Para especialistas, mídia influencia em discurso de ódio contra mulheres

 
Jornal GGN – A chacina ocorrida em Campinas, onde 12 pessoas foram mortas em um festa de ano novo, sendo nove mulheres, levantou novamente o debate sobre o feminicídio e o ódio contra as mulheres, explicitado em carta deixada pelo assassino. 
 
Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga, critica a forma como a mídia cobriu o caso, em especial a divulgação da carta. Para ela, houve falta de contextualização em reportagens que tratavam do crime. “Quando você divulga isso (a carta), fica parecendo como ‘é um homem, machucado, que está buscando seus direitos de não parecer um frouxo porque não batia nela e agora ele vai exterminar tudo”, diz. 
 
A psicóloga Rachel Moreno crê que a mídia tem um forte papel na banalização da violência contra a mulher. “Na maior parte da grande mídia você tem um discurso bonito que reproduz e naturaliza a violência, que nos habitua a um nível maior de violência e que repete os estereótipos o tempo todo”, afirma.

 
 
 
Leia mais abaixo: 
 
Da Rede Brasil Atual
 
 
Para Juliana de Faria, da ONG Think Olga, foi um erro a divulgação sem contexto da carta do homem que matou 12 pessoas em Campinas. “A carta tem um cunho de manifesto. É terrorismo misógino”

 As justificativas do assassino Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, autor da chacina ocorrida na festa de ano novo em Campinas, interior de São Paulo, matando a ex-mulher Isamara Filier, de 41 anos, e o próprio filho João Victor, 8 anos, e mais 10 pessoas, ganhou eco nas redes sociais e em sites de notícias – as alegadas razões do homicida para cometer o crime premeditado foram encontrou quem “compreendesse seus motivos”. Em sua carta, divulgada na imprensa, o assassino esbravejou discurso de ódio contra as mulheres em geral e especificamente contra a ex, a quem culpava por ter perdido a guarda do filho.

A repercussão na internet brasileira não surpreendeu Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga. “A internet é só um amplificador do que nós somos como sociedade. Nós somos uma sociedade machista em que a violência contra a mulher é legitimada, normalizada e entendida como algo do dia a dia”, analisa.

Juliana pondera que a mulher sofre diariamente diversos tipos de violência, como a sexual e a doméstica e, apesar de não se assombrar com o discurso de ódio que circulou nas redes sociais, acredita que ao menos seja um avanço a palavra feminicídio passar a ser usada para definir crimes bárbaros como o ocorrido em Campinas.

“É muito bom que a gente possa dar nome para as coisas como elas de fato são. Por muito tempo chamávamos isso de crime passional, legitimando a violência e tratando-a como algo só de ciúme; e agora podemos chamar de feminicídio, que é a mulher ser assassinada pelo simples fato de ser mulher. Porque como sociedade isso já é normalizado, a culpabilização da vítima é corriqueira.”

O papel da imprensa

Para a fundadora da Think Olga, a forma como a imprensa abordou o caso também foi problemática, principalmente pela divulgação da carta do assassino. “A carta tem um cunho de manifesto. É terrorismo misógino. Você instiga a culpabilização da vítima, permitindo essa violência como se estivesse exterminando um grupo que é entendido como culpado pelas coisas ruins da vida”, afirma.

Também jornalista, com passagem pelo jornal O Estado de S. Paulo, Juliana de Faria critica a ausência de contextualização e “do outro lado” em algumas reportagens que noticiaram o crime. “Quando você divulga isso (a carta), fica parecendo como ‘é um homem, machucado, que está buscando seus direitos de não parecer um frouxo porque não batia nela e agora ele vai exterminar tudo”, analisa, acrescentando que demorou um tempo até se saber que a vítima já havia registrado boletins de ocorrência contra o ex-marido e que havia uma acusação formal contra o pai por ter abusado sexualmente do filho.

Segundo Juliana, a falta de dados sobre feminicídio e violência doméstica nas reportagens também é um erro. “Senão fica só uma informação solta em que as pessoas se apegam. O discurso da carta não é único, não é que nunca apareceu antes, pelo contrário, já está inserido em filmes, músicas e comentários de internet. A carta sem contexto só legitima essa violência. O jornalismo não é só mensageiro, é mensagem. É nosso papel adequar a mensagem para também educar as pessoas, para que a gente pare de normalizar essa violência, essas desigualdades e situações que são criminosas e fatais. Estamos falando de machismo e misoginia. É muito difícil ter empatia com essa minoria que são as mulheres. É um trabalho de educação e humanização dos grupos minoritários. É uma consequência da desumanização das mulheres, você não enxerga mais a mulher como ser humana, assim como grupos minoritários em geral.”

Em entrevista para a Rádio Brasil Atual, a psicóloga Rachel Moreno, coordenadora do Observatório da Mulher, apontou a falta de legislação específica no Brasil para inibir o discurso de ódio na internet. “O Brasil é um país que não tem legislação que puna o estímulo ao ódio. Não estou falando de controle da internet, queremos que ela seja livre, mas quando há o estímulo ao ódio tem que haver punição e no Brasil não há. Isso aumenta e se multiplica principalmente nas mídias mais modernas.”

Ouça aqui a entrevista completa de Raquel Moreno

Assim como a fundadora da ONG Think Olga, Rachel também inclui a postura da mídia em sua crítica sobre a banalização da violência contra a mulher.  “Na maior parte da grande mídia você tem um discurso bonito que reproduz e naturaliza a violência, que nos habitua a um nível maior de violência e que repete os estereótipos o tempo todo.”

A coordenadora do Observatório da Mulher lembra que recentemente se tentou incluir o tema das questões de gênero nos planos educacionais da esfera federal, estadual e municipal, intenção derrotada por maior força das bancadas conservadoras nos parlamentos. “E eles ainda estimulam os pais a denunciar o professor ou a escola que resolver ousar discutir qualquer questão. Isso tudo tem que ter um espaço para ser discutido e desnaturalizado. A escola é o espaço ideal e a mídia o segundo, porque reproduz isso e é uma educadora informal extremamente poderosa.”

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar no mundo em feminicídio, com uma taxa de 4,8 crimes para cada 100 mil mulheres. Já o Mapa da Violência de 2015 revelou que do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

Desde março de 2015, a Lei 13.104 tipifica o feminicídio no Código Penal brasileiro, definindo-o como crime “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. A lei estabelece que “há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

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Campinas terá ato no Largo do Rosário nesta quinta-feira (5)

A tragédia de Campinas foi um feminicídio em massa, embora pouco se fale no assunto. Isamara, Liliane, Alessandra, Antonia, Abadia, Ana Luiza, Larissa, Luzia e Carolina morreram por serem mulheres. O machismo as matou, assim como mata centenas de mulheres todos os dias no Brasil. E nós não suportamos mais ver mulheres sendo mortas pelo machismo.

Nesta quinta-feira, às 17h, no Largo do Rosário, o Coletivo de Mulheres da CUT, em Campinas, promove um ato contra o machismo que mata. Os organizadores sugerem às pessoas que levem material para a produção de cartazes: cartolinas, tecidos, tinta, spray, pincéis.

Redação

4 Comentários

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  1. Quem ama não mata. Ao contrário, perdoa

    Se o Coxinha, cuja mentalidade foi moldada principalmente pela mídia e pelas igrejas, amasse seu filho, ele não teria matado, pelo contrário, ele teria perdoado.

  2. Se a Mulher não se submete a ser objeto de cama e mesa…

    Se a mulher não se submete a ser objeto de cama e mesa, a sociedade machista acha que ela deve ser punida. Se ela se veste diferente dos padrões impostos pela socieadade machista e patriarcal, seu estupro é justificado por supostamente provocar os homens. Isso fica explícito na música de João Bosco e Vinicius Hoje eu quero te amar:

    “Meu Amor, me espere, vou logo chegar
    Vá ligando o chuveiro, prepare o jantar
    Põe o vinho no gelo
    Hoje eu quero te amar
    O baton que eu gosto pra eu te beijar
    Use aquele perfume pra me enfeitiçar
    Uma flôr nos cabelos
    Hoje eu quero te amar”

    Lennon disse, na música the Woman is the Nigger of the World, que:

    A mulher é o negro do mundo,

    Sim ela é
    Se não acredita em mim,
    Olhe para a Mulher que está com você
    A mulher é escrava dos escravos
    Ah, melhor gritar a respeito disto

    Nós fazemos ela parir e criar nossos filhos
    E depois a deixamos como uma galinha velha e gorda
    Nós dizemos a ela que o único lugar onde ela deveria estar é em casa
    E depois reclamamos que ela é provinciana demais para ser nossa amiga

    A mulher é o negro do mundo,
    Sim ela é
    Se não acredita em mim, olhe para a que está com você
    A mulher é o escravo dos escravos
    Sim (Pense a respeito)

    Nós insultamos ela todo dia na TV
    E maravilhosamente perguntamos porque ela não tem coragem e confiança
    Quando ela é jovem, nós matamos seu desejo de ser livre
    Enquanto dizemos para ela para não ser tão esperta
    A botamos para baixo por ser tão boba.

    A mulher é o negro do mundo,
    Sim ela é
    Se não acredita em mim, olhe para a que está com você
    A mulher é o escravo dos escravos
    Sim, ela é
    Se você não acredita em mim, é melhor gritar a respeito

    Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar

  3. O que está por trás de tudo é

    O que está por trás de tudo é a militância antiesquerdista, cuja principal máquina de propaganda é a mídia. É ela que unifica e coonesta o chovinismo, o racismo, a homofobia., etc., pois todo o avanço na legislação nessas áreas é vista como coisa “de esquerda”; de “esquerdopata”, na linguagem fascista.

    Repetindo: militânmcia antiesquerdista; esquerdofóbica. Afinal, esses estupidos fascistas sequer sabem o que é neoliberalismo, e menos ainda liberalismo. Sobretudo porque se teleguiam por uma imprensa que sobrevive de dentadas no dinheiro público e é cúmplice das maiores maracutaias da história desse país cometidas por amigos e aliados.

    Ou seja, enquanto isso não for percebido vai demorar um bocado para recuperar terreno.

    O golpe de 64 gozou de plena imunidade nos momentos imediatamete posteriores ao porre “anticomunista” e “subversivo”. Só começou a desmoronar 0uando foi ficando cada vez mais claro que se tratavam de boçais do tipo mais estúpido (basta notar os que até hoje fazem a defesa mais veemente das barabaridades da épolca).

    Enquanto não tratarem esse pessoal pelo nome, já era: o triunfo da boçalidade será cada vez mais longamente bem sucedido. Pouco importando quem serão os testas de ferro.

     

    1. Vale ver o texto “Até Quando – Sobre a Tragédia em Campinas”

       

      Lucinei (quarta-feira, 04/01/2017 às 14:28),

      Há muito tempo eu recomendo um entendimento mais profundo da cultura de uma comunidade ou nação para que se possa mais bem compreender atos, atitudes e ações dos indivíduos que compõem essa comunidade, povo ou nação. E meu argumento é lançado muito para contrapor a ideia de que é o meio de comunicação que forja o comportamento dos indivíduos. Penso que os meios de comunicação são um instrumento muito frágil para ser capaz de moldar uma cultura.

      O que os meios de comunicação fazem é reforçar certas crenças populares e reforçam essas crenças por instinto de sobrevivência ou por necessidade de sobrevivência em um mundo de concorrência capitalista. Em concorrência capitalista a sobrevivência é ditada pela necessidade de o meio de comunicação ter o número mais alto de seguidores – leitores, ouvintes ou telespectadores. Para tanto a grande mídia precisa direcionar sua programação de modo a coincidir com o padrão de comportamento da massa que o meio de comunicação pretende alcançar. A grande mídia não seria grande mídia se seus programas se propusessem a divulgar ideias contrárias às ideias culturalmente aceitas em uma sociedade.

      Há aqui um ótimo post de Fabio de Oliveira Ribeiro que tratou dessa tragédia de Campinas com a transcrição da carta do assassino e suicida. Trata-se do post “Reflexões sobre o massacre de Campinas, por Fábio de Oliveira Ribeiro” de segunda-feira, 02/01/2017 às 18:49, aqui no blog de Luis Nassif e que pode ser visto no seguinte endereço:

      https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/reflexoes-sobre-o-massacre-de-campinas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

      A análise de Fabio de Oliveira Ribeiro é muito boa, mas ele insiste em atribuir o espírito de autotutela à progressiva ineficácia do Poder Judiciário. Não vejo suporte para esse entendimento quando se observa que este espírito de autotutela não é exclusividade brasileira, ocorrendo no mundo inteiro independentemente do grau de eficácia do Poder Judiciário, se é que essa eficácia possa ser medida.

      O próprio Fabio de Oliveira Ribeiro em resposta enviada terça-feira, 03/01/2017 às 09:20, para Alexis junto ao comentário enviado terça-feira, 03/01/2017 às 08:42, vê na autotutela um resquício da barbárie. Depois de transcrever o seguinte trecho do comentário de Alexis “No caso das varas de família, em geral, o Juiz é levado por convicção, a priori, onde a vitima é normalmente a mulher e o vilão é o homem”, Fabio de Oliveira Ribeiro diz o seguinte:

      “Advogo em Varas de Família há mais de 25 anos e posso lhe garantir que você está totalmente enganado. A cultura da autotutela não deriva exclusivamente das injustiças que são eventualmente praticadas. O devido processo legal nos casos de família (direito de defesa, possibilidade de fazer prova e interpor recursos) é uma garantia atribuída a todos pela legislação. Além disto, uma pessoa razoavelmente civilizada é incapaz de se auto atribuir o direito de matar porque sua pretensão não foi atendida pelo Juiz”.

      Então para ele, “uma pessoa razoavelmente civilizada é incapaz de se auto atribuir o direito de matar porque sua pretensão não foi atendida pelo Juiz”. O mundo está em um processo civilizatório, mas nem por isso se pode negar que a barbárie reina em toda parte.

      Eu costumo dar o exemplo da invasão do Iraque pelos Estados Unidos como exemplo maior de barbárie manifestado pelo país mais rico do planeta. O presidente George Walker Bush, o filho, só invadiu o Iraque porque sabia que, com um exército fragilizado enfrentando a mais portentosa força militar da terra, o Iraque seria rapidamente dominado e ele seria considerado vitorioso e assim se credenciaria a se reeleger.

      Se o povo americano não fosse como todos os povos do mundo são, isto é, um povo bárbaro, eles não aceitariam que o presidente que comandava um exército poderoso fosse invadir um país dotado de um exército enfraquecido com anos de guerras perdidas e assim não reelegeriam o presidente George Walker Bush, o filho. Evidentemente se o povo americano, ao contrário do restante do planeta, fosse um povo já civilizado, George Walker Bush, o filho não teria invadido o Iraque, pois saberia que assim ele perderia a reeleição.

      Chamei atenção do post “Reflexões sobre o massacre de Campinas, por Fábio de Oliveira Ribeiro”  porque nele o comentarista Allan Patrick em comentário enviado segunda-feira, 02/01/2014 às 20:35, transcreveu o artigo do médico psiquiatra Manoel Olavo Loureiro Teixeira, intitulado “Até quando? – Sobre a tragédia em Campinas”. Achei o artigo também publicado no blog Coletivizando e datado de segunda-feira, 02/01/2017, no seguinte endereço:

      http://coletivizando.blogspot.com.br/2017/01/ate-quando-sobre-tragedia-em-campinas.html

      A observar que o blog Coletivizando parece ser do Paulo Vinícius, e o artigo de Manoel Olavo Loureiro Teixeira foi apresentando sem outras indicações a não ser o link para um blog de poesia do próprio Manoel Olavo Loureiro Teixeira.

      O texto de Manoel Olavo Loureiro Teixeira que deveria ter virado post aqui no blog de Luis Nassif é excelente e ele tem uma interpretação muito próxima da sua. Eu não concordei com os três primeiros parágrafos em que ele avalia que o assassino não revelou  “. . .qualquer alteração psicopatológica óbvia . . .”. Minha discordância é de leigo, mas não vejo razão para considerar que a autotutela mostre apenas a condição humana de barbárie. É preciso pelo menos um pouco de loucura para ir tão longe.

      E transcrevo o parágrafo a seguir que é um resumo do artigo à medida que nos parágrafos seguintes ele detalha trechos do parágrafo resumo. Diz lá o médico psiquiatra:

      “Um outro aspecto chama a atenção na carta de Sidnei. Ela nos parece estranhamente familiar. Na realidade, é. A carta é um apanhado de quase todos os lugares comuns do pensamento de extrema-direita que tomou conta do Brasil nos últimos anos. A raiva, a misoginia, o horror ao feminismo, o desprezo à democracia, o discurso fanático anticorrupção, o ódio aos direitos humanos, ao Estado, a intolerância social, a glorificação da violência e dos militares. Está tudo lá. É como se ouvíssemos o discurso de algum coxinha exaltado numa mesa de bar, como se assistíssemos a um programa policial na TV bandeirantes, como se ouvíssemos um comentarista da rádio jovem pan, como se lêssemos os comentários odiosos postados na redes sociais sobre os mais diferentes assuntos. O pensamento de Sidnei, em seu conteúdo, é uma expressão sociológica clara do que nos transformamos, graças à ação de grupos de extrema-direita, visando seus interesses políticos, e ao trabalho diário da grande mídia.”

      Embora semelhante a sua interpretação, a única referência a grande mídia é a menção à TV Bandeirantes e a rádio Jovem Pan. Ele responsabiliza mais a cultura da direita que vem sendo disseminada não propriamente na grande mídia, mas nas mídias sociais.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 05/01/2017

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