Por que os ‘rolezinhos’ assustam

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O Facebook estará completando dez anos em fevereiro, conforme registra o Globo na edição de segunda-feira (13/1). Trata-se de um fenômeno importante demais para ser mantido no limitado contexto das tecnologias: a rede de comunicações interpessoais, que inclui uma infinidade de aplicativos, se transformou em um campo social paralelo ao da sociedade tradicional, e sua influência se tornou tão ampla e definidora que já não cabe no conceito de “rede virtual”.

Ao lado de outros recursos que ampliam a conectividade entre os indivíduos, essa plataforma constitui um novo território para a vida comunitária, um novo lugar no mundo que é, ao mesmo tempo, “todo lugar” e “nenhum lugar”.

Os debates teóricos sobre sua influência, eventuais ganhos e perdas que virá a oferecer às futuras gerações, ainda têm um alcance limitado, porque são fundamentados numa experiência de vida que passa por transformações tão velozes quanto profundas.

A questão da privacidade, por exemplo, é discutida com base num conceito de individualidade que pode não fazer sentido para a geração plenamente digital. Por outro lado, o potencial de ubiquidade que oferece a seus integrantes reduz progressivamente o papel da mediação, tradicionalmente cumprido pelo sistema que chamamos de imprensa.

Neste momento, os aspectos mais evidentes dessa mutação por que passa a sociedade são exatamente a diluição do poder mediador das relações sociais e a flexibilização do conceito de espaço público. Com isso, mudam todas as relações, principalmente aquelas baseadas no poder simbólico, que só subsiste quando ignorado por quem se submete a ele.

Observe-se, por exemplo, como o antigo poder da imprensa tradicional, de definir a agenda social, perde terreno e se acomoda ao limitado campo das instituições, conforme as pessoas percebem que não precisam dela para se sentirem parte da sociedade.

Veja-se, por exemplo, a recente onda de concentrações de jovens, que se organizam nas redes sociais digitais e se encontram, aos milhares, em shopping centers das grandes cidades. Os comerciantes, a polícia e a própria imprensa consideram que os centros de compras são espaços privados, mas os participantes dos tais “rolezinhos” estão convencidos de que são na verdade espaços públicos.

Os nativos digitais

A sociedade em rede se diferencia das comunidades tradicionais porque não é formada por necessidades, mas por conveniências. Em apenas uma década, a convergência entre os recursos tecnológicos digitais e uma geração ansiosa por protagonismo produziu uma mutação sem ruptura, porque, entre os nativos analógicos que viveram a maior parte de suas existências no século 20 e os nativos digitais que nasceram na sociedade em rede, atuam os analógicos digitalizados, que funcionam como uma ponte entre gerações.

Esse aspecto de uma mudança radical sem um ponto de mutação aparente dificulta a compreensão do fenômeno e estimula profecias catastrofistas sobre o fim do social, a falência da história e a dissolução das ideologias. No entanto, é preciso considerar que ainda falamos de seres humanos, sobre os quais sabemos que necessitam ao mesmo tempo delimitar sua individualidade e integrá-la ao contexto social.

Também não se pode omitir o fato de que o surgimento e expansão das redes sociais digitais acontece em pleno triunfo da sociedade de massa, com as individualidades empasteladas pela indústria cultural massificadora.

Os “rolezinhos” que têm assustado autoridades e espantado a imprensa nas últimas semanas são provavelmente uma das manifestações do processo de entropia da sociedade de massa, ou seja, o triunfo do sistema cria as condições para movimentos espontâneos e massivos que assombram os beneficiários do sistema.

Os passeios coletivos de milhares de jovens pelos corredores de shopping centers são concentrações inocentes, até que um movimento súbito ou um simples grito transforme o desfile em episódio de saque e vandalismo, como aconteceu nas manifestações de rua do ano passado.

Nossas cidades foram construídas conforme a lógica da exclusão, assim como a mídia tradicional foi edificada sobre a ficção do interesse coletivo, com os pressupostos da sociedade aristocrática. Nada mais natural que, eventualmente, o campo da sociedade em rede invada a velha sociedade de classes, como dois mundos que colidem.

Superfícies de vidro são as primeiras coisas que se estilhaçam.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. Rolezinho para uns, FlashMob para outros.

    Eles exigem o que não lhes foi permitido

    O pertencimento

    Polícia para uns. E para os outros?

    Museu do louvre - Paris 2009

    Museu do louvre – Paris, 2009 – FlashMob – Rolezinho de Ricos ( Getty Images)

    Rico:FlashMob;

    Pobre: Rolezinho;

    Shopping Interlagos São Paulo - Rolezinho

    Shopping Interlagos São Paulo, 2013 – Rolezinho – FlashMob de Pobre ( Foto: Joel Silva/ FolhaPress)

     

    1.  
      Esta ocupação foi um evente

       

      Esta ocupação foi um evente políticamente muito positivo .Houve até a criação de uma moeda fictícia que foi utilizada pela galera para simular compras (obviamente tudo foi devolvido aos logistas) .

      NÃO ACONTECERAM FURTOS OU QUALQUER ATO DE VANDALISMO NAS LOJAS .

      Uma das lideranças dessas manifestações (houveram algumas outras aqui no RJ) foi ameaçado de morte por algumas autoridades pociais do governo da época(governo do garotinho molequinho) e teve que sair do Estado do RJ para preservar a sua vida .

      Mas no geral, o evento foi bastante positivo . A proposta de denunciar o fosso social no RJ foi atingido .

      1.  
        Infelizmente au não

         

        Infelizmente au não participei desses eventos pois na época eu era dirigente sindical de uma estatal aqui no RJ e não tive tempo disponível para participar efetivamente dessas ações, mas fui solidário com a galera .

         

         

  2. É aquela história: você não

    É aquela história: você não tem um patrimônio ameçado lá dentro do Shopping, então acha que flashMob e rolezinho é a mesma coisa. Não importa que um seja apenas uma dança, ou uma representação agradável e o outro seja um quebra-quebra com furto. Pra você é tudo a mesma coisa.

    1. E nem o juiz que proibiu

      E nem o juiz que proibiu falou que rolezinho é quebra-quebra com furto

      “”é cediço que pequenos grupos se infiltram nestas reuniões com finalidades ilícitas e transformam movimento pacífico em ato de depredação, subtração, violando o direito do dono da propriedade, do comerciante e do cliente do shopping”.

      Alberto Gibin Villela
      Juiz de Direito

       

      Lhe pergunto, Paulo

      Se essa “infiltração” pode ocorrer em rolezinho, ppor que não em flashMob?

  3. A “elite” branca e rica é quem rouba dos pobres!

    Grá-fino branquelo com medo do preto e pobre?

    Curioso… pois os grandes ladrões e criminosos do Brasil são miliardários brancos que vivem em mansões!

    Quem sofre com as porradas, torturas e assassinatos cometidos pela PM – polícia política da casa-grande – é o povo pobre e trabalhador.

     

     

     

  4. É a desigualdade estúpido!

    Querem dar vários nomes a esse choque de culturas, o fato é que a classe ficou tão reclusa dentro de seus muros altos que não percebem que o país tem uma desigualdade tremenda, as formas de diversão desses garotos é muito diferente, não têm o xbox ou ps4 para passar o tempo, e apesar de terem acesso a internet, não conseguem apreender os modos e trejeitos dessa elite, e aí, ficam como penetras em festa de rico, todo mundo sabe que não pertecem àquele mundo. O problema dessa classe dominante é que acha que todo pobre é ladrão, mau caráter e gosta de brigas, isso é uma completa inverdade, se houver uma pesquuisa séria, é provável que o percentual de criminosos na elite, seja igual ao dos pobres.

    A elite por opção se isolou, fez com que não conhecesse seus vizinhos, suas diferenças culturais, isso é terrível, é a clara face da desigualdade no país.

  5. meio fora de pauta, mas nem tanto

    vou deixar duas perguntas ingênuas, que podem estar também na cabeça de outros não feicistas:

    o que a mídia tradicional pode fazer nas próximas semanas, meses, se quer encorajar os coxinhas a reeditarem a quebradeira de junho (tribos organizadas via redes sociais) e ao mesmo tempo precisa coibir, sufocar, silenciar, escamotear os rolezinhos (tribos organizadas via redes sociais)?

    como convencer que a mesma polícia é o vilão no conflito contra os coxinhas e o mocinho dentro do shopping?

     

  6. A solução: um FECHE MOB.

    A solução: um FECHE MOB. Como? Simples. Descubram onde ficam as entradas e as saídas dos shoppings. Façam grupos nestas áreas e impeçam a entrada das pessoas. Afinal, o shopping não quer que ninguém entre, não é mesmo? Então, NINGUÉM ENTRA! Só sai. O Haddad deveria ir pra cima dos ahoppings e divulgar quais são aqueles que estão envolvidos na máfia do ISS.  Mas dê uma olhadinha em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/veja-empresas-e-predios-na-lista-da-propina-de-fiscais-de-sp.

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