Querem ou extermínio ou encarceramento de jovens, diz Angélica Goulart

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Em entrevista ao GGN, a secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente afirmou que o jovem está pagando pelos problemas de Segurança Pública no país

Jornal GGN – “As duas saídas discutidas hoje são exterminar ou encarcerar, tirar esses jovens de circulação. É muito perverso. Enquanto deveríamos estar debruçados, mobilizados, encontrando alternativas para incluir esse jovem, para que eles pudessem produzir um projeto de vida fora dessa situação”, manifestou Angélica Goulart, secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, em entrevista ao GGN.

Também presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), acostumada com a realidade infanto-juvenil, Angélica foi além e afirmou o desconhecimento de parte da população e dos congressistas que levam à frente a PEC da redução da maioridade penal.

“Nos últimos anos, foram mais de 200 alterações no Código Penal, de endurecimento de leis. E qual é o resultado disso no sistema de privação, de encarceramento no país? É um país que tem a terceira população carcerária do mundo. A lei do crime hediondo foi aprovada em 1990, o que isso diminuiu no cometimento desses crimes no país?”, questionou.

“É essa pergunta que a gente tem que fazer para entender que o caminho não é esse e que isso só agravaria a situação dos adolescentes, que ainda vivem dentro de um sistema que, com todas as fragilidades, ainda é infinitamente superior ao sistema carcerário”, respondeu, fazendo referência ao sistema socioeducativo para menores de idade.

Goulart entende que as discussões na Câmara estão sendo pautadas pela necessidade de responder à expectativa da população em combater a impunidade e a violência no país. “Não é exatamente o adolescente que é impune na sociedade, mas ele infelizmente está pagando essa conta”, rebateu.

A presidente do Conanda foi direta ao traçar um perfil daqueles que deveriam ser entendidos como vítimas e não agentes do crime: “eles são negros, pobres, não frequentam escola, de famílias de baixa renda e eles são também de um território. Eles são da periferia”.

Como secretária dos Direitos da Criança e do Adolescente, apresentou ao GGN propostas da pasta para reduzir a criminalidade dos adolescentes – que hoje corresponde a menos de 0,9% dos crimes, segundo a UNICEF: “fortalecer mais o sistema de garantia de direitos para responder de uma forma precisa e antecipada a essa situação, de casos anunciados, de que o menino está em uma situação de vulnerabilidade a ser capturado. A outra [medida] é na articulação intrasetorial para o fortalecimento dessas políticas na educação, saúde, cultura, esporte”.

Angélica Goulart também alertou que as ações devem estar focadas para o combate do tráfico de drogas. “Nosso facho de luz devia ser para o enfrentamento de aliciamento dos meninos e meninas, especialmente para o tráfico. Os meninos roubam, os meninos furtam e acabam cometendo homicídio, mas sempre começando desse lugar, do envolvimento com o tráfico”, analisou.

Para ela, os adolescentes estão sendo responsabilizados “pela insegurança que a população sente e pelas dificuldades relacionadas à Segurança Pública no país”. Também desdobrou o apelo criminal da possível redução da maioridade para outros campos, como a ingestão de bebida alcóolica, liberação da exploração sexual e trabalho infantil.

Acompanhe a entrevista completa concedida ao Jornal GGN:

GGN: Além da área criminal, quais outros direitos até então garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) podem ser afetados com a decisão da redução da maioridade penal?

Angélica Goulart: O que está sendo apontado é que o desdobramento da redução da maioridade penal tem alguns impactos que não são automáticos, alguns sim e outros não. Então, por exemplo, em relação à carteira de motorista. Hoje, só pode tirar carteira de motorista quem for imputável. O fato de aos 16 anos você se tornar imputável, automaticamente cai a condicionante, e você poderá tirar a carteira de motorista. Os outros são uma transformação direta e de expectativa, por exemplo, toda a questão da exploração sexual. Se a partir dos 16 anos eles se tornarem autônomos, devem responder civilmente pelos seus atos, obviamente nós teremos uma questão relacionada à liberação da exploração sexual para essa faixa etária. Então isso nos preocupa.

Por exemplo, é proibida a venda de bebida alcóolica para menores de 18 anos. Se a idade imputável for de 16 anos, haverá essa alteração também. E, a partir dos 16 anos, ele vai estar pronto para responder a todos os requisitos de responsabilidade civil, e não é assim. Outra preocupação é em relação ao trabalho infantil. A partir dos 16 anos já está autorizado, mas em condições de estágio de desenvolvimento, com cuidados que não são específicos daqueles que são imputáveis.

GGN: O trabalho infantil entraria como uma consequência indireta, já que não depende da questão criminal, mas, se reduzir a idade para a responsabilidade penal, pressupõe que aquela pessoa de 16 anos já estaria apta a se equiparar a adultos?

Angélica Goulart: Exatamente. Alguns dizem: vamos abaixar a maioridade penal porque o jovem de hoje já pode votar. Ele pode, mas não é obrigado a votar. Ele pode começar a exercitar esse direito da cidadania. Mas, se por acaso, ele avaliar que aquele voto não foi o acertado, não tem um impacto direto na sua vida equiparado ao que é o sistema de encarceramento, de privação de liberdade. A gente tem que procurar conversar muito com todos, levar informação à sociedade é fundamental.

GGN: Além dos exemplos diretos para os adolescentes, como ficam os casos de consequências criminais para assassinatos de crianças e adolescentes, tratamentos diferenciados no direito penal em crimes cometidos contra os jovens, e até instrumentos da sociedade civil que não são regulamentados em lei, mas têm um papel, como o próprio Conselho de Pedofilia, criado pela Igreja Católica para lidar com esses crimes cometidos pelos padres? Existe uma construção da sociedade em cima do Estatuto, e o próprio ECA foi criado com base na idade penal de 18 anos.

Angélica Goulart: É uma estrutura de proteção integral das crianças e dos adolescentes que se modifica, impactando muito na vida delas. Uma mudança muito significativa e não é proporcional à causa que está levando a isso. Porque as causas levantadas são sempre a questão da impunidade, que é levantada por quem não conhece o sistema socioeducativo. Quem conhece sabe que o adolescente é responsabilizado, muitas vezes até mais do que o adulto. E a questão da diminuição da violência, como se esse percentual fosse responsável pela insegurança que a população sente, pelas dificuldades relacionadas à Segurança Pública no país.

As causas que estão levando a essa mudança, que vai afetar demais a vida de toda essa parcela da população, não são proporcionais! Não é proporcional à justificativa para que ela aconteça. É isso que temos que levar em consideração.

GGN: Estudos trazem levantamentos contrários a esses argumentos. Teve uma pesquisa do IPEA, de 2013, que mostra que de todos os adolescentes detidos, 40% respondiam por crimes de roubo, em segundo lugar por tráfico (pouco mais de 20%), depois, com porcentagem muito inferior (9%) por homicídio e os delitos graves, juntos, somam 11%. A UNICEF aponta que apenas 0,9% dos crimes registrados em todo o país são cometidos por adolescentes. A partir dessas constatações, o que está sendo discutido no Congresso não está sendo embasado em estudos, mas em quê?

Angélica Goulart: Está sendo baseado nessa necessidade de responder à expectativa legítima da população em relação a esses dois quesitos: impunidade, que não é exatamente o adolescente que é impune na sociedade, mas ele infelizmente está pagando essa conta, e a solução da violência no país. A representação do adolescente nessa realidade é ínfima, como você aponta, mas é como se desse uma satisfação à sociedade relacionada a uma coisa que não vai responder ao que a sociedade quer. É isso que nós entendemos, exatamente essa questão que está hoje em jogo.

É claro que há uma preocupação em relação a esses crimes que são apavorantes, mesmo. Mas não é essa medida que vai impactar a diminuição desses crimes. Vou trazer um exemplo, nos últimos anos, foram mais de 200 alterações no Código Penal, de endurecimento de leis. E qual é o resultado disso no sistema de privação, de encarceramento no país? É um país que tem a terceira população carcerária do mundo. A lei do crime hediondo foi aprovada em 1990, o que isso diminuiu no cometimento desses crimes no país?

É essa pergunta que a gente tem que fazer, para entender que o caminho não é esse e que isso só agravaria a situação dos adolescentes, que ainda vivem dentro de um sistema que com todas as fragilidades dele ainda é infinitamente superior ao sistema carcerário, onde no sistema sócioeducativo não se tem o crime organizado instalado, não tem facções, até tem, mas não da forma disseminada e estruturante que é no sistema carcerário. Isso tudo é fortalecer ainda mais o crime organizado, e ainda mais cedo.

Eu acho que sim, o nosso olhar, o nosso facho de luz devia ser para o enfrentamento de aliciamento dos meninos e meninas, especialmente para o tráfico de drogas. Isso sim, enfrentar o tráfico de drogas é a missão que, como sociedade, nós temos para acabar com a realidade que de violência nesse país. Que os meninos roubam, os meninos furtam, participam do tráfico e acabam cometendo homicídio, mas sempre começando desse lugar, do envolvimento com o tráfico.

GGN: Quais seriam as alternativas para o combate ao tráfico por adolescentes?

Angélica Goulart: Eu acredito que o investimento tem que ser em políticas públicas lá na primeira infância. A gente começou um processo no país, de enfrentamento à questão da miséria, de inclusão, e agora nós temos que avançar. Investir na primeira infância com creches, investir em escolas de horário integral, no ensino fundamental e no ensino médio, disputar os territórios com o tráfico de drogas, chegando a eles com a política de uma forma importante, são algumas, talvez, das alternativas. Outra alternativa seria o acompanhamento dessas famílias e o fortalecimento dessas relações familiares, que muitas vezes se esfacelam pelas dificuldades da realidade que se colocam. Sem essa estrutura, muitos adolescentes ficam vulneráveis mesmo a serem capturados por essas forças que se apresentam na comunidade, no seu território.

GGN: Qual seria então o papel da Secretaria Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente nessas políticas públicas?

Angélica Goulart: Do ponto de vista específico de direitos, é fortalecer ainda mais o sistema de garantia de direitos para responder de uma forma precisa e antecipada a essa situação, de casos anunciados, de que o menino está em uma situação de vulnerabilidade a ser capturado. A outra é na articulação intrasetorial para o fortalecimento dessas políticas que nós estamos conversando aqui, a educação, saúde, cultura, esporte.

GGN: O estudo do IPEA de 2013 também revela que a maioria dos adolescentes é negros, 51% não frequentavam escola, e oriundos (66%) de famílias extremamente pobres. Esse recorte diz alguma coisa sobre o contexto da criminalidade no Brasil?

Angélica Goulart: Isso mesmo, é o que estamos conversando. E isso só se resolve com o quê? Com política, política pesada, presente nesses territórios. Eles são negros, eles são pobres, não frequentam escola, de famílias de baixa renda e eles são também de um território. Eles são de periferia. Então, investir no fortalecimento dessas políticas e, especialmente para essas regiões, é uma estratégia de fazer esse enfrentamento.

GGN: E como trabalhar a consciência da população? Porque as propostas atuais no Congresso são motivadas por pesquisas, a maioria defende a redução da maioridade penal, acreditam que isso resolveria parte do problema. Como trabalhar a consciência de que as crianças e adolescentes não são agentes, mas vítimas do crime?

Angélica Goulart: Você deve ter os dados dos índices de homicídios de adolescentes, são apavorantes. Morrem 26 adolescentes, por dia, no país. A morte violenta na população em geral é em torno de 5%, a causa morte, na adolescência está em quase 40%. Nós temos aí um verdadeiro extermínio, que precisa ser visto e reconhecido. Dói um pouco na gente esse olhar de querer uma resposta imediata e as duas saídas hoje são ou exterminar ou encarcerar, tirar esses jovens de circulação. Isso é muito perverso. Enquanto a gente deveria estar debruçado, mobilizado, encontrando alternativas para incluir esse jovem, para oferecer oportunidade para ele, e criar alternativas para que eles pudessem produzir um projeto de vida fora dessa situação.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A ABERRAÇÃO!

    A ABERRAÇÃO está na inversão dos valores morais, onde tem gente sem perceber que os políticos corruptos são muito pior que os menores assassinos e sanguinários, porque roubam o dinheiro de seus abrigos e escolas.

    Isso é o CÚMULO DA HIPOCRISIA! Querer acabar com a impunidade dos menores, e não se preocupar com a dos políticos, que continuarão com o direito de julgar uns aos outros, e manter sua impunidade.

    É uma vergonha o que tem de puxa saco e assessor de político na internet. Quem não quiser passar por esse vexame, e tirar essa mancha do nome do país; quando tiver protesto, peça em seus cartazes por:

    RECALL

    PEC 21/2015 JÁ

    https://www.facebook.com/democracia.direta.brasileira/photos/a.300951956707140.1073741826.300330306769305/303097703159232/?type=3&theater

    Veja o estudo abaixo sobre os menores infratores, que também acham que a lei precisa ser endurecida para eles, mas primeiro querem ver os políticos pagando por seus crimes. E tentem responder as perguntas deles:

    https://www.facebook.com/democracia.direta.brasileira/photos/a.300951956707140.1073741826.300330306769305/621059711363028/?type=3&theater

     

  2. Se aprovarem a redução da

    Se aprovarem a redução da maioridade penal essa senhora  e seus antecessores também são responsáveis, pois tratam de forma incapaz uma questão delicada e dificil que é a ressocialização de jovens infratores.

    Os fanáticos da direita e da esquerda tem filtros distorcidos que não permitem diagnosticar corretamente um problema, suas causas e consequências e metodos de solução.  Discutir se é pior encarcerar do que deixar solto para o mundo criar ou adotar políticas sociais…… (um momento, parei meia hora para rir) é discutir sexo dos anjos pois sempre tem prós e contras  Para se entender o problema é simples, substitua o por um semelhante sem as implicações morais envolvidas. Se um cano de água está danificado e jorrando água (ESSE É O PROBLEMA) O que deve ser feito primeiro?

    1) Reavaliar as  normas técnicas e processos das fábricas de canos para melhorar a qualidade futura e evitar desperdício de água por má fabricação.

    2) Avaliar se a instalação não foi feita adequadamente e os profissionais que instalaram reduziram a vida útil do cano, estabelecendo um programa de qualificação dos encanadores.

    3) Inspecionar se um acidente perfurou o cano, e reposicionar a passagem de pessoas e objetos para que não ocorra novamente;

    4) DESLIGAR O REGISTRO DO CANO DE ÁGUA PARA CESSAR O JORRO, QUE PODE ALAGAR O IMÓVEL E DANIFICAR TUDO MAIS QUE ESTIVER PELA FRENTE, CAUSANDO INCLUSIVE UM INCêNDIO POR CURTO CIRUITO ELÉTRICO.

    Então o que vocês fariam primeiro? As três primeiras soluções poderiam ser adotadas sem efetuar a quarta?

    Um criminoso capaz de atos violentos precisa ser parado imediatamente. Nenhuma vida inocente pode ser posta em risco até que ele receba pareceres de que está ressocializado para a sociedade. A ressocialização vem depois.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador