O fim de um sonho de Defensoria Pública em SP, por Alderon Costa

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Foto: Divulgação
 
Jornal GGN – Com a mudança no modelo de escolha do Ouvidor-Geral Externo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o órgão deixa de lado a sociedade civil e revela a nova versão que assumiu, individualista e contrária às formas de expressão popular.
 
A opinião é de Alderon Costa, que ocupa o cargo na Defensoria paulista. Em artigo publicado no Estadão, ele afirma que a decisão é o fim de um projeto de instituição sonhado por defensores e movimentos sociais, representando as opções ideológicas e políticas feitas pelo órgão e sua “derradeira integração à burocracia judiciária”. 
 
O ouvidor também lembra que a Defensoria paulista foi uma das últimas a ser implementada no Brasil, já que a sua existência bate de frente com interesses poderosos, tanto do poder executivo, que viola direitos sistematicamente, quanto interesses corporativos de advogados. 
 
“Não é a primeira instituição que trai os sonhos do povo em nosso país, tampouco a primeira instituição que construímos com nosso suor. Sem dúvida não será a última”, afirma.

 
Leia mais abaixo: 
 
Do Estadão
 
O fim de um sonho de Defensoria Pública
 
Por Alderon Costa*
 
No dia 13/07/2017 o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo decidiu modificar irrevogavelmente o modelo de escolha do Ouvidor-Geral Externo da instituição. O modelo vigente até então enfatizava o protagonismo da sociedade civil, revelando o consenso específico em torno do qual ocorreu a construção inicial da instituição. A nova forma de eleição, por sua vez, elimina totalmente a participação da sociedade civil organizada – o processo agora será organizado apenas por defensores públicos, e os votantes serão indivíduos que se inscreverão previamente –, escancarando a nova versão assumida pela instituição: individualista, desarticuladora e contrária a qualquer forma de expressão popular.
 
Para além do seu impacto imediatamente prático – o próximo Ouvidor-Geral deixará de representar interesses dos setores organizados de defesa dos direitos humanos e do acesso à justiça pelas populações vulneráveis – a decisão vem coroar, do ponto de vista simbólico, o fim de um projeto de Defensoria Pública sonhado pelos defensores pioneiros conjuntamente com amplos movimentos sociais. Nesse sentido, a eliminação integral dos movimentos sociais do processo de escolha de sua própria representação na instituição é o signo máximo das opções políticas e ideológicas feitas pela Defensoria, e sintetiza a sua derradeira integração à burocracia judiciária.
 
Como se sabe, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi uma das últimas do país a ser implementada, à medida que sua própria existência afrontaria interesses poderosos em nosso estado, do poder executivo sistematicamente violador de direitos, aos advogados enquanto classe corporativa. Por isso, o fator decisivo para que a instituição saísse do papel, em que figurava como previsão constitucional, foi uma amplíssima mobilização da sociedade civil, que aglutinou uma pluralidade impressionante de pontos de vista e de atores, congregando desde movimentos de cultura, a associações de bairro, ONGs, movimentos sociais, especialistas, grupos universitários, igrejas, partidos políticos. A criação da Defensoria Pública é um marco de memória coletiva da luta por direitos humanos em nosso estado, à medida que em todos os espaços da militância histórica é possível encontrar pessoas que participaram ativamente daquela mobilização.
 
No entanto, não foi necessário mais do que dez anos de existência para que uma camada da casta burocrática que se apossou da instituição iniciasse um processo de revisão desse passado histórico, impondo ilegitimamente, sem qualquer debate substancialmente democrático, a sua visão de democracia representativa àqueles que sonharam a instituição muito antes deles sequer sonharem com o privilégio de seu substancioso salário, combinado com gratificações e diárias. Numa tentativa impunemente bem-sucedida vão soterrando o engajamento que é, e sempre será, a marca de origem da instituição, com a narrativa bem-comportada da equiparação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.
 
Infelizmente, tal equiparação só encontra sentido prático do ponto de vista ideológico. Isso porque as portas de entrada do serviço são crescentemente sucateadas, sua legitimidade social está em declínio, e todo aquele enorme conjunto de profissionais engajados que sustentam o dia-a-dia da instituição longe do ar condicionado da sala do Conselho Superior, encontram-se cada vez mais desamparados em sua justa persistência de se colocar ao lado dos necessitados. A despeito disso, hostilizar a sociedade civil e seus interesses supostamente demasiado interessados assume ares de premência no alto da torre do castelo.
 
Ao cabo, a decisão tomada na quinta-feira aborta uma determinada possibilidade de futuro para a Defensoria Pública. O sonho de uma instituição capaz de representar os interesses substanciais das camadas vulneráveis da população no interior do sistema judiciário encontra-se hoje irrevogavelmente extinto. Apesar dos que permanecem na luta, o ambiente de representação da sociedade civil foi totalmente esvaziado. Daqui em diante, tendo renegado em absoluto o contato institucional com as lutas sociais, antes na prática, e agora em seus códigos de lei, a Defensoria Pública abre-se a um novo tempo, e a um futuro que deixa de lado justamente os destinatários do seu serviço. Parte da Defensoria Pública comemorou este golpe contra a participação social como um grande passo de seu projeto sombrio de uma instituição pública elitizada e interessada apenas na promoção de privilégios e não de direitos; uma outra parte, infelizmente, apenas silenciou, cúmplice dos tempos e das ordens de cima.
 
Seja como for, não é a primeira instituição que trai os sonhos do povo em nosso país, tampouco a primeira instituição que construímos com nosso suor. Sem dúvida não será a última.
 
*Alderon Costa, 55, é Ouvidor-Geral Externo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
 
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Redação

2 Comentários

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  1. poxa vida

    fui atendida pela defensoria, cheio de gente lá procurando seus direitos

    o intermediador atuou super bem

    o processo foi rápido

    que desmonte… de tudo

  2. De acordo com o extrato da

    De acordo com o extrato da última reunião do Conselho Superior da DPE/SP, que ocorreu no último dia 21/07, a questão ainda não está decidida. O debate, sobre o tema, que se está fazendo de forma ampla, ainda continuará na próxima sessão. Ademais, para criticá-la, ou para dizer que é reducionista, é preciso conhecer qual é a proposta para o novo modelo de eleição do Ouvidor Geral da DPE, pois, mesmo que haja uma modificação da forma de eleição, é certo que o princípio democrático de escolha aberto à participação popular de forma mais ampla será observado, mesmo porque está previsto em lei, a qual não será modificada, restando tão somente à resolução do Conselho regulamentar as regras para efetivação desta eleição. Além do mais, qualquer modelo de escolha não será irrevogável, tanto é que atualmente está sendo revisto e, modificado ou não,poderá ser revisto futuramente. O sonho de uma Defensoria Pública voltada para os anseios populares ainda permanece e é o que move os Defensores e Defensoras Públicas. Com todo meu respeito ao Alderon, que exerce com louvor e dedicação seu trabalho com Ouvidor Geral da DPE, penso que devemos acompanhar as discussões e a conclusão do Conselho e conhecer melhor sobre os fatos para que as criticas sejam realmente objetivas e fundadas na razão e não meramente movidas pelos animos exaltados do calor das discussões, que acabam por atribuir, de forma injusta e irresponsável, atitudes, como a “traição dos sonhos do povo”, não só à uma Instituição que luta por estes sonhos e pela efetiva observância dos direitos da população, mas também à cada um de seus Defensores e Defensoras que diariamente exercem seu trabalho árduo e vocacionado. Observa-se, por fim, que não existe a nomenclatura Ouvidor-Geral Externo da DPE, mas sim somente Ouvidor-Geral da DPE. “Externo” é a característica do ocupante do cargo, o que significa que ele não é um servidos da carreira mas um cidadão “externo” a ela.

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