Lanceiros Negros: procuram-se os responsáveis pela atrocidade, por Jeferson Miola

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Foto: Guilherme Santos/Sul21
 
Lanceiros Negros: procuram-se os responsáveis pela atrocidade
 
por Jeferson Miola

A atrocidade da Brigada Militar [BM] na desocupação do movimento Lanceiros Negros é triplamente abominável.

1. O edifício de propriedade do governo do Estado, localizado no centro de Porto Alegre, foi ocupado pelos Lanceiros Negros em novembro de 2015. Antes disso, por 10 anos este imóvel estatal ficou sem uso e abandonado.

Naquele edifício, dos Lanceiros Negros, convertido num lugar-movimento e transformado numa escola de vida e política, mais de 170 jovens constituíram famílias, geraram as crianças que recém nasceram [ali residia inclusive um bebê de 30 dias], montaram uma biblioteca para si e para seus filhos, definiram regras comunitárias e processos democráticos de deliberação, se integraram com dignidade e respeito à vida no bairro, se tornaram personagens do centro da cidade, enfim, se fizeram luzes indicadoras de que a reurbanização do centro histórico da cidade só é possível quando acolhe e integra com humanidade na sua paisagem o povo simples e trabalhador.

O chefe do Executivo gaúcho, José Ivo Sartori, contudo, insensível a isso tudo, rechaçou com uma burrice cega e preconceituosa este bem sucedido experimento popular de organização social baseado na auto-gestão. Como a inteligência gerencial e a sensibilidade humana do Sartori cabem num tubo de gás pimenta, para ele o assunto é resolvido de maneira simples e prática: bastam cassetetes e balas de borracha.

Sartori simboliza o despotismo; ele representa o método de governar que condena o Estado e o povo gaúcho ao atraso, que faz com que o Rio Grande seja cada vez mais confundido com o arcaísmo e menos com o futuro.

2. Outro poder de Estado, o Judiciário, na pessoa da juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, aparentemente também portadora da tendência obtusa de perceber a realidade como o governador Sartori, concedeu ao governo estadual uma muito singular ordem de reintegração de posse.

Ela colocou o bem material acima da garantia da vida humana; fato coerente com a hermenêutica da juíza. Afinal, para ela, as coisas, o trânsito e os prédios valem muito mais que a maioria destas pessoas miseráveis e sem-teto que ela manda desalojar a qualquer hora do dia e da noite com frio e chuva e que recebem, em todo o ano, menos do que a classe da juíza ganha por mês só através de um obsceno auxílio-moradia.

A juíza determinou “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”, e também autorizou o emprego de violência policial.

Se o Tribunal de Justiça do RS validar “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente” e de violência para o desfecho de conflitos sociais, estará validando o arbítrio como resposta aos conflitos existentes no interior da sociedade, o que é típico de regimes de Exceção.

3. A atrocidade da Brigada Militar é raramente vista. A corporação da polícia militar tem uma cadeia de comando que começa no [1] Comandante-Geral da BM, passa pelo [2] secretário de segurança Cézar Schirmer, e termina no [3] governador do Estado, comandante supremo da BM, de acordo com a Constituição Estadual de 1989.

A Brigada foi atroz com os integrantes e com as organizações apoiadoras dos Lanceiros Negros, numa demonstração inequívoca de que a repressão e a truculência substituíram o cérebro.

A BM também foi atroz com a Assembléia Legislativa do RS, que teve um dos seus deputados, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Jefferson Fernandes, agredido, arrastado, algemado, seqüestrado e enfiado num camburão da BM que circulou pela cidade para finalmente “desová-lo” em frente ao Theatro São Pedro, ao lado da Assembléia Legislativa.

O deputado foi alvejado com bala de borracha na perna, torturado, espancado e xingado enquanto mantido no camburão com outras duas mulheres também presas ilegalmente. Aliás, outra flagrante ilegalidade da BM, de conduzir homens e mulheres no mesmo veículo usado para detenção.

O presidente da Assembléia do RS, deputado Edgar Pretto, PT/RS, traduziu com equilíbrio e precisão a gravidade do ocorrido: “a Assembléia foi violentamente afrontada com prisão do deputado Jefferson Fernandes”.

Passaram-se mais de 24 horas desde que esta atrocidade foi perpetrada e nem o secretário de segurança, Cézar Schirmer, como tampouco o governador do estado, José Ivo Sartori, se pronunciou sobre o atentado à democracia que fica evidenciado na prisão inconstitucional do deputado Jefferson Fernandes.

Esta atrocidade obedeceu uma cadeia de comando, do Judiciário ao Executivo, num ataque frontal e duplo à soberania popular: reprimindo o povo diretamente na desocupação, e atacando a soberania popular representada no mandato parlamentar.

Estivéssemos vivendo um Estado de Direito, as demissões do comandante-geral da BM e do secretário de segurança seriam os dois últimos atos assinados pelo governador Sartori antes da assinatura da renúncia ao cargo que ele tanto envergonha.

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Redação

6 Comentários

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  1. É incrível, justamente num

    É incrível, justamente num momento de muitas chuvas e desabrigados no RS justiça e governo decidem desabrigar mais cidadãos. Pra que política? Justiça? Polícia?

  2. “A Construção” de Chico

    “A Construção” de Chico Buarque ainda previa a possibilidade de os trabalhadores atrapalharem o tráfego. Esse judiciário parece ser como dizem por aí “pós-moderno “.

     “A juíza determinou “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”, e também autorizou o emprego de violência policial.”

  3. A brigada militar e os capitães do mato

    A brigada militar mais uma vez exerce o exercício regular do direito de ser covarde contra o povo, assentada num judiciário encastelado em privilégios (os famosos e infames penduricalhos, por exemplo), distante de qualquer questão social, e num executivo mais do que medíocre. Não esqueçamos que o secretário de justiça do rs foi prefeito de Santa Maria à época de uma das maiores tragedias da história brasileira e é um “quadro histórico do pmdb gaúcho “. Não esqueçamos, ainda, que a força policial que desaloja com grande violência mulheres e crianças é a mesma que dias atrás arrebentava grevistas em frente ao palácio do mais do que medíocre governador, e que, por conta das políticas desse sujeito desclassificado, está a receber seus baixos salários em parcelas definidas arbitrariamente pelo executivo. Tudo, claro, com as bênçãos da rbs, para a qual não faltam investimentos do Estado: mesmo com políticas de austeridade que massacram todos os gaúchos, em todos os campos das políticas públicas, os gastos com publicidade são mantidas em patamares sustentáveis… Para rbs. Só os incautos e burros ainda não perceberam que vivemos à exceção dissimulada em certa normalidade institucional, que, pelo que se percebe, existe apenas no campo do discurso.

  4. Abaixo a ditadura dos golpistas psicopatas!

    Pode ser que para sairmos dessa ditadura, somente um pacto resolva. Igual aquele excelente pacto que os militares fizeram com o pmdb e democratas, onde ninguem se feriu, se eu roubei e você roubou, ninguem viu, tamucombinado e pinguéla é a p* queopariu! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  5. Entender o estado

    Quem entende o estado, sendo pobre, não se reproduz, porque sabe que não terá garantia nem de sobrevivência digna, isto é,  nem de alimentação, nem de teto, nem de saúde e nem de educação, nem de bem estar, nem de dignidade qualquer.

    Mas, a igreja garante a ilusão de que é do pobre o reino dos céus e que filho é bênção.

    Para os pobres inconformados a mídia garante que todos poderão virar artistas ou jogadores de futebol.

    Pelo estado a  justiça garante que o povo terá a natalidade que a igreja aconselha e ai de quem desafiar esse designio.

    A polícia, por sua vez,  garante a justiça e mantém o controle sobre os pobres.

    E o estado garante que  o povo, sendo pobre, jamais possa entender o estado.

    Reis, sacerdotes e  guerreiros, essa é a tríade original de poder que constitui os estados desde sempre.

     

     

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