Justiça racial: sociedade e Estado em prol da igualdade, por Márcia Lima

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Folhapress

Por Márcia Lima

Celebramos nesta terça-feira (20) os 323 anos da morte de Zumbi dos Palmares. Já existe no país uma tradição de promover, ao longo desta semana ou deste mês, reflexões sobre a questão racial.

Precisaríamos muito mais do que isso para avançarmos neste debate. Mesmo assim, é importante, neste dia, registrarmos as conquistas, os entraves e, acima de tudo, ficarmos atentos em relação ao futuro.

O cenário das desigualdades raciais no Brasil em suas amplas dimensões –acesso à educação, progressão escolar, emprego, rendimentos, violência racial, dentre outros– tem sido alterado em razão de três aspectos fundamentais: denúncia, pesquisa e ação estatal.

No campo da denúncia, as lutas contra a opressão racial são parte da nossa história. As conquistas da população negra têm sido decisivamente marcadas pela resistência e denúncia de seu próprio povo do tratamento recebido pelo Estado e pela sociedade brasileira.

As rebeliões escravas, a formação dos quilombos, a imprensa negra, assim como a produção intelectual e artística dos negros brasileiros são alguns de muitos exemplos históricos do engajamento de negros e negras na demanda pela igualdade racial. Nenhuma conquista dos negros neste país ocorreu sem sua luta e participação.

Nas pesquisas acadêmicas são fartos os estudos sobre os efeitos da condição étnico-racial na composição das desigualdades. Há pelo menos oito décadas de acúmulo de investigações que buscam entender os entraves enfrentados pela população negra no processo de realização socioeconômica.

Pesquisas realizadas por acadêmicos negros e brancos, nacionais e estrangeiros, em diferentes instituições de ensino e pesquisa, constatam que ser negro altera as chances de mobilidade social, de realização educacional e dos seus rendimentos, independentemente da origem social.

Mesmo quando quebram as barreiras educacionais, recebem salários desiguais. Vale ressaltar ainda que as desigualdades raciais não se restringem às dimensões medidas pelos tradicionais indicadores de educação e renda. As taxas de homicídios da população jovem, assim como as de feminicídio, são fortemente marcadas pela condição racial das vítimas. A violência no Brasil não é aleatória e afeta de forma desigual os negros do país, marcados pelos estereótipos raciais que colocam todo jovem negro sob suspeição.

No que concerne às políticas públicas, o processo de reconhecimento dessa agenda ocorreu recentemente e foi de curta duração. Durante muito tempo, o Estado brasileiro ignorou a existência de desigualdade racial, deixando de tratar desse tema como um problema da sociedade brasileira. Mesmo com todas as limitações, a inclusão dessa questão na pauta estatal promoveu mudanças profundas no quadro das desigualdades raciais do país.

Em dez anos, quadruplicou a presença de negros no sistema de ensino superior, foram revistos os conteúdos didáticos sobre a história do negro no Brasil e teve início o reconhecimento dos territórios quilombolas. Hoje temos no Brasil uma geração de jovens negros mais escolarizados, que conhecem e têm orgulho da sua história e demandam por futuro mais igualitário.

A manutenção da igualdade racial deve ser meta de qualquer governo comprometido com o futuro do país, que tem mais de 50% de negros na sua população. Não é mimimi muito menos vitimismo. Trata-se de justiça.

Professora do Departamento de Sociologia da USP, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e assessora do Geledés – Instituto da Mulher Negra

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Raça & Classe e a Justiça SOCIAL

    No artigo da professora de sociologia ainda prevalece a visão de se debitar, exclusivamente, ao fator dito ´racial´, como fator preponderante para as desigualdades que os pretos e pardos vivenciam em relação aos demais extratos da população. Ainda a questão de Raça & Classe sob a ótica de Florestan Fernandes não recebe o relevante tratamento que merece: a exclusão se manifesta pelos fatores sócio-econômicos antes da presença do alegado fator ´racial´. Sou pelo socialismo democrático através de políticas públicas que deem maior ênfase à melhor distribuição de rendas e que assegure mais igualdade de oportunidades.

    Por isso a principal Justiça a ser buscada deve ser a Social e não essa propalada Justiça ´Racial´, pois, se a ´raça´ é uma imposição arbitrária imposta pelo racismo, sem fundamento nas ciências biológica e da genética humana, a busca de sua ´Justiça´ não é a mesma da luta contra o racismo. Ser antirracista é a luta para destruição da crença em ´raças´ para que todos, brancos, pretos e pardos, tenham os mesmos direitos à igualdade de tratamento e de oportunidades. Sem exceção.

    Conforme ensinou Florestan os afro-brasileiros são mais excluidos, discriminados e destratados por serem os herdeiros da cultura escravocrata. O excelente filme ´12 anos de Escravidão´ (Steve McQueen, 2014) veio explicitar os sentimentos com que a escravidão africana conseguiu sobreviver por tantos séculos: a negação da humanidade dos pretos. O tratamento violento e cruel. O abuso do corpo da mulher e a superexploração da fôrça física do homem eram a regra da escravidão.

    No Brasil, pela superdimensão do escravismo, seus efeitos são ainda os mais perversos. E conforme ensinou ORACY NOGUEIRA (“Tanto Preto, Quanto Branco, USP, 1955) – https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/842401/course/ section/252001/Oracy%20Nogueira%20-%20Preconceito%20de%20Marca.pdf – em que o trabalho acadêmico na USP demonstrou pela primeira vez que, diferentemente dos EUA onde o sangue africano (raça) sempre foi indicativo suficiente para a exclusão, os preconceitos e as discriminações – “iguais, mas separados” fixou a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, no Brasil, sempre foi a cor dos pretos, (a marca), que, conforme Florestan remetia como sendo a marca de escravos (´negros´) o fator de desigualdades sociais, de negativa aos legitimos direitos de inserção social.

    Por isso, vivemos atualmente, as consequências sociais dessa história. E as consequências podem e dever ser medidas exatamente pelas desigualdades sociais decorrentes da nossa herança escravocrata. Temos, pois, a maldita herança da escravidão por 350 anos. Abolida sem políticas de compensação os ex-escravos foram abandonados à própria sorte num ambiente social hostil. Os pretos e pardos são 2/3 dos mais pobres. 2/3 dos analfabetos. 2/3 dos desempregados e 2/3 da população sem teto e em situação de moradias precárias em áreas de atuação e controle de organizações criminosas, onde os jovens acabam sendo recrutados. Portanto, enquanto não se equacionar a questão social é impossível identificar com clareza a questão ´racial´. Assim, em razão da exclusão social (e não racial) somos 2/3 da população carcerária; 2/3 das vítimas de morte violenta; 2/3 dos jovens de 12 a 28 anos fora do sistema educacional. Assim, não consigo enxergar apenas recorte ´racial´ nessa tragédia social, conforme defendem os racialistas, vejo em especial, a desigualdade social e de oportunidades.

    Aliás parece bem evidente que foram os fatores econômicos dos governos do PT, de 2003 até 2012, que mais beneficiaram os pretos e pardos. Mais de 70% dos beneficiários dos programas sociais – Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida – além do reajuste real do salário mínimo que subiu de U$ 70,00 para mais de U$ 300,00 dólares, o principal fator de elevação social das condições de vida dos afro-brasileiros em todos os tempos. Os trabalhadores de menor qualificação tiveram notável melhoria nas condições sociais de vida.

    Portanto, mais uma vez neste 20 de novembro louvado à memória do Herói Zumbi de Palmares, não é a ´raça´ a maldição bíblica que fere os direitos da cidadania dos afro-brasileiros, sendo as políticas públicas, nada republicanas, as razões da miserabilidade e desigualdades sociais que afetam a vida dos mais de 100 milhões de pretos e pardos, ao lado de outras dezenas de milhões de pobres que não são pretos nem pardos e representam 1/3 do restante de vítimas das desigualdades sociais no Brasil, as maiores desigualdades entre todas as nações.

  2. RACISTAS SÓ QUEREM A CONTINUIDADE

    Caro sr. Militão, não é à toa que não tem espaço na Mídia ideologizada Absolutista Esquerdopata. O sr., acredita que abririam mão de tamanha possibilidade de espaço e um ‘ganha-pão’ tão generoso? Perpetuar a Indústria da Pobreza, do Analfabetismo, do Racismo, mantendo a Sociedade sob ‘Verdades Absolutas’ que não devem ser contestadas é o que nossa Elite Esquerdopata faz nestes 88 anos. Indústria de enorme sucesso, dividida e distribuida dentro de Universidades Públicas e Feudos e Corporativismos Públicos, onde a luz da Meritocracia não pode chegar nunca. E não é fácil manter tamanha competência, não é mesmo Dona Luislinda? Ainda mais ganhando poucos 40 mil reais por mês como Salário de Escravidão. Compreendemos o sacrifício. E porque o caro Professor foi alijado de todo processo sob a discussão de pobreza e vitimização que recaiu sobre o Cidadão Brasileiro. Negro ou Branco. Indigena ou Urbano. Nordestino ou sulista. O Racismo é um grande negócio. Ou o sr., não percebeu ainda?!   

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