Por direitos ameaçados e por direitos nunca conquistados, por César Locatelli

Por direitos ameaçados e por direitos nunca conquistados

Em 20/02 será lançada a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ‘Dom Paulo Evaristo Arns’

por César Locatelli

Está nascendo a nova Comissão de Defesa dos Direitos Humanos: Dom Paulo Evaristo Arns dará nome e Margarida Genevois será a presidenta de honra. Por que Arns? Por que Margarida Genevois? 

Padre Ticão e Professor Waldir nos dão uma pista, no livro Dom Paulo Evaristo Arns – Cardeal das Periferias, dos Pobres e da Justiça:

Crescem assustadoramente os atos de injustiça e autoritarismo praticados pelo governo militar. Os terríveis atos institucionais eram decretados a seu bel prazer, dando-lhe poderes para agir do modo que melhor lhe aprouvesse a fim de reprimir qualquer manifestação contrária ao sistema imposto. O povo estava acuado e amedrontado diante de tantas perseguições.

São inúmeras as declarações feitas por Dom Paulo e registradas em livros, jornais e revistas sobre as perseguições sofridas pelo povo que ocupava as periferias, sobremaneira por aquelas pessoas que exerciam algum tipo de liderança. Como ajudar, proteger ou mesmo socorre a tantos? (…)

Certamente inspirado e conduzido pelo amor incondicional aos mais pobres, Dom Paulo, a exemplo de Paulo VI que havia feito em Roma, decide constituir em São Paulo[ em 1972] a Comissão de Justiça e Paz.

Artigo da Folha de S.Paulo, assinado por Eleonora de Lucena, nos conta de Margarida Genevois:

Quando começou a trabalhar na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, em 1972, Margarida Genevois falou para a família e amigos de casos de tortura e de desaparecidos da ditadura. Encontrou desinformação e desconfiança.

“Eu contava e ninguém acreditava, diziam que era imaginação. Até meu marido acreditava meio desconfiado”, relembra às vésperas de fazer 90 anos: “Tomei conhecimento das coisas horríveis que se passavam nas prisões, das barbaridades. Mas a classe média é meio protegida das desgraças da sociedade”.

Em seu apartamento em São Paulo, onde mora só, ela recorda que a comissão “era um dos poucos lugares que apoiavam os perseguidos. Eu recebia pessoas que estavam desesperadas, muitas tinham saído de prisões e estavam profundamente marcadas por aquilo tudo. É horrível perder um pai, um irmão que desapareceu feito fumaça no ar”.

(…)

Margarida trabalhou com Arns por 25 anos, presidindo a comissão por três vezes. “O bem que d. Paulo fez não é bastante reconhecido. Quem trabalha com ele cresce.”

Os criadores da Comissão Arns, inspirados, assim, em Dom Paulo, em Margarida e na Comissão de Justiça e Paz, entendem que os direitos consolidados na Constituição de 1988 sofrem sérios riscos de retrocesso. Eles, no entanto, vão além dos direitos reconhecidos na lei: sabem que há, na sociedade brasileira, “uma dívida histórica quanto à incorporação dos direitos humanos na vida dos cidadãos”. Acrescentam que:

O objetivo da iniciativa é dar visibilidade e acolhimento institucional a graves violações da integridade física, da liberdade e da dignidade humana, especialmente as cometidas por agentes do Estado contra pessoas e populações discriminadas – como negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTs, mulheres, jovens, comunidades urbanas ou rurais em situação de extrema pobreza.

Os 20 membros-fundadores da Comissão Arns, sob a presidência de honra de Margarida Genevois, reúnem seis ex-ministros: Claudia Costin, José Carlos Dias, José Gregori, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo Vannuchi; o ex-secretário de Justiça de São Paulo, Belisário Santos Jr.; o advogado e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente; os juristas Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Fábio Konder Comparato e Oscar Vilhena Vieira; os cientistas políticos André Singer, Luis Felipe de Alencastro, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Maria Victoria Benevides; os filósofos Sueli Carneiro e Vladimir Safatle; o líder indígena e ambientalista Ailton Krenak; a jornalista Laura Greenhalgh.

Os membros fundadores da Comissão Arns divulgarão manifesto, chamando a atenção da sociedade brasileira para o ambiente onde crescem o discurso do ódio, a intolerância, o preconceito e a discriminação. O lançamento oficial da Comissão Arns será no próximo dia 20 de fevereiro (quarta-feira), às 11 h, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco.

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

View Comments

  • Arns, Arns, não é esse o sobrenome do moço que se elegeu senador por Curitiba, e se associou aos torquemadas violadores de Direitos Humanos?

    Bem, é engraçadíssimo que a Igreja Católica tenha produzido tantos próceres na defesa de direitos que ela (igreja) como instituição sempre fez questão de violar, desde a Inquisição, passando pela escravidão, até a inspiradora militância pela violadora norma de proibição do aborto.

    Nem vamos falar da cumplicidade de Roma com a pedofilia dos seus padres.

    Ou é melhor esquecer o incesto entre Igreja e o fascismo de Mussolini que pariu o Tratado de Latrão e o Vaticano.

  • Que notícia boa! Seja bem-vinda, Comissão Arns! Muito bom para a defesa dos direitos humanos ganhar um reforço tão nobre, tão representativo e tão honrado. Temos certeza, que a constelação de iluminados(as) e combativos(as) participantes que integram a Comissão Arns, com apoio maciço de toda sociedade, provocará o início do fim dos abusos e das impunidades cotidianas, que são, em sua maioria, comandadas por quem usa do poder e da autoridade delegada, para: coagir, constranger, violentar, abusar, humilhar e negar os direitos sagrados e constituídos de todo ser humano. Entendo, e humildemente alerto, que uma atenção maior tem que ser direcionada para a justiça e a grande mídia. É fato, que nos últimos anos, a carga de denúncias contra estas duas instituições só não é maior que o descaso, que a habilidade e o poder da “influência” que ambas tão bem fazem uso. Imagino que o uso indiscriminado do abuso, a soberba sensação de autoconfiança e a hábil especialização na arte de desmontar denúncias, as fizeram adquirir o vício do convívio com a subversão dos valores e das condutas. Ignorar e insistir nestas práticas inaceitáveis e injustificáveis é tão grave quanto as tentativas de depreciar e tentar desqualificar acusações tão bem fundamentadas. É urgentíssimo, que a justiça é a grande mídia pare de pensar no bem estar de seus umbigos e crie mais coragem para exercitar, imparcialmente, a nobre e importante missão que lhes foram confiada.

  • Que notícia boa! Seja bem-vinda, Comissão Arns! Muito bom para a defesa dos direitos humanos ganhar um reforço tão nobre, tão representativo e tão honrado. Temos certeza, que a constelação de iluminados(as) e combativos(as) participantes que integram a Comissão Arns, com apoio maciço de toda sociedade, provocará o início do fim dos abusos e das impunidades cotidianas, que são, em sua maioria, comandadas por quem usa do poder e da autoridade delegada, para: coagir, constranger, violentar, abusar, humilhar e negar os direitos sagrados e constituídos de todo ser humano. Entendo, e humildemente alerto, que uma atenção maior tem que ser direcionada para a justiça e a grande mídia. É fato, que nos últimos anos, a carga de denúncias contra estas duas instituições só não é maior que o descaso, que a habilidade e o poder da “influência” que ambas tão bem fazem uso. Imagino que o uso indiscriminado do abuso, a soberba sensação de autoconfiança e a hábil especialização na arte de desmontar denúncias, as fizeram adquirir o vício do convívio com a subversão dos valores e das condutas. Ignorar e insistir nestas práticas inaceitáveis e injustificáveis é tão grave quanto as tentativas de depreciar e tentar desqualificar acusações tão bem fundamentadas. É urgentíssimo, que a justiça é a grande mídia pare de pensar no bem estar de seus umbigos e crie mais coragem para exercitar, imparcialmente, a nobre e importante missão que lhes foram confiadas.

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