Prisão serve para humilhar, dominar e adestrar, por Leonardo Isaac Yarochewsky

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Justificando

Prisão serve para humilhar, dominar e adestrar

por Leonardo Isaac Yarochewsky

Entrando em um táxi a caminho da “Justiça Federal” o jovem motorista, com seus cabelos longos, me pergunta: – Doutor, o senhor é advogado?

Eu respondo: – sou sim, sou criminalista.

– Então o senhor vai poder me esclarecer uma dúvida! Por que raspam a cabeça do preso?

– Um agente do estado responderia a você o seguinte: “É um procedimento operacional padrão (POP) que visa garantir a higiene e a saúde dos detentos, bem como de todos que trabalham nos presídios”.

– Qual outra resposta poderia ser dada, doutor? – Indaga o motorista alisando suas longas madeixas.

– Bem, Foucault… – Quem? Interrompe-me abruptamente o motorista. – Michel Foucault, sociólogo, filósofo e pensador francês, diria: “o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las;  procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo”. A disciplina “fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício...”.[1]

– Complicado isso doutor.

– Sim, mas é a verdade. Na prisão, observa Hulsman, o condenado “penetra num universo alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão representa muito mais que a privação da liberdade com todas as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento estéril”.[2]

– Quer dizer então que o preso deve ser humilhado, doutor? Que sacanagem! – Concluiu o assustado motorista.

– Isso mesmo. Humilhado, dominado e adestrado.

– Doutor, mas e o tal dos direitos humanos permite isso?

– Olha, de acordo com a Constituição da República – nossa lei maior – “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (art. 5º, XLIX). Diz ainda, a Constituição que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III).

– Doutor, eu posso fazer uma última pergunta?

– Claro.

– O senhor acha que a prisão recupera?

– José Carlos (nome do motorista) sua pergunta é bastante complexa e acho que vamos chegar ao destino antes que eu consiga lhe responder devidamente, mas vou tentar lhe dizer algo: na prisão forma-se outra sociedade, bastante diferente da que existe no mundo livre. Na prisão vigora outras regras. Na verdade, quanto mais tempo o indivíduo passa na prisão mais dificuldade terá de se adaptar a vida extramuros. Assim, sendo bastante sincero contigo, não vejo nenhuma possibilidade de alguém sair melhor da prisão do que entrou. A prisão quase sempre transforma os seres humanos para piores. É um sofrimento desnecessário e estéril.

– Doutor, chegamos.

– Sim, chegamos. Espero que você tenha uma boa tarde.

– Depois dessa nossa conversa vai ser difícil, doutor.

– Difícil mesmo é sobreviver na prisão…

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado e Doutor em Ciências Penais pela UFMG.

[1] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Trad. Ligia M. Pondé Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

[2] HULMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1993.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. Mais um romântico!

    A civlização se funda na repressão ao principio do prazer.

    Se a repressão é majoritariamente saudável, os danos serão menores, embora sempre existam.

    Tem êxito quando a sublimação é eficaz em funções sociais e profissionais.

    Fracassa quando o individuo se torna alcolatra ou drogado.

    Michel Foucalt teria produzido inúmeras obras se na sua infância o principio do prazer não tivesse sido reprimido?

    O artigo acima é ingênuo, pressupoem que o homem é bom por natureza, que crimes bárbaros não necessitam de serem reprimidos, que a maioria é mais importante que um.

    1. Mais um conservador

      Ele não disse isso. Disso que a prisão tal qual ela existe é estéril, não resolve o problema do “crime e castigo”. E não é apenas Leonardo Isaac que tem essa visão, todos os grandes legalistas sabem disso…. A prisão, como a sociedade, precisa evoluir, precisa passar a outra coisa, a outros caminhos. O ideal é que nem existissem e acho que daqui ha alguns séculos as prisões com muros, como conhecemos, não existirão mais.

      O que é repressão majoritariamente saudavel? Até meu filho de sete anos vai argumentar que repressão alguma não é saudavel, ainda que limites sejam necessarios para a vida em sociedade…

      Se Foucault estivesse vivo te daria uma aula sobre repressão e liberdade.

      1. Mal Estar na Civilização!

        Quem leu Freud, sabe o que escrevei – a formação das pessoas desde a infância na eduação de pai e mãe.

        Incautos pensam que escrevei sobre prisões. 

        A maioria da pessoas do povão, que são afetadas por assassinatos e roubos graves, são favoráveis as prisões.

        A classe de esquerda, por muitos não enfrentarem esses problemas, são românticos.

        1. Todos enfrentram mais ou menos problemas com a violência

          Ronaldo, não esta se falando que não se deva haver punição. Quem comete um crime é obvio que deve ser responsabilizado senão viveriamos no caos total. A questão é que as prisões que temos hoje são modelos ultrapassados, desumanas, não servem para ressocializar ninguém etc etc.

           

        2. Mas de novo, Ronaldo?

          De novo você vem enfiando assunto que nao tem nada a ver nem com o seu comentário e nem com as respostas a ele?

          Quem disse aqui que é contra prender criminosos? E quem disse que é contra prender criminoso por ser de esquerda? E quem disse que só quem é de Direita é a favor de prender criminoso?

          Estava até respeitando suas posições, mas agora vejo que você está se portando como troll. O troll é aquele sujeito que a gente escreve dez coisas e ele afirma que escrevemos uma que não escrevemos, só com o propósito de alongar a discussão…

        3. sobre ingenuidade e o estado das coisas…

          Me parece no mínimo imprudente chamar de ingênuo o artigo. O fato de se constatar a barbárie a que são submetidos os presos no Brasil ( e em boa parte do mundo) não significa, necessariamente que se está defendendo que aqueles que cometem crimes não devam pagar por eles. A questão é: qual a maneira de se pagar pelos crimes cometidos?? É correto e sensato então que passemos por  cima de todas as garantias previstas na CF, pela simples razão de retribuir aos criminosos pelos crimes que cometeram? Defender que seja cumprida a lei – inclusive para os criminosos – não é o mesmo que defender a impunidade. E punir não é o mesmo que se vnigar, que fique claro, já abandonamos esses métodos desde a idade média. Outro fato curioso…à guisa de exemplo, se pegarmos o período da última ditadura no Brasil, boa parte das esquerdas que não foram exiladas ou mortas, estiveram nas cadeias por anos, mesmo depois da Lei de (auto) Anistia. Será que são as esquerdas que não sabem o que é o sistema prisional, ou é a nossa velha e golpita direita oligárquica, banqueira, empresária e latifundiária que não sabe o cheiro que tem um Presídio Central?

        4. sobre ingenuidade e o estado das coisas…

          Me parece no mínimo imprudente chamar de ingênuo o artigo. O fato de se constatar a barbárie a que são submetidos os presos no Brasil ( e em boa parte do mundo) não significa, necessariamente que se está defendendo que aqueles que cometem crimes não devam pagar por eles. A questão é: qual a maneira de se pagar pelos crimes cometidos?? É correto e sensato então que passemos por  cima de todas as garantias previstas na CF, pela simples razão de retribuir aos criminosos pelos crimes que cometeram? Defender que seja cumprida a lei – inclusive para os criminosos – não é o mesmo que defender a impunidade. E punir não é o mesmo que se vnigar, que fique claro, já abandonamos esses métodos desde a idade média. Outro fato curioso…à guisa de exemplo, se pegarmos o período da última ditadura no Brasil, boa parte das esquerdas que não foram exiladas ou mortas, estiveram nas cadeias por anos, mesmo depois da Lei de (auto) Anistia. Será que são as esquerdas que não sabem o que é o sistema prisional, ou é a nossa velha e golpita direita oligárquica, banqueira, empresária e latifundiária que não sabe o cheiro que tem um Presídio Central?

    2. Independente de ser bom ou não

      Até alguém bom por natureza se tornaria bestial numa das nossas prisões. É isso ou então se renuncia ao mais básico dos princípios, a sobrevivência.

      Mas discutir isso é fugir do tema. O que o texto fala mesmo é que nossas prisões são ruins, se baseiam num aparato repressivo sob o pretexto de “ressocializar” e não cumprem sua função justamente pela maneira como se propõem a fazê-lo.

      Quanto à sua ideia de “repressão majoritariamente saudável”, note que os países mais bem sucedidos em evitar o crime e ressocializar detentos são os mais livres, os menos repressores e mais tolerantes, como os países nórdicos. Aqueles que se baseiam numa moral repressora e que busca padronizar pessoas à força (como Brasil, China, Rússia e EUA) se tornaram os campeões de encarceramento.

    3. Que comentário imbecil!

      Se o colega acha que a mola de tudo é a repressão ou o extravasamento dos instintos, muito bem, não vou reprimir os meus, TU ÉS UM IDIOTA.

      Tudo fica simples quando se apegando a teorias psicanalíticas básicas emitir comentários enfáticos sobre o que os outros pensam e fazem.

      A ideia de que crimes bárbaros devem ser reprimidos para o contexto das prisões brasileiras é de uma simplificação cavalar, beirando a comentários dos amigos do “Criminoso bom é o criminoso morto” ou ainda outra joia “Direitos humanos são para humanos”. Nunca pensei que alguém tivesse a coragem de manifestar suas opiniões porcas (de novo sem reprimir meus instintos básicos!). Thanatos está em alta neste momento, eu também li Eros e a civilização, mas a mais de 45 anos, mas depois que me libertei da culpa do prazer solitário, não necessitei continuar agredindo os outros de forma voluntária.

      Tenho entrado propositalmente em vídeos do YouTube que evocam teorias Bolsonarianas, porém cheguei a conclusão que com uma cinco ou seis diálogos através de comentários, já consegui colocar mais juízo na cabeça daqueles que são a priori adeptos da selvageria como método de vingança do estado contra o criminoso do que se possa pensar.

      A maioria das pessoas são adeptas da selvageria mais por desinformação do que por sustentação teórica, porém nunca se sabe a onde se encontrará um bolsomito.

  2. As prisões brasileiras educam, sim !

    Um cidadão que entra nelas como um  bandidinho, se aperfeiçoa no ramo, e, se sair, sai bandidão.

    Ou seja, aprende muito mais do “ofício”.

    Talvez por aí é que se possa exigir legalmente do estado que o dito mude de idea a respeito das condições atuais das cadeias.

  3. O fato puro e simples é que

    O fato puro e simples é que os presidios brasileiros são ILEGAIS. O país é signatário de tratados internacionais. E mesmo diante do direito interno são inadmissíveis.

    Isso, porém, se fala há trinta anos, pelo menos. Não será agora, no entanto, em pleno “triunfo da boçalidade” que a civilidade terá chance.

    Os estúpidos que vêm me acusar de “defender bandido” ouvem na hora que eles é que são uns escrotos; eles que fazem apologia ao assassinato e à tortura.

  4. Se eu fosse o Eike Batista utilizaria a prisão para fazer….

    Se eu fosse o Eike Batista utilizaria a prisão para fazer o que todo o executivo apreende a fazer em qualquer ambiente que ele está.

    O que?

    Contatos. Estão tratando o Eike como se trata qualquer criminoso no Brasil e como está expresso no texto, tentando humilhá-lo e quebrá-lo, logo deveria aproveitar o ambiente para conhecer futuros empregados para criar o que falam tanto no Brasil de hoje mas não existe na realidade, o crime organizado.

    Imagine o Eike conhecendo bons assassinos e matadores profissionais, seria uma festa depois, poderia fazer qualquer coisa que não haveria delações premiadas.

  5. A finalidade da prisão não é essa

    A prisão não recupera, nem é essa a sua finalidade. Prisão não é sanatório, nem preso é educando. O preso é dono de sua consciência individual, e como tal, só pode recuperar-se se assim o desejar. Se ele nã deseja recuperar-se, o Estado não pode ser responsabilizado.

    O detento não está na prisão para ser recuperado, educado ou seja o que for. Ele está na prisão para que não esteja na rua, cometendo crimes. A prisão é um serviço para a sociedade, não para o preso. É a legítima autodefesa da sociedade.

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