Já deu bom dia pro faxineiro hoje?

O texto a seguir é do publicitário Felipe Silva que virilizou na internet. Entenda por que. 
 
 
Jornal GGN – O publicitário Felipe Silva divulgou essa semana um texto que virilizou na internet que tinha como objetivo inicial falar do nascimento do seu filho, mas acabou indo além apontando a dignidade de quem sobreviveu a uma vida dura e recusa-se a aceitar o discurso da meritocracia que esconde a difícil realidade de milhões que nascem com pouca oportunidade para competir em pé de igualdade no mercado de trabalho.
 
Catraca Livre
 
Texto de publicitário sobre pobreza viraliza
 
Redação
 
Catraca Livre considera esse texto um dos mais belos produzidos sobre a pobreza, honestidade e perseverança. É do publicitário Felipe Silva
 
SENTA QUE LÁ VEM TEXTÃO. MESMO! MUITO GRANDE.
Hoje nasce meu filho.
Mas antes de vocês conhecerem o Murilo. Precisam me conhecer.
Então vou contar um pedacinho da minha história adulta. Só um pedacinho pra não tomar muito seu tempo.
Ano: 2001.
Chuva de balas do auge da guerra CV x ADA.
Eu, 17 para 18 anos. Preto, favelado, pobre. Raivoso feito um cão magro de rua. Teimoso, teimoso e teimoso.
Segundo grau completo em escola pública com um ano de antecedência, mas claro, nunca passaria num vestibular pra faculdade pública.
Sem dinheiro, sem emprego.
Duas saídas: escolha fácil, o tráfico de drogas! Direto, rápido, poder batendo na porta. Dinheiro sobrando pra esbanjar. Tava ali, era só querer.
Ou escolha difícil: projeto social do Governo do Estado para jovens de comunidades carentes. Ser Aux. de Serviços Gerais. Literalmente: faxineiro de órgão público.
 
 
Escolha difícil: virei faxineiro do hospital da Polícia Militar.
Enfermaria A. Varria, limpava e lavava todo o corredor, banheiros e todos os apts. No refeitório, só era permitido almoçar por último. Não iam misturar os faxineiros com os enfermeiros, médicos e policiais, né? Sabe o que acontecia? Nunca sobrava carnes. A gente tinha que comer ovo, todos os dias. Ovo frito.
Quer ouvir uma coisa triste? Eu achava que estava bom. Que era suficiente. Era o que eu merecia. Tinha um salário. Consegui comprar um tênis legal. Ajudava minha mãe nas contas de casa. Estava ótimo.
Aí… a polícia invadiu minha casa.
 
 
Seja inocente, trabalhador, honesto. Foda-se.
A regra quem faz não é você. Sua mãe no chão, seu sobrinho no chão, tiro de fuzil na sua porta.
De novo, escolha fácil: tráfico, vingança, chapa quente, guerra contras aqueles filhos da puta.
Escolha difícil: consguir um trabalho, ganhar mais e sair do morro.
Claro, escolha difícil: fui juntar dinheiro pra entrar na faculdade. Mãe foi fazer mais e mais plantões pra ajudar a pagar.
Comprei um guia do estudante, li tudo. Teimoso, quis fazer Publicidade.
Me disseram: pobre publicitário? Hahahaha…
Quis ser redator. Me dei conta: aos 22, só tinha lido 3 livros em toda a vida. Hahahahah.
6 meses de faculdade. Não consigo mais pagar.
Escolha fácil: desiste moleque.
Escolhe difícil: desiste moleque.
Ok, sem escolhas.
Mas não dizem que sempre tem escolha?
Dizem… hahahahahahah…
Sou teimoso, se é o que eles querem eu não faço.
Bora ser preto, suspeito na rua, dura da polícia toda semana, segurança de loja mandando abrir a mochila, porta de banco travando.
Mas vão se fuder que vou vencer honesto.
Meritocracia é a puta que pariu.
Oportunidade pra todos é a puta que pariu.
Não existe, chapa, tudo utopia.
Mas pobre não tem nada a perder. “Se você não tem saída, vença!” Foi o que eu fiz.
Fim do primeiro ato.
2016.
Eu, 33 anos. Preto, casa de dois andares, carro. Viagem pra NY. Redator de uma das maiores agências de publicidade do mundo. Leão em Cannes. Em print. Categoria foda. Mais de 200 livros lidos. Tatuaram uma frase minha na pele. Projeto humano com mais de 1500 kits mensais para moradores de rua. Construí uma casa pra minha mãe.
E hoje, vejo nas timelines que só se entra no crime porque quer.
Que a oportunidade está aí. Que é só querer.
Que é só se esforçar. Que meritocracia funciona.
Que bolsa família faz o pobre não trabalhar.
Que ajuda do governo deixa pobre mal acostumado.
Que a polícia tem que invadir a favela e dar tiro.
Com toda serenidade e conhecimento que aprendi ao longo desse tempo, lhes digo: vão tomar no meio dos seus cu!
EU SOU O CARA DA FAXINA, rapaz.
Esse aí que tirou seu lixo hoje.
E esse país só vai melhorar quando você achar certo que que eu divida a mesa do trabalho com você. Que eu frequente o mesmo shopping, faça a mesma viagem, tenha o mesmo carro que você, vá a mesma faculdade que seu filho.
Quando você me der bom dia de verdade e não automático. E agradecer que eu limpei seu café derramado no chão. E ver que eu tenho nome.
Que eu sou gente.
Que eu tenho sonhos.
Que eu fiz escolhas difíceis pra caralho pra ser um faxineiro.
Que eu não quero comer ovo, porra.
Que eu não quero ser parado na rua porque sou preto.
Ser olhado feio porque sou pobre.
Antes de falar de preto, de pobre de favelado. Saibam: todos esses sou eu.
E te digo: viver no morro é uma merda. Ser pobre é uma bosta.
Porque escrevi tudo isso?
Porque hoje nasce o meu filho.
E, afinal, não era justo vocês conhecerem meu filho, se a maioria nem conhece direito o Felipe.
Mas hoje vocês vão poder saber porque eu vou olhar nos olhos dele com a certeza de que não arredei o pé da honestidade.
Não fiz concessões. Não dei um passo atrás. Não falsifiquei 1 porra de carteirinha de estudante sequer.
E fiz tudo isso só pra ele saber que é possível.
Só pra poder contar pra ele que é foda pra caralho, mas é possível.
E tudo isso feito só com motivos.
E que hoje, ele vai me dar uma razão.
Im
 
 
Redação

19 Comentários

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  1. Sim, pro faxineiro e pra

    Sim, pro faxineiro e pra mulher do cafezinho que, por méritos, fazia o pior cafezinho do mundo…hehehe. Mas nada se comparava, ídolo dos engenheiros e outros “meritotrizes” como o técnico de segundo grau que fazia a manutenção elétrica da empresa (estatal de economia mista, CLT): pegava no fio desencapado para provar a resistência ao choque que adquiriu durante anos de trabalho. Pior que era verdade, era (e é) uma lenda.

     

     

     

    1. CLT! CLT!


      Trabalhei em estatal, mas era CLT! Não precisa justificar, caminhante. Aqui pouco importa se tu trabalhavas ou não em estatal.

      Fica nítido o teu preconceito e esta tua tentativa de justificativa ao teu liberal no nickname.

      1. Concordo, JB

        Me lembrou o caso do menino sírio encontrado morto, afogado na praia.

        Como mudar essa realidade?

        Como nós agiríamos nesses casos? Faríamos diferente? Igual?

        Até tenho explicações. Explicações, mas não justificativas.

        Não aponto dedos. É muito fácil. Tento olhar para mim. E é mais difícil.

        O Nassif poderia transformar este vídeo em post. Gostaria de ler as reações de cada um.

        Para mim, senti como um soco na cara. E ainda está doendo.

         

  2. Outro dia A RECORD fez uma

    Outro dia A RECORD fez uma pegainha desse tipo, colocando artista toda suja, imitando mendiga. A todos que a moça se dirigiu pedindo algo pra comer, dentro de restaurantes ou fora deles, serviu para ser descartada. Entre 10, acho que um homem dividiu um pedaço de pizza. Mas, o que a fez chorar foi ela se dirigir a uns mendigos vivendo em barracas improvisadas e ver que eles não só lhe deram comida, como ofereceram roupa, e até um espaço pra ficar com eles.

    As pessoas tem medo de gente pobre, como se a pobreza fosse contagiosa. É algo muito comum, e não apenas aqui no Brasil, pelo visto.

     

  3. A REALIDADE

    Esse texto é tudo, porque sintetiza exatamente o sistema bruto que somos obrigados a viver, e contradiz essa narrativa fascista, de gente branca, elitizada, que não enxerga nada além que um palmo do nariz. Emocionante!

  4. Conheço pouca gente que se

    Conheço pouca gente que se muda como eu. Não consigo morar mais de 06 anos no mesmo apartamento. Quando saio, vejo a tristeza no semblante de todos os funcipnários, porque sempre tive muito carinho e atenção a todos, indiscriminadamente, do porteiro ao limpador de carro. Crio uma amizade com eles, e elas, e também parto com saudade. E não é por ter sido pobre, e lutado muito na vida, porque conheço muitos que foram mais pobres que eu e hoje se mostram esse tipo mesquinho.

     

  5. Taí, viu? Esse aí é um

    Taí, viu? Esse aí é um coxinha honesto. Não entende nada de política, não sabe o que é Estado de bem estar social. Não tem ideia que bolsa família pode deixar alguns no ócio mas, além de ser uma tecnologia empregada pelos países desenvolvidos para ajustar o estado de bem estar social, auxiliar o desenvolvimento saudável do capitalismo pela equilibração do consumo e minorar a orgia da desigualdade social promovida pela transformação do capitalismo desenvolvimentista em financeiro-rentista-especulativo, é uma das primeiras tecnologias polícas que um país em desenvolvimento precisa utilizar. Mas o moço aí, honesto por vocação, mas inocente útil para todos aqueles que visam uma exceção destas, num país miserável como o nosso, para transformá-lo em “coxinha padrão”. E aposto que não vai dar outra. É agora que o rapaz vai progredir na vida, será um exemplo para o desgoverno a temer. E deveria ser uma temeridade para as pessoas lúcidas, ou loucas o suficiente no Brasil, para desejar o bem-estar social para nosso povo 92% analfabeto funcional, tão analfabeto que, na internet, conseguiu agradar tanto os golpistas como os antigolpe.

    1. Maria, Penso que fez uma

      Maria, Penso que fez uma análise incorreta do texto.  Ele contou uma história pessoal de luta,   foi o que fez e não fez e ponto. Contou para os seus amigos do Face, não tinha intenção de ser famoso por isso.  Por isso julgá-lo ser uma coisa ou outra é fácil, mas não é justo.  Em um outro texto dele,  um post da sua página no Face, ele se diz surpeendido pela reação positiva das pessoas, diz que ele conseguiu chegar lá, mas muitos como ele  poderia não conseguir.  

       

       

  6. Um depoimento que vale mais

    Um depoimento que vale mais que mil livros, teses,  e o que diabo mais for, acerca da condição humana. 

    O interessante é que milhares, talvez milhões, se sensibilizem até chorem, com tal relato, mas que amanhã mesmo volte a cegueira costumeira que não enxerga essa realidade a lhes afrontar a vista e a consciência. Com quantos “Felipe Silva” na fase de “invisível” esbarrarão pelas ruas e interiores desse Brasil? 

  7. Meritocracia, que piada…

    A maior mentiura, o embuste mais deslavado que existe, que o capitalismo prega para as pessoas, é esse papo de que “as oportunidades são iguais pra todos”, ou que “todos tem chances”.

    Não vou nem chegar na situação de pobreza do autor do textão, e vou pegar uma realidade daqui do DF, onde vivo: vocês acham que o filho do cobrador do ônibus e o do médico/engenheiro/advogado rico têm as mesmas chances?

    O filho do cobrador estuda em escola pública e cedo tem que procurar trabalho pra poder defender a grana dele. Na melhor das hipóteses vai ter que estudar e trabalhar ao mesmo tempo. O filho do rico estuda em colégios que cobram 2 a 3 mil reais de mensalidade, estuda inglês e faz intercâmbio, só vai trabalhar mesmo depois que sai da faculdade, geralmente direto para uma pós-graduação ou mestrado.

    Todos tem chances mesmo? As chances são iguais pra todos? Só se for no mundo cor-de-rosa dos liberais. Esse papo é muito bom pro filho do rico ou do classe média-alta. Daí pra baixo é puro engodo, pra manter as coisas como estão!

  8. Olhar da igualdade surpreende

    Eu cresci numa família classe média descedentre de europeus pra lá de diferentes. Na minha casa aprendíamos que branco e negro tinham a mesma cor: a do ser humano. Que religiões tinham o mesmo peso na balança da vida, fosse a pessoa ligada ao catolicismo, ao judaismo, às igrejas evangélicas, às pentecostais, aos ritos africanos. Que liberdade de expressão e de ação era essencial ao ser humano. Que pobre e rico tinham, porém, condições e oportunidades diferentes na sociedade, seja na educação, no trabalho, na forma de viver. Sem querer meus pais ensinaram que havia sim uma grande diferença entre as classes sociais o que só fui entender teoricamente na universidade. Assim, eu e meus irmãos crescemos com uma noção de igualdade entre as pessoas que nos tornava diferentes por tratar aos bem situados na vida da mesma maneira como aos pouco recompensados financeiramente. Por essa simples postura temos sido considerados em diferentes profissões que exercemos em diferentes locais pessoas muito simpáticas. Simpáticos? 

  9. Amamos histórias de

    Amamos histórias de superação, como a do rapaz pobre do Nordeste que se formou médico com os recursos da mãe catadora de latinhas; ou mesmo do morador de rua de Brasília que passou num concurso público lendo os livros achados no lixo. Mas por que histórias assim emocionam e ao mesmo tempo têm forte apelo motivacional?

    Quando eu era novata de carteira de motorista, ao tentar entrar na garagem do meu prédio, calculei errado a manobra e acabei batendo e amassando o para-lama do carro.
    Uma semana depois, com o carro já devidamente desamassado e até parecendo novo, fui tomada pela falta de coragem de retomar a prática do volante. Por vezes eu ia até a garagem olhar para o carro e sentir se a coragem voltara, por mais de duas semanas a resposta foi não!

    Um dia assistindo tevê passou uma reportagem sobre um rapaz com deficiência física severa – ele usava cadeiras de rodas. Dizia o locutor que o seu grande sonho dele era poder ter um carro adaptável para lhe dar liberdade de ir para todo o canto. Ele não só conseguiu o carro como assisti a sua alegria e desenvoltura dirigindo. Naquele momento senti uma grande vergonha pelo meu medo. Enquanto a deficiência física do rapaz não o paralisou a mente com o medo de dirigir, no meu caso, a minha deficiência era justamente sentir medo e negar a minha capacidade para dirigir um automóvel que já possuía. No dia seguinte, apesar de ainda sentir medo, ele foi superado pela coragem. Sai com o carro pela primeira vez depois da batida. A história do rapaz foi a responsável pela minha coragem.

    História de superação também são a base do AAA. O viciado em álcool ao ouvir que outra pessoa conseguiu superar as dificuldades do vício, também passa a acreditar que pode fazer o mesmo. O exemplo parece ser uma ferramenta transformadora e poderosa.

    Mas existe um outro tipo de história que não parece de superação: são as histórias igualmente cheias de dificuldades, mas porque existem tantas parecidas elas nos parecem comuns e sem componentes de emoção e exemplo. E também porque não têm apelo motivacional, as pessoas julgam que seus atores não se esforcem o suficiente para sair de onde estão. Qualquer ajuda é vista como inútil e até errada. Creio que por isso a Bolsa Família seja tão criticada por uma parcela de pessoas. Provavelmente acham que ajudar pessoas que “não se esforçam” seria enfraquecer a possibilidade delas lutarem pelo seu melhor.

    Toda esta minha reflexão foi porque li a história de Felipe Silva um ex-morador de favela que hoje é um publicitário premiado. Li bem antes de ser publicado neste blog.  Fui lá na sua página do Face  e ele .  diz, pela surpresa dos inúmeros compartilhamentos da sua história,  que não é uma pessoa melhor do que as outras e nem especial, apenas que fez as escolhas certas. Ele próprio reconhece que outros como ele pode não conseguir a mesma coisa. Os comentários positivos a sua história foram inúmeros. Ele próprio não esperava que o seu depoimento fosse tão compartilhado. Quando li já estava com 18 mil compartilhamentos. Pelos comentários notei a nossa grande necessidade de ouvir histórias que nos inspirem, que nos joguem para o nosso melhor. Foi quando pensei: Se histórias assim nos conseguem motivar e nos deixar corajosos para superar as dificuldades, imaginem histórias que têm elementos para disseminar desagregação, ódio e preconceito? Pois então, muitas das notícias e comentários que inundam as nossas timelines, sites de notícias, tevê, rádio etc. têm elementos assim.

  10. O cara pretendeu fazer uma

    O cara pretendeu fazer uma crítica à meritocracia, mas fez uma ode a ela.

    Nasceu pobre, mas se superou com estudo, persistência, resiliência e o apoio de uma família estruturada e amorosa.

    Parabéns!

    Isso mostra que pobre não precisa da desculpa de botar culpa na pobreza, nas drogas, no crime.

    Suma ironia! Virou publicitário e agora ajuda a massa a empurrar goela abaixo produtos capitalistas!

    E ainda se dá ao luxo de mandar os outros bukowiskianamente “tomar no cu”, porque é super descolado escrever textos desbocados…

     

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