil, membros de três organizações com longa atuação na Maré sinalizaram que querem “aperfeiçoar” o modelo de pacificação em vigor na cidade antes que a região receba sua própria UPP, provavelmente no final de julho.

Críticas e mudanças

“Ninguém discute que a UPP seja um avanço, porque elas interrompem o problema clássico que é a polícia ver o território como inimigo, e as pessoas que vivem ali como uma população inimiga”, diz Mario Simão, um dos diretores do Observatório de Favelas, que tem sede na Maré.

Para ele, é preciso abandonar a visão de que a favela é um território onde impera a barbárie e que precisa ser colonizado.

 

Cartilha para ação das Forças Armadas na Maré

1- Obrigatoriedade de identificação de policiais e soldados em qualquer ação;

2- Apresentação de mandados judiciais individuais para ingresso em domicílios particulares;
 
3- Intervenções deverão priorizar ações de inteligência e controle de armas para desarticular redes criminosas;
 
4- Abordagem dos agentes não deve discriminar raças ou gerações e levar em consideração o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);
 
5- A mediação de eventuais conflitos deve ser feita por meio de uma ouvidoria comunitária;
 
6- Reuniões frequentes para avaliação das ações, com presença do Comando das Forças Armadas, policiais, moradores e organizações locais.
 

 

“Um exemplo disso é a prática de chegar e fincar a bandeira do Brasil, do BOPE, ou da Polícia Militar. Isso tem uma importância simbólica terrível. Apontamos a necessidade de mudar isso, pois é um gesto que reforça para o morador a ideia de que ele vive num lugar que está fora da cidade, da civilização”, argumenta.

No que diz respeito ao cotidiano pós-UPP, Simão diz que a observação do que ocorre nas 37 favelas já pacificadas preocupa as lideranças da Maré.

“É preciso aprender com esses erros, sobretudo na Rocinha e no Alemão (UPPs atualmente em momento de crise), para sofisticar esse processo, dando mais protagonismo às pessoas, criando um novo modelo mesmo”, avalia.

‘Modelo insustentável’

Entre os problemas identificados pelos entrevistados estão o fato de os territórios pacificados passarem por um processo de militarização, em que o comandante de cada UPP acaba tendo um poder decisivo sobre o dia a dia da favela – decidindo o que é ou não permitido.

Na grande maioria, os bailes funk, por exemplo, passam a ser proibidos; música alta e festas em casa podem ser controladas; a regularização dos serviços de luz e água é sempre problemática e frequentemente leva a contas muito altas. E a atuação dos policiais das UPPs é polêmica, com denúncias de abusos, tortura e truculência.

Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, ressalta que além do diferencial representado pelo grande número de ONGs, a Maré tem uma localização estratégica (entre o centro da cidade e o Aeroporto Internacional Tom Jobim e três das principais avenidas do Rio – Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil) e que isso reforça a necessidade de se adaptar a política.

“É um modelo insustentável. O governo não tem condições de replicar esse modelo em todo o Estado, focando na repressão policial, com esse número de policiais por habitantes nestes territórios”, afirma.

Na visão de Edson Diniz, um dos diretores da Redes de Desenvolvimento da Maré, a estratégia de ter uma presença ostensiva dos policiais após a troca de comando das Forças Armadas para a UPP não deve funcionar.

“A força policial não pode ser o mote. Os moradores precisam ter suas vidas garantidas, e poder opinar sobre os rumos da comunidade. Assinamos um documento de título ‘A Maré que Queremos’, muito antes de se falar em ocupação. Vamos interferir neste processo”, indica.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Cria cartilha pra policiais e

    Cria cartilha pra policiais e soldados??????

    Quer dizer que morenos estao “salvos” e daqui pra frente so pretos morrem?

    1. Nao, sinto muito, eu NAO

      Nao, sinto muito, eu NAO estava fazendo piada.

      Podem contabilizar a cor da pele dos mortos pela policia daqui pra frente.  Ela vai escurecer.

      1. se não me fiz entender, peço desculpa Zeus…

        intenção foi mostrar como serão tratadas as recomendações do representante dos moradores

         

        era pra ter saído em comentário separado, mas descuidei e saiu colado no seu

  2. Comparações

    O que é a Itália frente ao poderoso Brasil:

    http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1436570-crimes-crescem-em-sao-paulo-mas-policia-encolhe.shtml

    A Itália, com 60 milhões de habitantes, tinha 465 policiais para cada 100 mil pessoas, em 2012. Naquele mesmo ano, os italianos conviveram com índice de roubos de 105 casos por 100 mil habitantes. Enquanto isso São Paulo teve taxa de 608 roubos por 100 mil habitantes, em 2013.

    Em São Paulo (nas outras regiões metropolitanas do Brasil não deve ser melhor):

    Em 2005, o Estado tinha 314 policiais para cada 100 mil habitantes. Hoje, essa taxa é de 282, abaixo da média mundial de 303 para cada 100 mil pessoas, de acordo com dados compilados pela ONU (Organização das Nações Unidas).

     

  3. Podem ter certeza, quando o

    Podem ter certeza, quando o comando das Upps passar para PMRJ, ela vai colocar tudo a perder.

    Com tapa na cara de trabalhador, invasão das casas em dia de aniverssário de criança de forma truculenta, policias carrangudos e mal humorado, tratando mal os moradores, e outras coisinhas do gênero.

    Com essa PMRJ, duvido que de certo.

     

  4. eu também duvido, mas…vamos ver como é que fica

    o que realmente importa é ficar diferente

    como aconteceu no Alemão e na Rocinha, bandidos que fogem em disparada são bandidos que estavam lá disputando o pedaço com os donos

    sai força de ocupação, entra PM, voltam os verdadeiros donos do pedaço, com a promessa de que o movimento será mais discreto

    toda esta movimentação que a gente vê, bondes, são eles tentando retomar posições

     

    mas vamos torcer para que funcione numa boa e que as recomendações sejam levadas a sério

  5. Bandeira não?

    Soa no mínimo estranho: 

    Não querem a bandeira do Brasil e não querem intervenção em bailes funk e música alta em residências… exceto as tais bandeiras que não a do Brasil e a imposição da ordem por meio de militares, o resto é aplicável a qualquer ambiente que queira um mínimo de civilidade; quem não deseja obediência ao Estado Democrático de Direito deve procurar outro país para viver.

     

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