Genésio, o garoto que testemunhou contra os assassinos de Chico Mendes

Do blog de Marcelo Auler

Genésio Ferreira da Silva: “Pássaro sem Rumo”
 
Marcelo Auler
 
“Genésio Ferreira da Silva tinha apenas 13 anos quando o peão Darci Alves, de 21, a mando do pai fazendeiro Darli Alves, matou com um tiro de espingarda calibre 20 o líder seringueiro e ecologista Chico Mendes, em Xapuri, no Acre. O menino conhecia pouco a vítima, mas sabia muito sobre a vida dos assassinos. Na verdade, morava junto com eles, na Fazenda Paraná, a 20 km da cidade.
 
O crime ocorreu ao anoitecer do dia 22 de dezembro de 1988. Darci enfiou-se de tocaia no quintal da casa de Chico Mendes e por volta das 18h45 disparou sua arma atingindo o seringueiro com 42 caroços de chumbo no lado direito do peito. O pai do criminoso o aguardava com um churrasco para comemorar o feito, e Genésio sabia de toda a combinação. O que ele não sabia era que, nessa história, assumiria o papel de principal testemunha e que sua própria vida seguiria uma trajetória atormentada”.

O texto acima, do jornalista acreano Elson Martins, descreve um pouco como um inocente menino da floresta amazônica se tornou, sem querer, personagem central de uma trama com repercussão internacional. Mas isto, além da chamada mão Divina, teve outras mãos – e corações –do jornalista Zuenir Ventura, sua mulher Mary e seus familiares.

Hoje, com 40 anos, Genésio, lança sua história no livro  “Pássaro sem Rumo”, editado pelo Instituto Vladimir  Herzog, depois que o jornalista Elson e seu colega paulista Ricardo Carvalho, verificaram o excelente material que tinham em 365 páginas de papel almaço, escritas à mão, com esferográfica. Com a ajuda de Ivo Herzog, o calhamaço de papel virou livro.  É surpreendente saber que ele chegou a este resultado, narrando sua vida, de maneira simples como o caboclo amazonense, depois de todas  as agruras que viveu.

O lançamento, com direito a um bate papo com o próprio Genésio, Zuenir e a ex-senadora pelo Acre, também uma ex-seringueira, Marina Silva, será nesta terça-feira (27/10) a partir de 19Hs, na Blooks  Livraria (Praia de Botafogo 316).

Quem trabalhava no Jornal do Brasil no ano de 1989 ainda guarda na memória a história da matéria despretensiosa que Zuenir Ventura foi fazer no Acre e que acabou tornando-se não apenas um furo, mas a elucidação de um crime de repercussão internacional. Na verdade, poucos conheciam Chico Mendes até ele ser assassinado em dezembro de 1988. Havia exceções, é claro, como Edilson Martins, o jornalista acreano Elson e Marcos Sá Correa, diretor de redação doJB.

Lembro-me quando, por decisão, do Marcos Sá Correa (diretor de Redação) ou do Roberto Pompeu (editor executivo),  o Jornal do Brasil publicou na primeira página da edição dos dias 24 e 25 de dezembro (por ser no final de semana, houve uma edição única) o velório do ambientalista acreano que poucos conheciam.  Fizeram jornalismo, da melhor qualidade, o que hoje é raro.

O assunto já repercutia  internacionalmente.  E o texto primoroso da primeira página mostrava o clima de bang-bang, no interior do país, que os grandes centros fingiam não tomar conhecimento:

No Brasil dos assassinatos que se estende por toda a região Norte e Oeste do país, onde a pistola se abastece com a munição confortável  da impunidade, Chico Mendes é mais uma vítima de uma especialidade já banal – a morte anunciada, Ele sabia que estava marcado para morrer. Vivia dizendo isso. E a certeza ersa tanta que, em plena democracia, vivia como um clandestino. Não podia dormir duas noites seguidas na mesma casa. Não podia anunciar previamente seus deslocamentos. Nos últimos tempos, estava sob proteção permamente de dois PMs, cortesia do governador do Acre, Flaviano Melo.

Partiu novamente de Marcos Sá Correa -atualmente, alheio a tudo isso por questões de saúde – a brilhante ideia de enviar Zuenir Ventura ao Acre. Pelo que me recordo, ele ainda esboçou alguma reação. Flávio Pinheiro (também editor executivo) ajudou a convencê-lo. Hoje, certamente, o próprio Zuenir deve reconhecer que foi uma das melhores coisas que ele fez como jornalista e como ser humano. Trouxe um furo, salvou a vida de um menor e resolveu um caso que internacionalmente o Brasil era cobrado.
 
Foi Zuenir quem descobriu que Genésio era a testemunha importante do crime, como narrou Elson lá em cima.  Não apenas descobriu isso, como percebeu que ele, depois de fugir da Fazenda de Darli e Darci, vivia no Batalhão da PM de Xapuri, sem qualquer proteção.
 
Quando falo em agruras, recorro ao texto do próprio Zuenir n Prefácio do livro: 
 
“Genésio Ferreira da Silva, esse o seu nome, assistira a toda a preparação do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, arquitetado na fazenda por Darly e executado por seu filho Darci no dia 22 de dezembro de 1988. E resolveu contar o que sabia à polícia e à justiça. A atuação de Genésio nas investigações, sua coragem, os riscos que correu, tudo isso está contado no livro “Chico Mendes – crime e castigo”, no qual também descrevo como fui obrigado pelas circunstâncias a retirar o menino do Acre e trazê-lo para o Rio de Janeiro. Desprotegido e vulnerável em meio a um clima de guerra 10 entre fazendeiros e seringueiros, ia acontecer com ele o que acontecera com Chico: seria assassinado. Questão de tempo.
 

A história adquiriu um tom meio épico, quando o jornalista Élson Martins e eu praticamente sequestramos Genésio num pequeno avião alugado, com o conhecimento do juiz de direito da cidade de Xapuri, Adair Longuine, e o entregamos à guarda do comandante da PM em Rio Branco, coronel Roberto Ferreira da Silva, que por acaso tinha o mesmo sobrenome do menino e se dispusera a protegê-lo. A operação acabou me dando a heróica sensação de que salvara uma vida.

Um mês depois, porém, o coronel me telefonou para comunicar que Genésio não podia permanecer lá: ele descobrira, dentro da corporação que comandava, uma trama para executá-lo. A saída era trazê-lo para o Rio, onde Genésio permaneceu sob minha tutela até os 21 anos. No entanto, por medida de precaução – sabiam no Acre que ele estava comigo –, ele estudava fora, meio às escondidas, passando os feriados e as férias conosco.

Produto quase vegetal dos povos da floresta, esse ser telúrico nunca se aclimatou à selva de pedra. Vivia em estado de eterno exílio. Numa inadaptação permanente, frequentou várias escolas em umas oito ou nove cidades, percorreu outros tantos lugares, viveu inúmeras peripécias e nunca se refez do choque cultural da mudança. Nunca deixou de ser perseguido por uma saudade visceral de sua terra, por uma recorrente melancolia e pelo assédio incessante do álcool. Aprontou em vários lugares, mas em nenhum momento hesitou em cumprir o incômodo e arriscado papel de testemunha que o destino lhe reservou”.

Vale complementar com o que escreveu Elson na Apresentação::

“Genésio prova com este livro testemunhal escrito aos 27 anos (completou 40 em agosto de 2015) que não foi um menino qualquer pinçado das turbulências amazônicas. Mesmo com os estudos interrompidos na sexta série do ensino fundamental, consegue dar pistas confiáveis sobre o imaginário dos povos da Floresta Amazônica. Na forma como descreve suas angústias e medos, revela sentimentos existencialistas de fazer inveja a pensadores consagrados; ao mesmo tempo, põe em cheque a nacionalidade que aceita conviver com uma parte invisível dela mesma, sem avaliar os riscos dessa abominável indiferença”.

Como se vê, é um livro indispensável a quem conhece a história e se preocupa com o Brasil, com o Meio Ambiente e com os povos da Floresta.

Redação

4 Comentários

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  1. Não ficou esclarecido se

    Não ficou esclarecido se Genésio tinha pai, mãe, família. Se sim, foi o menino se desenvolvendo e sofrendo no RJ, e a família em Xapuri, afinal que pais podem dormir tranquilos com a ausência de uma criança, sem saber da vida dele?

     

  2. No Rio de Janeiro quem se

    No Rio de Janeiro quem se responsabilizava  por este menino

    de 13 anos que “estudava fora, meio ´`as escondidas, e que

    “passava as férias e feriados conosco”?

    Esse negócio de “assédio incessante do alcool” deve ter

    outro nome.  Abraços a Zuenir que ajudou muito, mas que

    não pode evitar o assédio do alcool.

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