ONU julga que Lula tem o direito de ser candidato, por Jamil Chade

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Comício de Lula em Curitiba poucos dias antes de ter sua prisão decretada pelo juiz Sergio Moro em 7 de abril. A defesa do ex-presidente recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir o seu direito a concorrer nas próximas eleições presidenciais.  (Copyright 2018 The Associated Press. All rights reserved.)

do SwissInfo.ch

ONU julga que Lula tem o direito de ser candidato

por Jamil Chade, em Genebra

O Comitê de Direitos Humanos da ONU não tem interesse no resultado das eleições no Brasil. Mas apenas em garantir o direito a que todos possam participar – e isso vale para o ex-presidente, mesmo preso. 

A avaliação é da vice-presidente do órgão com sede em GenebraLink externo, Sarah Cleveland, que na sexta-feira passada emitiu uma declaração em que pede que as autoridades brasileiras garantam os direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As medidas cautelares emitidas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONULink externo não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra”, declarou.

Professora de direito na Universidade de Columbia (EUA) e membro do Comitê da ONU desde 2014, Cleveland foi uma das duas especialistas que assinaram a carta do órgão pedindo que o Brasil “tome todas as medidas necessárias para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido politico”. 

Peso-pesado do Direito Internacional

Antes de ser nomeada pelo governo norte-americano como especialista independente no Comitê de Direitos Humanos da ONU, em 2014, Sarah Cleveland lecionou direito internacional nas universidades de Oxford (Inglaterra), Harvard, Michigan e Texas (EUA), e foi conselheira jurídica do Departamento de Estado (2009-11), responsável pela supervisão dos aspectos legais de guerra, contraterrorismo, Afeganistão e Paquistão. Cleveland é também relatora do projeto de reformulação da Lei de Relações Internacionais do American Law InstituteLink externo, e representante dos EUA na Comissão de VenezaLink externo do Conselho da EuropaLink externo.

Cleveland testemunhou no Congresso americano a respeito da política de detenção de terroristas, entre outros assuntos, assim como no Parlamento Britânico. Atualmente ela é também co-diretora do Projeto de Harmonização de Padrões para Conflitos Armados, e  continua bastante ativa na Corte Inter-americana de Direitos Humanos e em processos internos dos EUA relativos ao tema. 

Na mesma carta, o Comitê também solicita que o Brasil atue para “não impedir que o autor [Lula] concorra nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final”. 

O governo brasileiro emitiu um comunicadoLink externo deixando claro que discorda do Comitê e ainda indica que ele “têm caráter de recomendação e não possui efeito juridicamente vinculante.” Em entrevista à swissinfo.ch, Cleveland deu sua avaliação sobre o caso. 

swissinfo.ch: Qual é a natureza da decisão? Trata-se de uma recomendação, pedido ou simplesmente uma sugestão? Trata-se de uma decisão legalmente vinculante?

Sarah Cleveland: As medidas cautelares emitidas pelo Comitê não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra. 

As medidas cautelares são emitidas para impedir um dano irreparável aos direitos de um indivíduo, sob o Pacto, enquanto o indivíduo tenha uma queixa pendente diante do Comitê, e para preservar a habilidade do Comitê a considerar essa queixa. 

Pacto Internacional de Direitos Políticos e CivisLink externo, ratificado pelo Brasil, estabelece o Comitê de Direitos Humanos como um orgão de especialistas responsável pela implementação pelo Brasil, como qualquer outro estado-membro, de suas obrigações perante o Pacto. 

O Brasil também é parte do Protocolo Opcional ao PactoLink externo, o que dá ao Comitê autoridade para considerar queixas por parte de indivíduos, tais como as do Sr. Lula da Silva, de que o Brasil teria violado seus direitos sob o Pacto. O Artigo 1 do Protocolo Opcional compromete o Brasil a cooperar em boa fé com o procedimento de queixas individuais perante o Comitê e para que considere em boa fé a avaliação que o Comitê irá publicar sobre o caso do Sr. Lula da Silva em seu devido tempo. 

Isso necessariamente inclui a obrigação legal a não inflingir um dano irreparável aos direitos de um indivíduo sob o Pacto enquanto sua queixa estiver pendente no Comitê. A insuficiência na implementação de medidas cautelares, portanto, seria incompatível com as obrigações do Brasil em respeitar em boa fé os procedimentos de queixas individuais estabelecidas pelo Protocolo Opcional, e viola tais obrigações. 

“As medidas cautelares emitidas pelo Comitê não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra.”

swissinfo.ch: O que ocorre se o Brasil ignorá-la? Como o Comitê pode impor sua decisão e até que ponto ele tem um impacto real?

S.R.: Não cumprir com as medidas cautelares significaria que o Brasil estaria violando uma obrigação legal internacional sob o Protocolo Opcional. O Comitê, porém, não é um orgão que emite sanções ou medidas impositivas para a aplicação da lei. 

Lula poderia buscar uma nova determinação do Comitê sobre o fato de o Brasil ter violado suas obrigações legais. Dependendo da lei doméstica brasileira, ele também poderia buscar os tribunais domésticos nacionais. 

Entretanto, estados geralmente cumprem as medidas cautelares do Comitê. Por exemplo, o México respeitou o pedido de medidas do Comitê para não destruir as urnas das eleições presidenciais, quando uma queixa relacionada com a eleição estava pendente. Essas medidas são frequentemente emitidas em casos em que o autor [da queixa] está enfrentando uma execução ou deportação para um país onde ele possa ser torturado, morto ou sofrer um outro dano irreparável. Elas também tem sido aplicadas para preservar um direito individual à participação política, como no caso recente de Jordi Sanchez na Espanha. 

swissinfo.ch: Qual foi a base legal para sua decisão?

S.R.: O Artigo 25 do Pacto protege o direito à participação política de todas as pessoas no Brasil, inclusive do sr. Lula da Silva. Uma condenação final por um crime sério depois de um julgamento justo pode negar ao indivíduo a habilidade de concorrer a eleições para cargos públicos. 

Mas a condenação do sr. Lula da Silva não é final e ele questiona o processo criminal como fundamentalmente injusto, diante de cortes domésticas brasileiras e no Comitê de Direitos Humanos. O Comitê, portanto, emitiu medidas cautelares, solicitando ao Brasil que não impeça o sr. Lula da Silva de se apresentar à eleição de 2018 até que seus recursos diante das cortes domésticas tenham sido completadas de uma maneira justa. 

O Comitê também solicitou que o Brasil tome todas as medidas necessárias, até lá, para garantir que o sr. Lula da Silva possa desfrutar e exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018. Isso inclui ter acesso apropriado à imprensa e membros de seu partido político. O Sr. Lula da Silva também pediu ao Comitê que solicitasse sua liberdade da prisão. Mas o Comitê não atendeu a esse pedido.

Manifestante com faixa 'Lula livre'

Mesmo com todos os recursos ainda disponíveis para sua defesa, o destino de Lula é a maior variável dessa eleição. Segundo pesquisa mais recente (CNT-MDA), se entrasse no páreo, Lula contaria com 39% das intenções de voto no primeiro turno, mais que o dobro que o segundo colocado. 

(Copyright 2018 The Associated Press. All rights reserved.)

swissinfo.ch: Isso significa que ele é inocente?

S.R.: Não. As medidas provisórias não lidam com a culpa ou inocência do sr. Lula da Silva. Elas se limitam a preservar seus direitos à participação política, sob o artigo 25 do Pacto, até que seus recursos nas cortes nacionais sejam finais em um processo judicial justo. 

swissinfo.ch: Por qual motivo vocês rejeitaram pedir a liberdade de Lula?

S.R.: As medidas cautelares são medidas urgentes que estão limitadas em evitar possíveis danos irreparáveis aos direitos do Sr. Lula sob o Pacto, e em preservar aqueles direitos até que o Comitê considere seu caso com base nos méritos. Essa ação não significa que, por enquanto, o Comitê tenha encontrado uma violação no caso. Ele foi condenado por um crime e tem atualmente recursos pendentes diante das cortes domésticas. 

“As medidas provisórias não lidam com a culpa ou inocência do sr. Lula da Silva. Elas se limitam a preservar seus direitos à participação política, até que seus recursos nas cortes nacionais sejam finais em um processo judicial justo.”

swissinfo.ch: A Lei da Ficha Limpa no Brasil estipula que uma pessoa condenada não deva ser autorizada a concorrer às eleições. Sua decisão não estaria ignorando essa lei? O Comitê não estaria intervindo nas eleições no Brasil? 

S.R.: O Comitê está ciente dessa lei. Restrições ao direito de concorrer às eleições podem ser consistentes com o Artigo 25 do Pacto em certas circunstâncias, quando uma pessoa foi condenada por um crime sério com base num processo judicial justo. 

Entretanto, uma condenação baseada em um julgamento fundamentalmente injusto é inválido sob o Pacto e, portanto, não pode ser base para tal restrição. Por exemplo, o Comitê recentemente concluiu que a República das Maldivas tinha violado os direitos à participação política do seu ex-presidente, ao restringir seus direitos a concorrer ao cargo com base em um julgamento fundamentalmente injusto. 

Como eu expliquei anteriormente, os recursos do sr. Lula da Silva não estão concluídos nas cortes domésticas e ele está questionando seu processo judicial como sendo fundamentalmente injusto, tanto nas cortes domésticas como no Comitê de Direitos Humanos. Essa foi a razão para a ação do Comitê. 

swissinfo.ch: Por qual motivo um sistema legal soberano deveria ouvir o que vocês tenham a dizer?

S.R.: Os Estados que escreveram o Pacto de Direitos Civis e Políticos criaram o Comitê de Direitos Humanos como um órgão de especialistas que poderia monitorar a aplicação desses direitos. O Brasil exerceu sua soberania ao escolher fazer parte do Pacto e do Protocolo Opcional. O país, assim, sinalizou seu desejo de fazer parte da comunidades de estados que respeitam os direitos humanos. 

O Brasil, portanto, se comprometeu legalmente em escutar o Comitê de Direitos Humanos. As ações do Comitê estão baseadas diretamente nas obrigações legais que o Brasil assumiu ao fazer parte do Pacto e do Protocolo Opcional. A ação é limitada, e foi tomada para garantir que os direitos do sr. Lula da Silva não sejam minados de forma irreparável enquanto sua queixa está pendente diante do Comitê. 

O Comitê não tem interesse nos resultados das eleições. Mas apenas no direito de todos de participar, sujeito às exceções que são reconhecidas no Pacto. O Brasil também pode fornecer novas informações ao Comitê, para solicitar que as medidas cautelares sejam suspensas, se o governo optar assim.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Será ´porque eu estou

    Será ´porque eu estou começando a pensar que estes golpistas calhordas do judiciário estão analisando um pouco melhor pra tentarem retirarem na marra o presidente Lula das eleições?

  2. ONU pede que o Brasil páre de violar os direitos magnos do Lula

    A ONU julgou que Lula tem o direito de não ter seus direitos políticos violados, já que a ausência de sentença criminal transitada em julgado, que é uma condição reflexa de elegibilidade, já que que é um dos pressupostos para o pleno exercício dos direitos políticos, foi transformada em causa de inelegibilidade por uma lei infra-constitucional.

    A ONU pediu que o Brasil páre de violar os direitos constitucionais do Lula. O Brasil fez sua defesa apenas processual. Em vez de fazer uma defesa de mérito, declarou que não vai parar de violar os direitos políticos do Lula, estabelecidos na Constituição, e não vai fazê-lo não porque não os viole, mas porque a ONU não determinou, apenas sugeriu, recomendou que o Brasil páre de violar. Se fosse uma determinação da ONU, o Brasil pararia de violar os direitos políticos do Lula, mas como é só uma recomendação, que a ONU vá às favas.

    1. Quem apagou as minhas estrelas, hein?

      Se a sua estrela não brilha, não tente apagar a minha.

      Eu passo o cursos sobre as estrelas e elas nem sequer piscam. Sacanagem.

      Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar, diria Pablo Milanés. Minhas estrelas não brilhavam com luz própria. Assim,
      su brillo NO puede alcanzar la oscuridad de otras costas. Sorry.

  3. A ONU.

    Bem, é desesperador assistir essa ópera bufa.

    A ONU não tem que pressionar pela participação do candidato. A ONU tem que se pronunciar sobre sua prisão ilegal, sobre seu sequestro!

    Sua liberdade vem antes do seu direito a elegibilidade, ou estou enganado?

    Mais desesperador é assistir a nossa intrépida esquerda recorrendo a mesma ONU que mantém Israel em seus quadros, que faz ouvidos moucos em relação a Guantánamo e finge que não vê as tragédias cotidianas da África e de todas as perfiferias do mundo, tudo para não desagradar seus maiores financiadores.

    É essa instância de Direitos Humanos que vai redimir o Lula?

    Piada!

  4. A Lei da Ficha Limpa não impede a candidatura de ninguém

    A Lei da ficha limpa NÃO DESAUTORIZA ninguém a concorrer às eleições. Se o fizesse, ela estaria contrariando os dispostos nos arts. 16-A e 16-B, da Lei 9.504/1997, a seguir transcritos:

    Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

    Parágrafo único.  O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.    (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

    Art. 16-B. O disposto no art. 16-A quanto ao direito de participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral.   (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

     

    A lei da ficha limpa não desautoriza ninguém a se candidatar, ela epans impede a diplomação e a posse do cargo para o qual foi eleito.

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