Estudantes protestam contra abuso de autoridade da PM em Sorocaba

Enviado por Makário

Do Viomundo

Aberto inquérito para apurar denúncia: PM de Alckmin dá uma de DOPS, tenta censurar trabalho escolar e expõe professor e menores a agressões nas redes sociais

por Luiz Carlos Azenha, Caio Castor e Paola Carmello 

É como se duas jovens adolescentes, de apenas 14 anos de idade, “cumprissem pena” no interior de São Paulo. Elas não cometeram qualquer crime. São estudantes da Escola Estadual Professor Aggêo Pereira do Amaral, em Sorocaba, que fica a 100 quilômetros daquela que deveria ser a mais progressista metrópole da América Latina.

A pena a que as jovens foram condenadas, nas redes sociais, é por suposto “comportamento indócil”. Irônica — e tristemente — as adolescentes são exemplos vivos das teorias que o filósofo francês Michel Foucault desenvolveu em seu brilhante “Vigiar e Punir” [aqui, em PDF], publicado em 1975.

Foucault, num resumo brevíssimo: “Historicamente, o processo pelo qual a burguesia se tornou no decorrer do século XVIII a classe politicamente dominante, abrigou-se atrás da instalação de um quadro jurídico explícito, codificado, formalmente igualitário, e através da organização de um regime de tipo parlamentar representativo. Mas o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente, obscura, desse processo. A forma jurídica geral que garantia um sistema de direitos em princípio igualitários era sustentada por esses mecanismos miúdos, cotidianos e físicos, por todos esses sistemas de micropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas”.

Ou seja: em vez do enforcamento e da guilhotina comuns nas monarquias, quando os crimes eram contra o rei, “dispositivos disciplinares” supostamente neutros e “igualitários”. Hospitais psiquiátricos, prisões e escolas cujas regras produzem o que Foucault chamou de “corpos dóceis”, submissos, indesejados pelo capital ou reprodutores da injustiça e da desigualdade.

A punição informal às adolescentes de Sorocaba, condenadas ao medo — e, por extensão, aos parentes delas, que estão muito nervosos com a situação — deveu-se justamente a um trabalho escolar sobre a obra de Foucault, que faz parte do currículo escolar oficial no Estado de São Paulo.

E, mais uma vez de forma irônica — e perversa — foi resultado da ação de uma corporação estatal — a Polícia Militar — cuja missão anunciada é a de “servir e proteger”. A quem, não pretendemos discutir neste texto.

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[Os repórteres do Viomundo foram a Sorocaba graças ao financiamento de nossos assinantes, a quem agradecemos. A sobrevivência deste blog na UTI depende de você]

O caso, segundo descrito por professores da escola — que também preferem não se identificar, por temerem represálias –, começou quando alguém fez uma foto de um dos muitos trabalhos sobre Foucault que estavam em exposição na escola e reproduziu em seu grupo no WhatsApp.

Logo o assunto se espalhou pelas redes sociais e foi parar em páginas do Facebook de apoiadores da Polícia Militar – segundo o site G1, dentre eles o Admiradores da Rota e o Sargento Alexandre. A PM paulista tem mais de 100 mil homens e uma estratégia de comunicação que enfatiza os salvamentos aéreos, os partos realizados por policiais e crianças fardadas.

[A Rota — Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar — foi brilhantemente descrita pelo repórter Caco Barcellos em livro]

A desmilitarização das polícias é um tema candente. As PMs no Brasil surgiram para combater o “inimigo interno” durante a ditadura militar e ainda são tropas subordinadas ao Exército. Hoje, “combatem” basicamente na periferia e matam um número desproporcional de pretos, jovens e pobres.

No caso específico do qual tratamos, o que surpreendeu a direção, os professores e alunos da Escola Estadual Professor Aggêo Pereira do Amaral foi o comportamento oficial da corporação.

Uma tenente da PM de Sorocaba, acompanhada de dois cabos, foi à escola exigir a remoção do cartaz. “Aqui tem uma apologia ao PCC”, teria dito ela, sempre segundo a descrição dos professores.

É um papel de fazer inveja ao antigo Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, a polícia política extinta com o “fim” da ditadura militar, em 1985. Isso eu, Azenha, testemunhei pessoalmente como criança: policiais do DOPS, sem mandado judicial, invadindo minha casa para remover livros “subversivos”, inclusive romances encapados de vermelho!

PCC é o Primeiro Comando da Capital, que controla as penitenciárias de São Paulo e de vários outros estados brasileiros. Em 2006, depois de uma onda de ataques promovidos pela facção, o governador paulista Geraldo Alckmin, ao qual a PM é supostamente subordinada, teria feito um acordo com o PCC, segundo declaração recente de um delegado feita em depoimento judicial.

O professor de filosofia Valdir Volpato tentou explicar aos policiais que se tratava de um trabalho escolar mais complexo que aquela imagem isolada, que o tema é parte do currículo oficial e denunciou a intervenção da PM como tentativa de “censura”. A tenente, na descrição de uma colega de Volpato, disse que ao lado daquele cartaz deveria estar outro, louvando o trabalho da Polícia Militar.

O mais surpreendente viria nas horas seguintes. Diante da negativa dos professores e dirigentes da escola de retirar o cartaz, a Polícia Militar de São Paulo publicou nota oficial em seu site no Facebook. Do conteúdo é possível inferir a intenção da corporação de definir o que pode ou não ser dito nas escolas:

ESCLARECIMENTO E REPÚDIO

Cabe à Diretoria de Ensino, Região de Sorocaba, pronunciar-se sobre a veracidade do material e sobre a real qualidade de professor do senhor VALDIR VOLPATO.

Não queremos acreditar que, em pleno século XXI, profissionais da área de ensino posicionem-se de maneira discriminatória, propagando e incutindo o discurso de ódio em desfavor de profissionais da segurança, estimulando seus alunos a agirem sem embasamento e direcionando-os de acordo com ideologias anacrônicas, que em nada contribuem para a melhoria da sociedade.

A Polícia Militar de São Paulo e seus policiais, retratados numa infeliz charge, sempre difundida por determinados e conhecidos grupos, sempre foi e será grande defensora dos Direitos Humanos e dos deveres morais, éticos e legais da sociedade.

Estimular trabalhos apenas com pesquisas em Internet, matérias jornalísticas e material de criação confeccionados por pessoas parciais, está longe de ser uma metodologia aceitável. É preciso ter responsabilidade no processo de ensino.

A Polícia Militar está, como sempre esteve, de portas abertas a quem quiser conhecê-la e repudia a postura do infeliz professor, caso efetivamente tenha ocorrido esse erro lastimável.

CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PMESP

Em primeiro lugar, a PM se coloca num papel que constitucionalmente não é o seu, o de arbitrar o que é ou não metodologia de ensino aceitável.

Em segundo lugar, denuncia nominalmente o professor, que define como “infeliz”, antes mesmo de conhecer os fatos, o que admite ao dizer “caso efetivamente tenha ocorrido esse erro lastimável”. Apenas corrobora, no setor de comunicação, práticas das quais é acusada no dia-a dia: atira primeiro e esclarece depois.

Em terceiro lugar, usa um linguajar que remete à ditadura militar, quando fala em “ideologias anacrônicas” sem dizer quais ela pretende permitir e quais condena — como se fosse seu papel fazê-lo.

Em quarto lugar, ao reproduzir o cartaz que pretendia remover da escola, a corporação não teve o cuidado de proteger a identidade das duas menores de idade, que passaram a ser achincalhadas nas redes sociais. Uma irresponsabilidade inaceitável para quem publica fotos de bebês de farda.

Como se vê abaixo, o portal G1, das Organizações Globo, teve o cuidado que faltou à PM paulista:

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Embora temendo pela própria vida, as menores redigiram uma nota curta (veja o vídeo) que foi lida por um colega durante a sessão de desagravo que aconteceu nesta segunda-feira 28, em Sorocaba. O cartunista Latuff, autor do desenho que gerou a controvérsia, veio de Porto Alegre prestar solidariedade.

Gostem ou não dos desenhos do Latuff, o inciso nono do artigo V da Constituição de 1988, vigente no Brasil, diz:

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

A Polícia Militar paulista, ao que se saiba, não está acima da Constituição. Ou, pelo menos, ainda não!

O deputado Raul Marcelo (PSOL-SP) protocolou requerimento junto ao secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes (veja trechos abaixo). Ele contém dez perguntas. Segundo o parlamentar, “as instituições públicas devem sempre observar o limite de suas atribuições constitucionais, sob pena de exorbitar os limites que o constituinte lhes concedeu”.

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A seccional da OAB de Sorocaba pediu abertura de inquérito policial para apurar abuso de autoridade e violação do Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA), devido à exposição indevida dos nomes das menores de idade pela Polícia Militar. A tomada de depoimentos estava prevista para ter início hoje.

Dois dirigentes do grêmio estudantil da ETEC Rubens de Faria e Souza, da mesma cidade, compareceram ao evento se dispondo a promover a mesma exposição também naquela escola.

“Putinhas e bandidos, é o que dizem da gente por aí”, afirmou uma estudante ao chegar recentemente às aulas, segundo o relato de uma professora.

Embora temendo individualmente a possibilidade de represálias, inclusive de violência física, os estudantes do professor Volpato lançaram nas redes sociais a campanha #SomosTodosAggêo.

Ainda que involuntariamente, a PM paulista prestou neste caso um serviço: provou que no Brasil Foucault está mais atual do que nunca.

 

Abaixo, as falas no evento do advogado Hugo Batalha, da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Sorocaba, e do cartunista Latuff (nosso obrigado à Carolina Keppler):

 

Redação

12 Comentários

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  1. Uma mudança de ares, justo em SP?

     

    Não sei se perceberam, mas os cartazes dos alunos com dizeres “liberdade de expressão não é destilar ódio!!!” está em finíssima sintonia com o pronunciamento da Presidente Dilma esses dias atrás. E sabemos bem qual ideologia política vem destilando ódio por aí, com seus “Kim’s” “Rei’s” “Sherazade’s” e grande mídia “et caverna”.

    Se tiver continuidade pode ser uma movimentação importante, nas camadas tectônicas da juventude, que finalmente esteja trazendo ar de humanismo e racionalidade para o cenário tão infectado de ódio e egoísmo.

    1. Torço muito para que seja

      Torço muito para que seja isto.

      Vejo por exemplo uma prima de minha esposa, com seus 17 anos e estudante de uma cara escola de classe média-alta, se preocupando com esta onda da direita que assola a sociedade.

      Vejo ela e alguns colegas pregando justiça social, igualdade de direitos e oportunidades, para desespero dos pais coxinhas.

      No entanto, me pergunto se isso não seria apenas a fase da rebeldia adolescente.

      Referente a este caso de Sorocaba, apesar de todo o sofrimento promovido pela PM paulista, esta fez um grande favor ao se desnudar e mostrar aos estudantes que as críticas à suas condutas não são meras retóricas e invenções dos “direitos humanos”.

      1. Com 17 anos as pessoas tendem

        Com 17 anos as pessoas tendem mesmo a ter baixo discernimento.

        Mas ele ira crescer e evoluir ou não né?

        Pode ficar velha e continuar  boçal  falando esses mantras patéticos com a famoso e desavergonhado critérioi  da Esquerda sobre o que vem a ser direitos humanos, onde o que define a condição de vitima ou algoz não é o morto e sim para qual lado o agente da repressão trabalha…rs

  2. Não é de hoje que a polícia

    Não é de hoje que a polícia paulista vem agindo de maneira política para intimidar e censurar aqueles que eles (os policiais e seus amigos) acreditam que não tem ou não devem ter liberdade de expressão.

    Isto já ocorreu comigo uma vez: https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/representacao-contra-o-brasil-na-oea-em-razao-de-ato-praticado-pelo-tribunal-de-justica-de-sao-pa

    No meu caso, a censura político-policial resultou em processo criminal promovido contra mim pelo MP (caso arquivado em razão da minha conduta ser atípica) e numa ação de indenização ajuizada posteriormente por mim (julgada improcedente na primeira e na segunda instância).

    O TJSP legitimou a censura que me foi imposta pela Delegada de Polícia mediante e-mail. A autoridade pediu para o servidor retirar minha revista do ar e sua ordem (ilegal para os padrões constitucionais brasileiros) foi atendida e, posteriormente, considerada válida pelos Desembargadores que julgaram meu pedido de indenização contra o Estado de São Paulo (apesar da ação criminal ter sido arquivada por inexistência de conduta criminosa da minha parte). 

    Eu comprei a briga  e fui derrotado no TJSP. E em razão disto representei o Brasil na OEA. 

  3. PM é uma quadrilha de farda

    PM é uma quadrilha de farda institucionalizada. Alguém dirá: há bons policiais. Sim, havia bons homens nas SS, no NSDAP. Mas a instituição em si é uma quadrilha e revela o que há de pior nos seres humanos.

    Certo estava o Lampião, que chamava as volantes de macacos.

  4. é preocupante, ….

     

     

    A elite podre e demo-tucanalha criou e doutrinou a polícia militar, …. Essa elite criou a PM, não para proteger a população, …. mas, para SE proteger DA população…. Quando eles se sentirem ameaçados de perder o poder, … vão mandar os pobres que vestem uniforme,… matar, … oprimir e torturar, … os pobres que não vestem uniforme…. Tomara, que das fileiras dessa corporação, onde tem muita gente boa, …. a consciência da verdadeira justiça comece a nascer…..

  5. Recordar a história que se repete e se repete e se repete

    Quando do massacre do Carandiru, nos dias seguintes, a PM de SP tinha uma apresentação em uma escola em que eu trabalhava.

    No dia exato levaram os cães pastores, desfilaram com eles etc. etc..

    Um aluno do colegial ( nível médio) aproximou-se de um dos cães e perguntou ao policial:

    – Foram esses que você usaram na invasão do Carandiru?

    FECHA O PANO.

  6. Não são as ideologias que são

    Não são as ideologias que são “anacrônicas”.

    ANACRÔNICA é essa “corporação” medieval que se acha acima das leis, do bem e do mal.

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