Médicos, fronteiras, política e vidas humanas, por Aracy Balbani

Por Aracy Balbani

Faltando duas semanas para o Dia do Médico, celebrado no Brasil e em outros países em 18 de outubro, o mundo recebeu a notícia do bombardeio, por um avião norte-americano, do hospital onde a ONG francesa Médicos Sem Fronteiras (MSF) atuava em Kunduz, no Afeganistão. O ataque aéreo matou pelo menos 19 pessoas, sendo nove membros do MSF e sete pacientes internados na UTI, e feriu com gravidade outras 37.

Em meio às promessas de investigação das circunstâncias do ataque ao hospital, que estava lotado e era o único que prestava socorro às vítimas de conflitos armados na região, ficamos perplexos com mais essa demonstração da incapacidade de agentes civis e militares de garantirem a segurança dos doentes e também de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde que estão trabalhando.

Médicos têm consciência de que correm riscos ao se ocuparem da tarefa de cuidar das outras vidas humanas. Sabem que estão expostos, por exemplo, a vírus, bactérias e demais agentes causadores de doenças infectocontagiosas potencialmente fatais; à radiação e a substâncias químicas nocivas. Para se protegerem, necessitam de equipamentos como luvas, máscaras, aventais de chumbo, etc. Ainda que tomem todas essas precauções, não ficam imunes a acidentes de trânsito ou aéreos ao se deslocarem para seus locais de trabalho, nem mesmo a catástrofes naturais, como ocorreu com a Dra. Zilda Arns, pediatra morta durante o terremoto no Haiti em 2010 ao participar de missão humanitária.

O que é inadmissível é que médicos e outros membros da equipe de saúde em serviço – voluntário ou não – sejam vítimas das catástrofes políticas da irresponsabilidade, omissão ou covardia. Seja nos cenários internacionais de guerra com ataques aéreos e artilharia pesada ou na violência urbana brasileira de cada dia – dos tiroteios na periferia às agressões verbais e com armas brancas nos prontos-socorros e ambulatórios públicos –, a situação atingiu um ponto intolerável.

Não são aceitáveis episódios como os do bombardeio ao hospital afegão. Nem os casos de peritos do INSS abatidos a tiros por cidadãos insatisfeitos com a atuação profissional do médico. Também é uma aberração que os plantonistas que não cedem à corrupção, recusando-se a fornecer um atestado médico falso, sejam ameaçados por pacientes.

No cotidiano da saúde em todo o mundo, a violência tem sido real e profundamente dolorosa. Enquanto isso, muitas vezes a segurança dos profissionais e pacientes, bem como a apuração rigorosa dos fatos e ameaças, não passam de promessas virtuais de políticos, daquelas que logo se desmancham no ar. Para vergonha de todos nós, interesses políticos e conveniências estratégicas ainda têm prevalecido sobre a vida humana.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma que ”o pessimismo verdadeiro é o silêncio; é não tomar atitude alguma na ilusão de que nada mais pode ser feito para mudar a sociedade que aí está”.

Não é mais possível o silêncio diante da violência, sejam quais forem o tamanho e o poder do agressor. A mediocridade do Estado na política ou na diplomacia não pode aniquilar a nossa paz. Basta de equipes de saúde em todo o planeta pagarem até com a própria vida pelos erros dos políticos movidos a ambição, portanto fadados a um retumbante fracasso.

Ou fazemos muito barulho e tomamos atitudes concretas para mudar isso – talvez através de um movimento “Médicos para a Paz”, que transcenda todas as fronteiras geográficas -, ou chegaremos a 18 de outubro sem nenhum motivo para comemorar a data.

Redação

8 Comentários

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  1. Para esperar os ianques

    Para esperar os ianques cumprirem a promessa de investigar suas constantes “mancadas”, melhor puxar a cadeira.

  2. Os paneleiros…

    Os paneleiros, antes “coxinhas” e, atualmente  “somos todos cunhas”, em manifestações imbecís,  vestem-se com a bandeira do país que está causando o caos no mundo. Não à toa aceitam o patrocínio material e virtual para desestabilizar o próprio país. Uma lástima!

  3. E por falar em movidos pela ambição…

    … bom lembrar-mos que existem MÉDICOS e os nem tanto.

    QUINTA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 2013

    http://jornalaico.blogspot.com.br/2013/07/medicos-ricos-nao-querem-atender.html 

    Médicos ricos não querem atender pacientes pobres

    Grande parte dos médicos são ricos. Quase todos querem ficar nos grandes centros. Poucos querem ser clínicos. É o que diz pesquisa. E se o Conselho Federal de Medicina os representa, também não querem que venham médicos estrangeiros atender a quem eles não atendem. Mas todos querem estudar em faculdades públicas e gratuitas. E alguns vão para as ruas defender sem pudor seus privilégios e as desigualdades que o sistema reproduz. Esse tipo de pensamento, no entanto, não começa na faculdade, vem da escola infantil. Educação pública de qualidade em tempo integral para todos é a política mais importante para o País, todos sabemos disso, pelo menos desde os tempos de Darcy Ribeiro secretário do governador Brizola, há trinta anos. 
    Do Pragmatismo Político. 
    Só 5% dos estudantes de Medicina pretendem atender no interior do Brasil 
    Pesquisa revela também que só 20% dos estudantes querem atuar em clínica geral, área em que a carência é maior. Problema está nos cursos, diz especialista

    De cada 100 formandos em medicina no Brasil, apenas cinco desejam trabalhar em cidades pequenas do interior do país, onde a carência é maior; somente 20 querem atuar em clínica geral, como nos programas de Saúde da Família; e 63 pensam em cursar uma especialidade. 
    Os dados são de uma pesquisa realizada pelo médico e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFTO) Neilton Araujo de Oliveira para seu doutorado em ensino de biociências e saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz). O objetivo, entre outros, era estudar o processo de formação médica no Brasil e verificar o que pensam e como se sentem os alunos que se formam num contexto de mudanças tanto no ensino médico, com a implementação das diretrizes curriculares, como no próprio Sistema Único de Saúde (SUS).
    A pesquisa também constatou que, quanto ao perfil socioeconômico dos novos médicos do país, 66% têm entre 23 e 25 anos e 44% são de famílias com renda mensal maior acima de 20 salários mínimos (R$ 13.560).
    Outro dado interessante é que metade deles afirmou que questões relacionadas ao mercado de trabalho não são discutidas no curso e apenas 16% disseram haver estudos sobre políticas de saúde já no primeiro ano do seu curso de graduação. E embora 60% tenham informado haver aulas práticas nas unidades básicas de saúde (UBS) e em hospitais do SUS, somente 21% declararam a existência de atividades comunitárias durante a formação.
    A íntegra. Postado por às 19:47 

     

  4. Algumas então, podem ser até maquiadoras, médicas nunca…

    http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/08/medicas-patricinhas-envergonham-o-brasil.html

    Médicas “patricinhas” envergonham o Brasil

    A foto abaixo diz tudo; um médico cubano, que chegou ao Brasil para trabalhar em um dos 701 municípios que não atraíram o interesse de nenhum profissional brasileiro, foi hostilizado por jovens médicas brasileiras; com quem a população fica: com quem vai aos rincões para salvar vidas ou com uma classe que lhe nega apoio?

    cubano-xingado

    Ao contrário de todos os países em que atuam, onde são sempre muito bem-vindos, médicos cubanos são recebidos no Brasil com hostilidade por médicos brasileiros (Foto de Jarbas de Oliveira estampou a capa da Folha e de outros veículos de imprensa)

     

    Em nenhum país do mundo, os médicos cubanos estão sendo tratados como no Brasil. Aqui, são chamados de “escravos” por colunistas da imprensa brasileira e hostilizados por médicos tupiniquins, como se estivessem roubando seus empregos e suas oportunidades. Foi o que aconteceu ontem em Fortaleza, quando o médico cubano negro foi cercado e vaiado por jovens profissionais brasileiras (veja aqui).

    Detalhe: os cubanos, assim como os demais profissionais estrangeiros, irão atuar nos 701 municípios que não atraíram o interesse de nenhum médico brasileiro, a despeito da bolsa de R$ 10 mil oferecida pelo governo brasileiro. Ou seja: não estão tirando oportunidades de ninguém. Mas, ainda assim, são hostilizadas por uma classe que, com suas atitudes, destrói a própria imagem. Preocupado com a tensão e com as ameaças dos médicos, o ministro Alexandre Padilha avisou ontem que o “Brasil não vai tolerar a xenofobia”.

    Ontem, o governo também publicou um decreto limitando a atuação dos profissionais estrangeiros ao âmbito do programa Mais Médicos – mais um sinal de que nenhum médico brasileiro terá seu emprego “roubado” por cubanos, espanhóis, argentinos ou portugueses. Ainda assim, cabe a pergunta. Com quem fica a população: com o cubano que vai aos rincões salvar vidas ou com os médicas que decidiram vaiá-lo?

    Abaixo, reportagem da Agência Brasil sobre a carteira provisória dos profissionais estrangeiros:

    Aline Leal Valcarenghi
    Repórter da Agência Brasil

    Brasília – O governo federal publicou ontem (26) decreto determinando que a carteira provisória dos médicos com diploma estrangeiro que atuarão pelo Mais Médicos deverão trazer mensagem expressa quanto à vedação ao exercício da medicina fora das atividades do programa.

    Para atuar no Brasil, médicos formados no exterior precisam fazer o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida). No entanto, a medida provisória que cria o Mais Médicos prevê que os profissionais que forem trabalhar por meio do programa não precisarão passar pelo procedimento para atuar no local especificado pelo Ministério da Saúde. Se o médico inscrito quiser atuar em outro local, deverá passar pelo Revalida.

    O registro provisório do “médico intercambista” deverá ser solicitado ao Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado onde o médico atuará. Os conselhos regionais disseram que entrariam na Justiça para terem o direito de não registrar os profissionais que não têm o Revalida. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que esta é uma determinação legal, e portanto, deve ser cumprida.

    Segundo o decreto presidencial, a declaração de participação do médico intercambista no Mais Médicos, acompanhada dos documentos especificados, é condição necessária e suficiente para a expedição de registro profissional provisório e da carteira profissional.O registro deverá ser expedido pelo CRM no prazo de 15 dias a partir da apresentação do requerimento pela coordenação do programa.

    O decreto publicado hoje prevê ainda que o supervisor e o tutor acadêmico, que acompanharão trabalho dos médicos que atuarão pelo programa, poderão ser representados judicial e extrajudicialmente pela Advocacia-Geral da União, entidade que defende a União.

    Os tutores são professores indicados pelas universidades federais que aderiram ao programa. Já os supervisores podem ser profissionais de saúde ou docentes das instituições. De acordo com o Ministério da Educação, que determina o processo de supervisão, haverá um tutor para cada dez supervisores, e um supervisor para no máximo dez médicos. Os supervisores deverão fazer visitas periódicas aos médicos, no mínimo uma por mês.

  5. farraday já dizia…..

    Sou médico e gosto muito de política. acho estranho que, cada post aqui nest blog que fala da medicina é recebido com uma avalanche de comentários preconceituosos com relação a uma classe de trabalhadores, como se fossem todos bandidos. Só para lembrar, que a maioria dos médicos em atividade no Brasil hj vieram de universidades públicas, trabalharam em hospitais públicos e com mais contato e mais expostos à população “pobre” do que a maioria dos nobres debatedores deste blog. As patricinhas se picam, tomam azt, lidam com vômitos, fezes, secreção nos olhos e trabalham em regimes de trabalho que poucos de vocês já se submeteram na vida. Não cnheço uma só pessoa da minha classe que teria “nojo” de lidar com qualquer tipo de ser humano, de acordo com a classe social. Conheço vários que já foram agredidos, que sofreram ameaças, que viram suas vidas em risco. Conheço vários que trabalharam duro nas suas residências médicas, estudaram muito, mesmo com cargas horárias de  horas semanais (eu fui um deles). Já vi colegas sentados no chão chorando implorando por conseguir tomar um banho, ou desesperados por se acharem responsáveis pela morte de alguém, que vão pra casa pensando se poderiam ter feito algo melhor. Não meus amigos, pra desespero de vocês, isso não é excessão, é a regra, apesar de muitos de voc|ês não querem acreditar. Acreditamos muito em ciência, em trabalho duro e em muito estudo. Vi aqui uma reportagem, certa vez, sobre os benfícios dos remédios contra cloesterol e uma avalanche de comentários absolutamente preconceituosos e baseados em achismos. Conversei com vários cardiologistas amigos, gente séria e estudiosa, todos acreditando nos benefícios das medicações. è uma ciência, pode mudar. Terapia hormonal já previniu câncer, hj provoca….Olha, tenhamos a capacidade de uma visâo livre de preconceitos. Sinceramente, me sinto ofendido coms muitos comentários aqui. Sou bem formado, sério, estudioso enão aceito tais insultos porque vivo com muitos que me deixam orgulhoso. Ciente que fazemos medicina muito boa e séria ,Vos deixo um texto de Faraday.

    Among those points of self-education which take up the form of mental discipline, there is one of great importance, and, moreover, difficult to deal with, because it involves an internal conflict, and equally touches our vanity and our ease. It consists in the tendency to deceive ourselves regarding all we wish for, and the necessity of resistance to these desires. It is impossible for any one who has not been constrained, by the course of his occupation and thoughts, to a habit of continual self-correction, to be aware of the amount of error in relation to judgment arising from this tendency. The force of the temptation which urges us to seek for such evidence and appearances as are in favour of our desires, and to disregard those which oppose them, is wonderfully great. In this respect we are all, more or less, active promoters of error. In place of practising wholesome self-abnegation, we ever make the wish the father to the thought: we receive as friendly that which agrees with, we resist with dislike that which opposes us; whereas the very reverse is required by every dictate of common sense.
    The inclination we exhibit in respect of any report or opinion that harmonizes with our preconceived notions, can only be compared in degree with the incredulity we entertain towards everything that opposes them… It is my firm persuasion that no man can examine himself in the most common things, having any reference to him personally, or to any person, thought or matter related to him, without being soon made aware of the temptation and the difficulty of opposing it… That point of self-education which consists in teaching the mind to resist its desires and inclinations, until they are proved to be right, is the most important of all, not only in things of natural philosophy, but in every department of daily life.”

  6. Li noutro tópico que o ataque foi voluntário…

    Tinha havido a denúncia de que havia terroristas refugiados no hospital. Assim as “autoridades” acharam justificável bombardear médicos e doentes por causa disso. É revoltante demais. 

  7. Ciência combina com Fatos, o resto são Boatos.
    Os médicos brasileiros têm medo de quê?

    http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-classe-medica-brasileira-tem-medo-de-que-2551.html 

    Em artigo, médico colombiano escreve sobre as dificuldades para atuar no Brasil e critica a postura reativa da categoria à vinda de profissionais cubanospor Ricardo Palacios — publicado 07/07/2013 10p9, última modificação 08/07/2013 16p2Valter Campanato/Agência BrasilProtesto de médicos

    Cerca de 200 médicos se concentraram em frente ao Ministério da Saúde e ao Palácio do Planalto para protestar contra a “importação” de profissionais estrangeiros sem prova de revalidação

     

    A exploração por parte do capital é uma novidade para o grêmio médico no Brasil. Recentemente um dos setores mais conservadores da sociedade viu sua condição de profissão liberal ser extinta pelos operadores dos planos de saúde que exploram a mais-valia obtida através da prestação dos serviços. Assim, aqueles que foram selecionados através de provas excludentes nas escolas de medicina e que sonham algum dia virar burgueses estão hoje na rua para lutar por reivindicações trabalhistas. Sim, os médicos agora fazem parte da classe trabalhadora, mesmo que não tenham consciência dessa nova relação com os meios sociais da produção.

    No site dos Conselhos Regionais e do Conselho Federal de Medicina aparecem destacados apelos mais apropriados para sindicatos que para órgãos fiscalizadores de uma profissão, hipertrofiando sua função secundária de zelar “pela valorização do profissional médico”.

    Mobilizações para exigir aumento dos honorários pagos pelos planos de saúde e campanhas para promover carreira de Estado são pautas frequentes nesses órgãos durante os últimos meses. Isso demonstra que os temas trabalhistas ganharam uma notoriedade insuspeita dentre os médicos.

    Mas a última dessas batalhas do grêmio médico é, de longe, a mais complexa: o convite a médicos estrangeiros para trabalhar no território nacional. Esse assunto é particularmente sensível porque atinge ao mesmo tempo o status outorgado pelo ingresso às escolas médicas, posturas políticas, questionamento da liderança e o temor de concorrentes novos no mercado de trabalho.

    O ingresso às escolas médicas no Brasil acontece através de um penoso processo que visa excluir aqueles provenientes de camadas com menores recursos e oportunidades. Na visão oposta, trata-se da seleção dos “melhores”, como se nessa lógica inversa a qualidade de um médico fosse garantida pela seleção que teve para entrar, e não pela formação adquirida dentro da escola médica.

    Os médicos estrangeiros representam um desafio a esse paradigma: muitos países têm processos de seleção muito mais acessíveis para o ingresso. A seleção real acontece dentro da escola de medicina. Os alunos são constantemente avaliados, reprovados e jubilados, se necessário, durante o processo de formação médica. Diferentemente do que acontece no Brasil, entrar na escola de medicina não significa que o aluno será médico seis ou sete anos mais tarde.

    A ênfase em outras latitudes é dada ao resultado final da educação; mais que o exame de ingresso, a avaliação crucial está na saída. Aqui, só o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, CREMESP, avaliou os formandos de forma obrigatória em 2012. Menos da metade dos médicos foi aprovada nesse exame.

    Mas não há consequências. O exame documentou a falsidade do mito de seleção dos “melhores”, inclusive com um terço dos egressos de faculdades públicas reprovados, mas o mito permanece intacto. As paixões exacerbadas contra médicos brasileiros formados no exterior, particularmente em Cuba, estão relacionadas ao fato de eles encontrarem um atalho para ultrapassar a barreira de entrada nas faculdades de medicina.

    A seleção de candidatos brasileiros para ingressar nas escolas de medicina para estrangeiros em Cuba foi canalizada no Brasil por movimentos sociais e partidos políticos ligados à esquerda. A ascensão do governo comandado por Luiz Inácio Lula da Silva foi a esperança dos egressos de Cuba que queriam regularizar sua situação no país.

    A resposta dos médicos não se fez esperar: as portas desses que não foram submetidos à seleção das faculdades brasileiras foram fechadas pelas próprias faculdades via revalidação.

    Com algumas exceções, as universidades públicas, obrigadas por lei a atender essas revalidações, se omitiram, não respondiam ou criavam penosas vias sacras para quem ousasse seguir em frente com o processo.

    Os médicos formados no exterior formaram um curioso bando de peregrinos que se encontravam em cada estado que finalmente voltava a receber a documentação ou realizava uma prova. A pressão dentro dos próprios aliados de esquerda do governo fez com que os ministérios da Saúde e da Educação criassem uma alternativa à qual podiam se adequar às universidades públicas para padronizar a revalidação.

    O viés da primeira edição do exame, em 2010, foi vergonhoso. Chamado de Revalida, o exame acontece em duas etapas, uma teórica e outra prática. O nível de dificuldade foi tão grande que só dois, entre mais de 600 inscritos, formados em diferentes escolas médicas do mundo, foram chamados para a segunda fase. Os organizadores reconheceram que o nível de exigência foi além do necessário e prometeram reformular o exame.

    Não existe nenhum critério para estabelecer algum grau de isonomia, como testar previamente o nível de dificuldade das perguntas em formandos de escolas brasileiras ou fazer um exame de igual teor ao realizado pelo CREMESP em 2012.

    Cabe anotar que a peregrinação para os que queiram fazer o Revalida continua: por exemplo, o exame não é oferecido no estado de São Paulo porque nenhuma universidade pública paulista aderiu a ele, mas o CREMESP obriga ao formado no exterior a ter seu diploma revalidado por esse exame numa norma prescrita para atender o clamor de seus fiscalizados nas ruas.

    Nesse panorama, aparece um novo elemento: a distribuição desigual dos médicos na geografia nacional atinge níveis insustentáveis e se transforma em elemento político. Os médicos do Brasil, assim como os dos Estados Unidos ou outros países, se desinteressam pelo serviço nas cidades do interior e nas periferias das grandes cidades.

    Há muitas razões para esse desinteresse: a formação médica acontece em ambientes tecnologicamente complexos muito diferentes da realidade desses locais carentes de recursos; as possibilidades de retorno financeiro parecem ligadas a especialidades que demandam mais recursos técnicos; e o atrativo natural que exercem as grandes cidades em sociedades individualistas em detrimento da vida bucólica do interior pode ser contada entre outras causas.

    Mas a realidade da falta de atendimento médico fala mais alto. Os prefeitos se organizaram para pressionar por uma solução que trouxesse dividendos eleitorais e finalmente o governo comprou a causa.

    Houve várias tentativas. Inicialmente o governo ofereceu aos médicos recém-formados dinheiro e pontos a mais para os disputados exames de acesso à residência médica no programa Provab.

    O estamento médico criticou a iniciativa, colocando argumentos como o de que o uso de pontos no exame seria uma chantagem para deixar um médico recém-formado abandonado à sorte no interior e sem nenhum tipo de supervisão.

    Talvez estejam certos.

    O problema pode ser deixar os pacientes abandonados a um médico recém-formado que não tem capacitação adequada para esses locais de atenção básica de baixa tecnologia. Locais em que a medicina cubana é especialista.

    A medicina em Cuba usa um modelo diferente ao brasileiro. Está fundamentado em atenção básica e prevenção, com médicos acessíveis morando nas mesmas comunidades e um avanço tecnológico quase congelado após a queda da Cortina de Ferro.

    Combinação contrastante que consegue atender a maioria de pacientes e obter excelentes estatísticas de saúde, comparáveis a qualquer país desenvolvido, a custo muito mais baixo. Mas, para a minoria dos pacientes, aqueles casos que requerem maior tecnologia, a receita pode ser insuficiente. A formação em grande escala de médicos permitiu que o país criasse as chamadas “Missiones” internacionais, que levaram atendimento médico a regiões carentes e remotas em dezenas de países.

    Nos últimos anos, a exportação de serviços médicos se tornou a primeira fonte de divisas da ilha, principalmente pelas ações na vizinha Venezuela. A solução parece conveniente para todas as partes, médicos cubanos que estão dispostos a trabalhar no interior do Brasil e nas periferias para ajudar seu país e a população, que veria fim em sua espera por atendimento médico e estaria disposta a votar por quem fez isso acontecer. Mas há um obstáculo a vencer: a resistência do grêmio médico brasileiro.

    Como vimos antes, os médicos brasileiros estavam ocupados em questões trabalhistas com seus principais empregadores, os planos de saúde e o governo. Em sua nova condição de classe trabalhadora, relativamente bem paga, mas trabalhadora, sua condição de fonte de ideias e de liderança dos tempos de classe média se extinguiram sob sua nova classe.

    Em papel reativo, os médicos não conseguem elaborar contrapropostas para solucionar os problemas de falta de atendimento de saúde que sofre a maior parte da população.

    A sua única resposta é que não trabalham no interior porque não tem plano de carreira nem condições de trabalhar. Uma continuação do repertório trabalhista anterior. Nenhuma proposta real para contrastar com as ideias do governo, que continua na liderança através de uma organizada campanha de mídia para angariar apoios e anunciando que estenderá os convites também a médicos espanhóis, portugueses e argentinos.

    A própria presidenta empenha sua palavra de trazer os médios como parte de sua estratégia para melhorar a saúde e acalmar as manifestações que tomaram conta do país.

    O ministro da Saúde promete que as vagas só serão oferecidas a estrangeiros após serem recusadas por médicos brasileiros, promessa de quem tem certeza da recusa. As vagas, há tempos, aguardam por médicos brasileiros que as ocupem. Nesse cenário saem os médicos às ruas para protestar.

    Os médicos estrangeiros a serem importados são o principal alvo em um protesto com pesado caráter trabalhista, de proteção de mercado. Porque a pior ameaça que os cubanos representam é que podem dar certo. Porque os cubanos podem demonstrar que a população não necessita de grandes hospitais de alta tecnologia, mas de médicos acessíveis que estejam ao seu lado.

     

    *Ricardo Palacios é médico, formado no exterior com o diploma devidamente revalidado no Brasil, foi consultor temporário para projetos de pesquisa da Organização Mundial da Saúde e agora estuda Ciências Sociais na Universidade de São Paulo”. As opiniões expressadas neste artigo não representam a posição de instituição alguma

     

  8. Pois é..,,

    Meire, compare o seu primeiro e seu segundo post. O segundo é sério e cabe muito debate, com verdades e não tão verdades assim, discutível, isento(teríamos que pensar que tipo de postura do profissional medico queremos-uma classe trabalhadora como qualquer outra com vários direitos jurídicos que nos são vetados ou nao). A verdade é que seu primeiro post destila ódio e preconceito. O mesmo preconceito do cara que xinga o ciclista de comunista. Disso minha revolta. Falam das viagens médicas pagas por laboratórios, cada vez mais raras e reguladas, mas não falamos da propaganda da caixa e bb aqui no blog. Por isso temos que abandonar nossos conceitos e nos incomodarmos em ouvir os “opositores”.

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