O homem esfaqueado, a chacina em Guarujá e o beijo gay

Por Esther Solano Gallego

Balanço do fim de semana: um homem esfaqueado por uma briga de trânsito na frente de sua mulher e filha, uma chacina em Guarujá que teve como vítimas a quatro pessoas, incluindo uma mulher grávida, e, claro, o hipercomentado beijo gay.

A lógica mais rudimentar consideraria que os dois primeiros episódios, em toda sua tragédia, são mais relevantes para o debate social do que um beijo-mercancia, um beijo-comércio.

A realidade, porém, é que só o beijo gerou convulsão social (segundo me consta, as 338 pessoas assassinadas por razões homofóbicas em 2012 não geraram convulsão nenhuma). As cinco vidas perdidas foram jogadas nas sombras, no silêncio.

Minha conclusão, talvez precipitada, é que a sociedade brasileira está muito mais acostumada ao horror da morte brutal do que à naturalidade do beijo.

Claramente perverso.

Sociedade tirânica a nossa, bestial, que aceita a destruição dela mesma com esta inércia assustadora.

Esther Solano Gallego é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo

 

Redação

13 Comentários

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  1. Só para ressaltar: “Sociedade

    Só para ressaltar: “Sociedade tirânica a nossa, bestial, que aceita a destruição dela mesma com esta inercia assustadora” ou cavalar ou bovina.

  2. Crime de homofobia e a busca do poder a qualquer custo

    Essa indifirença com relação ao crime movido por homofobia tb chega a classe política supostamente progressista em nome do poder a qualquer custo:

    Senador Lindbergh Farias ex-UNE e “Petista” aliou-se a Malafaia em troca de “apoio” dos evangélicos a sua tentativa de ser governador do RJ, e derrubou no senado o projeto que criminaliza a homofobia (bandeira legítima de uma agenda progressista e da defesa dos direitos humanos). Lindbergh: qual sua identidade? onde está sua coerência com as entidades que vc diz pertencer? quem vc representa, além de seu projeto pessoal de poder?

  3. > (…) segundo me consta, as

    > (…) segundo me consta, as 338 pessoas assassinadas por razões homofóbicas em 2012 não geraram convulsão nenhuma (…)

    Esses 338 assassinatos foram comprovadamente por razões homofóbicas (entendo por homofóbico que foram motivados pelo ódio a homossexuais)?

    1. Não RVeiga !

      Não RVeiga. 

      Esses 338 assassinatos foram por causa de futebol, eu acho.

      Aqui não se comprova nada.

      É tudo chute.

      Procure outro blog para encher o saco. O “segundo te consta” que se exploda.

      1. > Procure outro blog para

        > Procure outro blog para encher o saco.

        Não sabia que o Nassif tinha esse pseudônimo de Mário Siqueira.

        > Esses 338 assassinatos foram por causa de futebol, eu acho.

        O sujeito tem que ser muito bobalhão pra achar que uma ironia tola dessas, digna de meninote do colegial, serve de resposta a uma pergunta que qualquer pessoa inteligente percebe que é pra lá de pertinente. E foi só isso, uma pergunta, não foi uma pergunta retórica, do tipo que induz uma resposta. Mas pra certo tipo de crente — ou pra todo tipo de crente, sei lá — o simples fato de fazer uma pergunta que ameace minimamente sua fé já é “encher o saco”.

    2. No site do GGB (Grupo Gay da

      No site do GGB (Grupo Gay da Bahia) tem a lista para quem tiver curiosidade de ter a resposta. Não é difícil achar no Google. 

      Aproveitando, segue o link do relatório do GGB para 2012, que acabei de achar, e que é diferente da lista de 2011 que eu tinha visto antes.

      http://homofobiamata.files.wordpress.com/2013/02/relatorio-20126.pdf

      Embora o trabalho do grupo seja louvável, considerando que é algo realizado em função de notícias e informações encontradas na imprensa, é possível que algumas informações sejam questionáveis, até por partirem da imprensa. Fora que o grupo não acompanharia o trabalho invesgativo da polícia e não teria acesso ao desfecho oficial da situação.

      ….

       E um detalhe interessante do relatório é a parte de ERRATA (pg 26 e além), com, segundo o próprio relatório o seguinte:

      (Casos não incluídos, conhecidos após fechamento do Relatório 2012)

      Ou seja, mais 4 casos que seriam computados como mortes por homofobia em 2012.

      Bom, mas vamos aos casos:

      1. O primeiro caso é de um professor que foi assassinado, que possivelmente teria um relacionamento com o autor do crime…

      http://videos.r7.com/suspeito-de-desaparecimento-de-professor-tinha-relacionamento-com-a-vitima/idmedia/50f46b6a92bbb3e7497b27b1.html

      2. O título do segundo caso é autoexplicativo para qualquer alfabetizado: Preso em Alagoas homem que
      degolou o namorado por ciúmes

      3. E o terceiro é o desaparecimento de uma jovem que tinha um relacionamento com uma mulher casada. O que apontaria para crime passional e não homofobia, pois não é raro (nos Datenas da vida) marido abandonado matando quem lhe tirou a esposa. O fato do “roubo” ter sido efetuado por mulher poderia ser um agravante até, mas a essência ainda é passional.

      http://g1.globo.com/goias/noticia/2013/01/preso-suspeito-de-matar-namorada-da-mulher-em-valparaiso-de-goias.html

      4. O último caso tem poucos detalhes, mas é bem provável que tenha sido homofobia sim.

      http://www.anuncifacil.com.br/?pagina=posts&id=8715&tipo=Regi%E3o&titulo=Travesti_e_crian%E7a_de_12_anos_s%E3o_baleados_por_homem_em_pra%E7a_p%FAblica_em_Curitiba

      Ou seja, a desconfiança de alguns de que qualquer morte de LGBT (mesmo que causada por outro LGBT) é computada como crime homofóbico pelo grupo GGB teria fundamento provavelmente.

      Deixando claro que apoio a causa LGBT, mas “telhado de vidro” não pode parar em pé, seja de quem for. Até porque,isso inviabilizaria o argumento corrente da subnotificação da violência contra LGBTs (que existe sim), já que os números utilizados são superestimados e nem um pouco confiáveis.

      Outro problema é, como seria possível falar em aumento ou mesmo redução de crimes homofóbicos com uma metodologia dessas? Poderíamos ter um quadro hipotético onde há o aumento da violência “normal”, que afetaria inclusive LGBTs, mas uma redução (ou estabilização) nos números de crimes homofóbicos, mas tal realidade seria ignorada em função das mortes “normais” que cresceram, e que seriam consideradas nas estatísticas do grupo.

      1. São computadas como

        São computadas como “motivadas por homofobia” também as mortes ligadas a crimes passionais em que há violência desmesurada contra a vítima, como várias facadas, esquartejamento, etc. Essa categoria é obviamente questionável, mas a filtragem desses casos pode ser feita pelo próprio relatório. O GGB costuma computar esses crimes como motivados por homofobia porque avaliam que a orientação sexual da vítima motivou o excesso de violência no assassinato, quanto não o próprio assassinato. Volto a repetir, é questionável se essa avaliação é real ou fantasiosa, mas não é um cômputo feito de má fé.

        1. Obrigado pela explicação

          Obrigado pela explicação Hélio.

          Também não acho que seja má fé.

          Mas a violência desmesurada seria, provavelmente, em função do aspecto passional dos casos, que levam aos crimes que “bandido profissional” não cometem no seu dia-a-dia.

  4. Considerando que o país teve

    Considerando que o país teve em 2012 aproximadamente 50 mil homicídios, é de se imaginar que a violência já esteja banalizada demais no “atacado”, para alguém se chocar com o que ocorre no “varejo”. E vendo a coisa pela realpolitik, faria mais sentido fazerem algo primeiro no “atacado”, já que o retorno político seria maior. Mas se, infelizmente, não fazem nada para resolver o problema no atacado, é, no mínimo, ingenuidade, esperar que as coisas mudem no “varejo” antes.

    Os únicos tipos de crime que geram cobertura jornalística incomum e consequentemente, comoção nacional, são aqueles cometidos em lares supostamente estruturados e abastados. É o médico que “inseminava” as pacientes, guria “caindo” de janela, filha junto com namorado dando “boa noite” para os pais e por aí vai. Crime contra ou envolvendo um Zé qualquer, no máximo, só é assunto nos Datenas da vida e da pior forma possível.

  5. Discordo

    Penso que não se trata de se estar acostumado ou não com a violência cotidiana.

    Talvez a nossa desconsideração com casos que, na teoria, deveriam ser mais comentados pelo viés da indignação tem mais a ver com nossa auto proteção psicológica, que se dá através na negação, do comportamento avestruz.

    Uma vida estressante e competitiva no trabalho, frustração de ser ver preso no trânsito dentro de um “bem” que está sendo pago com dificuldade em 60 prestações, um lar que se organiza na frente da TV com notícias pessimistas, filhos distantes contribuem em muito para que a atenção se desvie para um beijo gay na TV (banal na TV fechada) e que serve de assunto que voltemos a ser humanos assim que comentamos o fato com outros humanos.

  6. Convulsão social? Onde?  Será

    Convulsão social? Onde?  Será que tem gente vendo chifre em cabeça de cavalo?  Ou será delírio de quem esteve debaixo desse sol inclemente deste verão?  Dizer que houve convulsão social por um encostar de lábios de dois barbados na tv,só pode ser delírio.  Isso sem entrar no mérito do beijo em si e a doença gay por “visibilidade” e parecer normal,como outro qualquer.   Se fosse eles não estariam fazendo tanto pra ter visibilidade…

  7. Convulsão social

    Como eu não assito televisão eu achava que esse beijo gay tinha sido no Big Brother. Agora vi que foi numa novela. E então me lembrei daquela “convulsão social” pra saber “quem matou Odete Roitman”. Ouvi dizer que teve uma convulsão social também em Avenida Brasil, ligado a um assassinato também – se não me engano foi a personagem Carminha quem matou alguém. Logo, penso que a tese da Doutora em Ciências Sociais não bate muito, pois alguns assassinatos em novelas também causam “convulsão social”. Outros não. Creio que isso depende mais da trama, se fosse um beijo gay qualquer, sem nenhum suspense anterior, apareceria uma nota nas revistas de fofocas e todo mundo esqueceria o assunto.

    É tudo uma questão de como o filme passa, quem são os atores, como a trama é desenrolada, etc. Lembro que havia uma novela em que um personagem virava um lobisomem, e ninguém deu muita atenção. O interesse maior era em outra trama da novela. Qualquer um que elaborar uma “tese” prevendo o que vai chamar a atenção de todos ou não numa novela ficará milionário. Imagino até que, no início de uma novela, os diretores vão analisando quais são as tramas e personagens que mais conquistam o interesse coletivo, e aí vão dando mais espaço para aquilo, mas não existe um padrão. Ninguém pode prever que um beijo gay, ou um assassinato, ou um nascimento, ou um casamento, etc, vai chamar a atenção do público. Às vezes ninguém liga, e às vezes vira uma convulsão social. E ninguém sabe porque.

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