Para Ela Wiecko, é preciso sensibilizar a população para combater o racismo

 

Jornal GGN – Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, defende que é preciso sensibilizar a população e os poderes públicos para combater o racismo, além da questão legal. Para Wiecko, existe uma incapacidade dos órgãos públicos e as empresas privadas proporcionarem as mesmas condições de acesso, de igualdade e de salários, e também defende um registro único das denúncias, para aprimorar os dados sobre as ocorrências de discriminação no país.

Do Correio Braziliense

Vice-procuradora-geral: “É preciso mudar a cultura nas instituições”

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, defende que o combate ao racismo não se trata apenas de uma questão legal: é preciso sensibilizar a população e os poderes públicos. Wiecko reforça que é necessário ter um registro único das denúncias do crime para aprimorar os dados sobre as ocorrências em todo o país e ressalta a importância de se distinguir racismo de injúria racial. Para ela, há um caminho longo a ser percorrido no combate à discriminação, que passa por educação e conscientização.

Em geral, os registros de injúria racial são mais comuns do que os de racismo. Por quê?
O racismo é um crime mais grave do que a injúria racial. Agora, no meu ponto de vista, toda injúria racial é racismo. O Supremo Tribunal Federal (STF) construiu uma interpretação segundo a qual o racismo se constitui quando aquela ofensa visa toda a coletividade e, no caso da injúria racial, a apenas uma determinada pessoa. Mas eu acho essa distinção muito cerebrina. Quando uma pessoa diz que a outra é um “macaco” por conta da cor negra, na verdade, não está vendo aquela pessoa fora de tudo, mas é assim que a jurisprudência foi construída. E qual é a consequência disso? É que a injúria racial tem uma pena mais branda. O racismo é um crime imprescritível, mas a injúria racial é prescritível. A defesa dos acusados sempre vão desenvolver uma argumentação no sentido de desclassificar o racismo para a injúria racial. Essa distinção é uma válvula de escape para um padrão ainda muito comum, que acha que não há racismo, que rejeita a existência dessa prática no Brasil. Isso é uma prova de que o racismo ainda é negado no país.
Ainda existe um desconhecimento da população sobre como denunciar esses crimes?
A minha percepção é de que o movimento negro tem feito um esforço muito grande de reação. As pessoas que se auto-identificam como negras e que têm consciência da sua negritude — e de que estão em uma posição na qual podem ser alvo de racismo — conhecem mais as leis e os canais para se denunciar. Mas há pessoas que não assumiram essa identidade. Nós temos um grande número de pessoas pardas que às vezes se identificam como brancas quando têm que colocar no papel, justamente por ser uma fuga dessa situação. Elas têm medo. Existe um racismo institucional, que é a incapacidade de os órgãos públicos e as empresas privadas proporcionarem as mesmas condições de acesso, de igualdade e de salários.

Apesar de essa discriminação no trabalho ser ilegal, a prática é recorrente?
É uma coisa muito sutil. Na comissão (do MPF, dentro do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça), a gente verifica que, entre os servidores e as servidoras, no que se refere à ascensão, a ocupar cargos de chefia, há um número menor de mulheres, e muito menor ainda de mulheres negras e de homens negros. Você tem que criar oportunidades, até por meio de cotas.

Os tribunais não encontram a classificação de injúria racial no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como o MPF trabalha isso?
A nossa tabela foi feita num momento posterior, e a gente segue o CNJ porque o objetivo é ter a interoperabilidade, para que o nosso sistema possa conversar com o sistema da Justiça e da polícia. Nós ainda não chegamos a essa excelência dos sistemas de informação. Aqui, o sistema único só alcançou a Procuradoria-Geral no ano passado.

Quais são as consequências da falta de dados no enfrentamento ao racismo?
Para a formulação de políticas no âmbito do Judiciário, do Ministério Público, de política públicas em geral, precisamos de saber esse fluxo, saber como as pessoas vocalizam essas insatisfações e o que poderia ser feito. Em quais lugares esses crimes ocorrem mais, por exemplo. Isso é muito importante.

Redação

2 Comentários

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  1. Mais além!

    É preciso ir muito mais além disso.

    Na verdade, o que nos faltam são ferramentas conceituais e analíticas para destrinchar, com um mínimo de fineza sistemática, a lógica cultural da discriminação e da segregação.

    Nós sequer sabemos ao certo como ela funciona na longue durée, apesar de suspeitarmos (e com muita contundência) que ela funciona (e bem) aí.

    A retórica racialista contemporânea prestou, nisso, um enorme desfavor mistificatório, ao pretender resolver, pela panacéia messiânica da “afirmatividade” identitária, algo que essa retórica já simplificava de partida, nos termos da agenda liberal da reificação do indivíduo. Uma simplificação brutal, senão mesmo caricatural.

    Enquanto não houver um esforço sério de questionamento da causalidade simbólica complexa da discriminação, da segregação e da estigmatização, nós vamos continuar à mercê do simplismo retórico.

    Essa é uma questão de agenda intelectual, e o pensamento social brasileiro das últimas décadas preferiu não investir nela, substituindo-a por panaceias obscurantistas.

  2. Nao!

    Assim se fez a justiça contra os escravos! É a justiça e são todos os poderes no Brasil hoje!

    Assim é a mentalidade do que foi constituído o nacional. O Brasil. Pergunte se JB sabe e com um apt. em Miami. Pergunte ao Pelé. Não a nação que conhecemos e que o negro também construiu é distinta!

    Parem, não, pare o trem que vou soltar.

    Agora a consciência e as culpas são do pobre coitado do brasileiro, do trabalhador, do cidadão pacato ordeiro e não da “elite” que beneficiou sempre desta divisão, que tem e usa contra povo esta descriminação. Precisamos para a igualdade uma revolta contra as classes no Brasil. O resto vai à justiça, ao congresso e executivo dos estados, federal e acabem com todos eles. Olha o nível que chegou o congresso com a religião, sem respeito, sem ética e como sempre a corda rebenta no lado frágil da culpa. Parem com isto!

    O cidadão é refém do poder politico, econômico, judiciário e da educação no Brasil. Ate a republica, negro, pobre e índios não tinham direito a cidadania, educação, conhecimento e a oligarquia, os coronéis, os barões, as classes dominantes sim deveriam ter conhecimento, sabedoria, ética e humanidade, nunca se importaram não e são os avarentos da nação.  O um por cento donos do Brasil.

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