Socialismo ou barbárie, por Márcio Sotelo Felippe

 
Jornal GGN – No artigo a seguir, o promotor de São Paulo, Sotelo Felippe, avalia que vivemos um paradoxo das experiências sociais e políticas no mundo, onde sabemos que o uso da razão pode levar a emancipação da Humanidade. Porém as ideologias desenvolvidas ao longo dos séculos, especialmente, desde o iluminismo em suas várias correntes políticas, acabaram perdendo para outras propostas contra a socialização de direitos, distanciando o caminho tomado para a emancipação intelectual e social. 
 
“Ou bem mergulhamos na barbárie ou bem a luta social consegue resgatar o projeto iluminista que desde o século XVIII, passando por Marx, que viu no socialismo a razão emancipadora da humanidade, tem sido o motor da resistência à opressão”, destaca Felippe, apontando para a necessidade de se manter a resistência onde for possível, “em cada escola, em cada bairro, em cada fábrica”.
 
Justificando
 
Márcio Sotelo Felippe
 
Socialismo ou barbárie
 
O padrão na história das ideias é localizar o Iluminismo no século XVIII, na esteira das grandes descobertas científicas anteriores – Copérnico, Galileu, Newton, etc. A razão mostrara então o funcionamento real da natureza, superando o obscurantismo, superstições e crenças religiosas arraigadas há séculos. Não haveria por que não esperar que a razão bem sucedida para desvendar as leis da natureza não operasse na experiência social e política.
 
Kant dizia que Rousseau era o Newton da moral e que nada lhe causava mais admiração do que “o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”. Newton permitira ver as leis que determinavam o movimento harmonioso dos corpos celestes e Rousseau as leis morais que, não observadas mas residentes na razão, poderiam emancipar a humanidade e reproduzir nas sociedades a harmonia que se observava na natureza. Respondendo à pergunta “o que é o Iluminismo? ”, Kant dizia que era a libertação da menoridade a que o próprio homem se submetera. O homem seria livre quando submetido apenas à própria razão, escapando de qualquer tutela; razão implicava liberdade.
 
Não obstante uma vulgarizada interpretação de Kant o coloque como filósofo de um certo individualismo burguês, a moral kantiana significava um sujeito que devia construir juízos morais-racionais libertando-se da autoridade, da convencionalidade social, da religião. Um homem racional não mata porque isto é uma regra dos 10 mandamentos ou porque a lei impõe uma sanção. Ele não mata porque sua vontade livre não vê qualquer racionalidade em uma sociedade de assassinos e o leva a considerar a dignidade de cada ser humano.
 
O projeto iluminista, consistindo em emancipar a humanidade pela razão, é muito mais do que o movimento intelectual e filosófico localizado no século XVIII, de Voltaire, Rousseau, Diderot, Kant, Hume, etc. Ele avança para o século XIX com Hegel e depois com Marx. Se para Kant ou Rousseau a razão dispensava a História e era um processo estático do indivíduo atomizado, para Hegel aparecia em movimento, ao longo do processo histórico, inevitavelmente, regido pelas leis da dialética que desvendavam o movimento do ser na direção do Espírito Absoluto (a razão plena e final). A consciência humana superava contradições, teses e antíteses postas pela História   e a ideia a movia para forjar a matéria.
 
Marx é iluminista porque nele a razão igualmente emancipa a humanidade, mas invertendo Hegel. Não era a ideia que respondia pela matéria. Era a matéria que respondia pela ideia. A consciência estava determinada pela necessidade, pelas condições materias da existência, pelas forças produtivas, pelas relações entre produtor direto e proprietários. Em um ou outro caso sempre a razão que ao fim e ao cabo triunfa e instaura o reino da liberdade. Ao emancipar-se destruindo o capitalismo, pondo fim à opressão, à miséria e à exploração do homem pelo homem, o proletariado, como sujeito da História, emanciparia também toda a Humanidade.
 
II
 
Em Hegel o triunfo final da razão era inevitável. Mas na inversão feita por Marx as coisas não correram assim. O proletariado foi derrotado em 1848 e a tentativa de “tomar o céu de assalto” (na expressão de Marx) feita pela Comuna de Paris, o primeiro governo proletário, durou pouco.
 
As grandes cisões doutrinárias do marxismo passaram por essa questão ou giraram em torno dela: a inevitabilidade ou por qual modo o proletariado se emanciparia, como se daria o advento do socialismo. Lênin formulou uma resposta, muito bem-sucedida no primeiro momento porque conduziu à tomada do poder pelos bolcheviques: espontaneamente o proletariado não conseguiria escapar do economicismo e das lutas localizadas e não daria o salto dialético da razão emancipadora, a revolução. Era preciso uma vanguarda, disciplinada e coesa, que o conduzisse e lhe desse direção política, filosófica e intelectual: o partido.
 
Em 1915 uma desolada e brilhante Rosa Luxemburgo escreveu na cadeia um pequeno texto que tornou célebre a disjuntiva “socialismo ou barbárie”. O sujeito dialético da História, o proletariado, que ao emancipar-se emanciparia a humanidade, aderira, em vez disso, ao nacionalismo burguês apoiando a mais insana das guerras e se trucidava reciprocamente no campo de batalha. O Partido Social-Democrata alemão, o maior partido marxista do mundo, liderança do movimento operário, votara no Parlamento a favor dos créditos de guerra. Menos de um depois de iniciada a I Guerra, o entusiasmo das massas já cedera diante da visão dantesca dos campos de batalha e dizia Rosa Luxemburgo no artigo:
 
“Pisada, desonrada, patinando no sangue, coberta de imundície: eis como se apresenta a sociedade burguesa, eis o que ela é. Não é quando alimentada e decente, ela se traveste de cultura e filosofia, de moral e ordem, de paz e de direito, mas quando ela se assemelha a uma besta selvagem, quando ela dança o sabá da anarquia, quando ela sopra a peste sobre a civilização e a humanidade que ela se mostra cruamente como é na realidade.
 
“E no âmago deste sabá de feiticeira produziu-se uma catástrofe de alcance mundial: a capitulação da social-democracia internacional. Seria para o proletariado o cúmulo da loucura alimentar ilusões quanto a isto ou encobrir esta catástrofe: é o pior que pode lhe acontecer.
 
“Na guerra mundial atual o proletariado caiu mais baixo que nunca. Isto é uma desgraça para toda a humanidade. Mas seria o fim do socialismo apenas se o proletariado internacional se recusasse a avaliar a profundidade de sua queda e a tirar os ensinamentos que ela traz”
 
O artigo, a rigor, alterna afirmações que ainda trazem o traço da vitória final e necessária do proletariado e de como alcançá-la, com outras que admitem que a barbárie é uma alternativa real ao socialismo. Com a expressão “socialismo ou barbárie” Rosa Luxemburgo remete o seu leitor a um texto de Engels, 40 anos antes, que afirmava que a sociedade burguesa se via diante do dilema do avanço para o socialismo ou “recaída na barbárie”. E pergunta ela: “mas o que significa recaída na barbárie no grau de civilização que conhecemos hoje na Europa? ”:
 
“Nós estamos colocados hoje diante desta escolha: ou bem o triunfo do imperialismo e a decadência de toda civilização tendo como consequências, como na Roma antiga, o despovoamento, a desolação, a degenerescência, um grande cemitério; ou bem vitória do socialismo, ou seja, da luta consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e contra o seu método de ação: a guerra. Eis aí o dilema da história do mundo, sua alternativa de ferro, sua balança no ponto de equilíbrio esperando a decisão do proletariado consciente”.
 
III
 
O artigo de Rosa Luxemburgo completou 100 anos. Decorrido esse tempo, a questão sobre ser possível a barbárie, sobre ser possível a derrota do projeto iluminista da razão, sobre ser possível a derrocada do processo civilizatório conduzindo a um mundo semelhante ao que se seguiu à queda da Roma antiga, persiste. Então, uma ensandecida guerra entre bandos imperialistas. Hoje, a hegemonia de uma lumpemburguesia ensandecida, degenerada, selvagem.
 
Marx usou a expressão lúmpen (que significa mais ou menos “trapo desprezível” em alemão) para designar a categoria de desenraizados que foi a massa social de apoio de Luís Bonaparte (o sobrinho de Napoleão que fez a história se repetir como farsa): libertinos decadentes, filhos arruinados da burguesia, gatunos, trapaceiros, desqualificados, etc. Mas também utilizou a expressão posteriormente para designar a aristocracia financeira parasita. O lúmpen tanto podia ser burguês quanto a escória da parte inferior da pirâmide social.
 
O economista marxista argentino Jorge Bernstein identifica a classe dominante global hoje como lumpemburguesia porque se funda no parasitismo financista. A financeirização do capitalismo é a base da degeneração que vivemos e é uma ameaça de retrocesso civilizatório. Derivados financeiros representam cerca de 20 vezes o Produto Bruto Global. Isto é, prossegue, parte de um processo mais amplo de parasitismo do sistema capitalista mundial, que também inclui “a hipertrofia militar, a narco-economia, o consumo conspícuo das elites globais”.
 
Assim, conclui, o núcleo central dominante transformou-se em casta parasita e “nesse sentido é possível estabelecer paralelos com outros declínios civilizatórios, como por exemplo o do Império Romano, a fase superior e final da chamada civilização greco-romana”.[i]
 
Na Argentina a lumpemburguesia representada por Macri preda e destrói. Cada grupo dominante saqueia despreocupado com o futuro. No Brasil o lumpesinato burguês de Temer em poucos e ensandecidos meses forja uma brutal transferência de renda para o parasitismo financeiro, deslocando recursos que são essenciais para uma população em grande parte miserável, com precário acesso a bens sociais como saúde e educação.
 
Mas tal degeneração, local e global, não pode prescindir de uma base social construída a partir de uma tremenda ofensiva ideológica. Ela faz a consciência das massas olhar para o lado errado, tal qual um prestidigitador que opera o truque com uma mão induzindo a plateia a olhar para a outra mão.
 
O inimigo não é quem preda a riqueza mundial e causa a sua insegurança social e econômica, mas, no ressentimento explorado por essa ofensiva ideológica, o imigrante, o que está mais abaixo na escala social, os negros beneficiados por políticas afirmativas. Xenofobia, individualismo, racismo, crença irracional na meritocracia, ausência de qualquer traço de solidariedade social elegeram Trump. Parece uma piada pronta da história que Trump se pronuncie como tramp, vagabundo. A alternativa, Hillary Clinton, admitia em correspondências privadas não ter qualquer escrúpulo em cometer crimes contra a humanidade matando milhares de sírios ou palestinos
 
A encruzilhada de que falava Rosa Luxemburgo está, pois, ainda tragicamente posta. Ou bem mergulhamos na barbárie ou bem a luta social consegue resgatar o projeto iluminista que desde o século XVIII, passando por Marx, que viu no socialismo a razão emancipadora da humanidade, tem sido o motor da resistência à opressão, à miséria, à exploração do homem pelo homem, à concentração e acumulação de bens por 1% da população, largando à própria sorte 99%, grande parte mergulhada em indizível miséria e odiando-se entre si.
 
Há um enorme potencial de resistência e ela é como o caminho que, dizia o poeta, se faz ao caminhar. Mas a barbárie avança e ela tarda. Resistir em cada escola, em cada universidade, em cada fábrica, em cada bairro, construir laços de solidariedade social, resistir denunciando as farsas ideológicas que conduzem explorados a odiar explorados.
 
É resistência ou barbárie.
 
Márcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.
 
 
[i] http://outraspalavras.net/destaques/como-nos-tempos-do-declinio-de-roma/
 
Leia mais. 
Redação

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Havemos de lutar
    Prezado Procurador. No artigo que aqui transcrevo, pensei exatamente num modo de combate ao desmonte institucional, forte no Brasil, mas igualmente corrente em todo mundo. É, mais do que um Projeto, uma proposta de Projeto.
    UM PROJETO PARA CIDADANIA

    I – INTRODUÇÃO

    O Brasil vive, neste ano de 2016, um dos piores momentos de sua história. Temos um inimigo da nacionalidade no governo, como já ocorreu no Brasil Colônia e nos primeiros momentos do golpe de 1964. Mas há uma diferença. Em ambos os casos citados, o inimigo da nação brasileira era perfeitamente visível e identificado.
    Mas no Império, como hoje, o colonizador se oculta nos próprios poderes constituídos. O Brasil Império foi uma colônia inglesa. Entramos numa guerra, onde além da vida de brasileiros perdemos bens e dinheiro, que nada tinha a ver com os interesses nacionais, mas com os interesses geopolíticos do Império Britânico: a guerra do Paraguai. E pior, nos ensinam nos livros de história a enaltecer as pessoas que melhor serviram aos interesses ingleses. Agora temos, e é bom frisar, em todos os três poderes, um projeto de alienação da soberania e dos interesses do povo brasileiro. E querem nos impingir que se luta contra a corrupção e pela nossa economia saudável.
    Por que, então, não vemos o país em armas, nas ruas, a exigir governantes comprometidos com o Brasil?
    Não é resposta fácil, mas arriscarei um diagnóstico e colocarei uma ideia em discussão. Acompanho e de algum modo participo de grupos de pessoas que, honesta e denodadamente, buscam um Projeto para o País. Colaboro, mas fico também com a ideia de que, por melhor e mais amadurecido que ele seja, logo será destruído pela força dos interesses estrangeiros e pela hipocrisia e egoísmo, até pela ignorância, de boa parte da chamada elite brasileira. Penso que não se desenvolveu em toda nossa história, embora tenhamos obtido em poucos momentos governantes nacionalistas, um projeto de cidadania. E, só a partir dele, construir as instituições brasileiras; instituições que corresponderão a nosso estágio civilizatório e ao “modo brasileiro” de se governar, seja ele qual for e não necessariamente copiado de ideologias e modelos estrangeiros. Adiante tentarei explicitar meu entendimento sobre esta palavra: cidadania.
    O mundo ocidental será meu limite territorial. Sempre que universalizar um conceito ou um exemplo, estarei me referindo apenas à Europa e aos continentes colonizados por europeus, da forma mais intensa e desconstrutora das culturas nativas, quando não exterminadas num processo genocida: Américas e África. Por desconhecimento, terei que excluir a Ásia, onde as culturas confucionista e budista conformam uma ideologia que não sei interpretar, além de não conhecer, senão superficialmente, sua história.
    Há uma frase que me marcou: os direitos sociais não cruzam fronteiras. O mesmo poderia dizer em relação à cidadania. Desculpem-me os marxistas, mas as algemas aferroam diferentemente, conforme as culturas, os proletários ao redor do mundo. De comum terão sempre a ausência da cidadania, mas esta se formará também diferentemente, não pode ser globalizada, conforme as dimensões cuja exposição é um dos objetos deste trabalho.
    Mesmo voltado para meu País, é indispensável ter uma visão do mundo que nos cerca. Nestas últimas décadas, especialmente a partir da queda do Muro de Berlim, o capitalismo financeiro vem dominando não só a economia mas a política e mesmo o pensamento acadêmico. Tanto que, como num passe de mágica, a crítica ao capitalismo foi considerada ultrapassada e redutora da teorização intelectual. Só a recente realidade do declínio da produção, do desemprego, da recessão interminável e das manifestações políticas e sociais, como a onda migratória que corre continentes, trouxe de volta a reflexão crítica. Na sociedade cuja riqueza é seguidamente concentrada e em ritmo crescente e os primeiros excluídos são as denominadas minorias, as questões de raça, de gênero e de cultura voltaram a se instalar na análise da sociedade como um todo, ou seja, nas dimensões econômicas, psicossociais e políticas. E disto a questão da cidadania também trata.
    Concluindo esta Introdução, embora tenha o Brasil, suas culturas, seus pensadores, seu povo como objetivo, não me furtarei a usar o que já se produziu no exterior a este respeito, com a restrição que o conservador espanhol Ortega y Gasset recomendava em seu livro Missão da Universidade: busque-se no estrangeiro exemplos, nunca modelos.

    II – ENTENDIMENTO DE CIDADANIA

    A ideia de cidadania começa na Grécia antiga, como muitos conceitos em nosso mundo ocidental. O cidadão é um membro da “polis”, mas não o são todos os membros. Ele, simultaneamente, governa e é governado. Aristóteles apresenta os requisitos: é um indivíduo do sexo masculino, de ascendência conhecida, guerreiro, patriarca, usuário do trabalho de outros (mulheres e escravos) e de tudo que faz parte da sua casa.
    É, realmente, muito interessante verificar que até hoje, transcorridos mais de dois mil anos, este conceito ainda guarda abrigo na manifestação quase instintiva das pessoas. Na verdade, a cidadania do homem armado, que manda e obedece, foi, ao longo da história, ganhando, paulatinamente, cada vez maior extensão, sendo hoje de todas as pessoas que residem numa “polis”, também ampliada para a noção de estado.
    Por isso, na Introdução, disse que o conceito de cidadania não se aplica hoje, com as restrições econômicas, psicossociais e políticas, a toda espécie humana, o que não significa que não poderá ocorrer amanhã. A cidadania tem fronteiras, como no verso sobre o passaporte de Maiakovsky, em 1929: “Eu sou cidadão da União Soviética”.
    Cinco séculos após Aristóteles, os jurisconsultos romanos Gaio e Ulpiano dão ao cidadão uma entidade jurídica, não era mais uma pessoa que agia sobre outras, mas a pessoa que agia sobre as coisas, introduzindo na cidadania o conceito de propriedade. Cidadão é possuidor de coisas, ele não o é em abstrato. Ele é livre para pedir e obter o apoio da lei de uma comunidade. Quando atua ele é um cidadão. Logo, esta condição se estende por todo Império Romano. Mas observemos aqui a limitação espacial. Um celta, um bretão só seria cidadão se estivesse, livre, habitando com seus bens dentro dos limites do poder romano. Paulo, apóstolo de Cristo, era natural da Cilícia, hoje Turquia, filho de pais judeus, mas ao ser preso exigiu julgamento por seus pares, por ser cidadão romano, e foi conduzido a Roma.
    Observemos que hoje, não aceitando submeter o cidadão norteamericano a cortes internacionais, os Estados Unidos da América se auto refere como a Roma imperial.
    O advento do direito deslocou o cidadão de um universo político – da “polis” grega – para o do “civis”, do “burgo”, ou das leis. Do mundo de interações puramente pessoais passa-se a viver o mundo dos atos, das coisas, o cidadão é agora um súdito da lei.
    Entra então uma nova variável, o cidadão será o elaborador dos seus constrangimentos e defensor de seus bens e dos seus direitos: o elaborador das leis. O materialismo não é uma criação marxista, mas do direito romano.
    Mas a distinção do real, de “res” (coisa), sobre o pessoal, que torna agora o cidadão um agente, introduz igualmente a possibilidade das ações particulares e das ações sociais ou públicas. A cidadania continua como uma busca de exercício de direitos. O acatamento à soberania (das leis ou do Estado ou do soberano) vai passar também a ter mais de um sentido. E a cidadania vai se afastando da individualidade e criando uma supracidadania que irá defendê-la, o Estado.
    E o que se dirá, quando pelo século XV e XVI, o comércio passar a ser um elemento de substantiva importância entre Estados, entre leis que definem cidadanias. A quem se dará a posse das armas? O homem cidadão medieval ainda é um homem armado, como na “polis” e mesmo na “urbes”, ateniense ou romano, mas estamos agora na dimensão das várias cidadanias. E, adicionalmente, mas de extraordinária importância, enriquecida com os ensinamentos de uma religião de igualdade, de amor ao próximo, de reivindicações que fogem das relações apenas com as coisas, espalhada por todo mundo europeu das ações.
    E na continuidade desta cidadania surge então outra distinção: os puros e os impuros, os fiéis e os infiéis num mesmo burgo, dentro dos mesmos limites espaciais. Este debate continuará, travestido de novas ideologias – raciais, sociais, religiosas – com denominações de judeus, comunistas, terroristas islâmicos, bolivarianos, até nossos dias.
    Mas podemos concluir, para o entendimento destas reflexões, que o cidadão é todo aquele que tenha nascido ou resida, com intenção permanente, num espaço denominado Estado e seja, por este Estado, assim considerado. O cidadão, como no poema de Maiakovsky, será israelita ou sueco ou boliviano ou britânico e, o que é nosso único interesse, brasileiro, conforme a instituição supracidadã, o Estado, por lei dos seus cidadãos, assim o considere.
    Vamos discorrer a partir de agora a respeito da formação da cidadania. A cidadania é única, indivisível, mas didaticamente distinguimos três expressões ou dimensões em sua formação: a econômica, a psicossocial e a política.

    III – EXPRESSÃO ECONÔMICA NA CIDADANIA

    Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, relata evento de sua infância, quando residia na capital de Bengladesh. Um diarista muçulmano foi assassinado por ter procurado trabalho na comunidade de indus, que sua família miserável chamava zona hostil e sua esposa pedira que evitasse. Mas sua pobreza extrema o obrigava a buscar recursos com o risco da própria vida.
    Confunde-se, frequentemente e talvez até intencionalmente, a renda per capita com a qualidade e a autonomia de vida. É a consequência do modelo consumista e perdulário, hoje também chamado não sustentável, que foi desenvolvido e exportado pelos Estados Unidos da América (EUA). Há um muito expressivo cartaz, próximo ao aeroporto de Havana, onde se lê, mais ou menos, esta frase: esta noite milhões de crianças dormirão com fome, nenhuma é cubana.
    Busca-se, na expressão econômica da cidadania, garantir que todos habitantes do burgo contemporâneo, do Estado Brasileiro, não sofrerão humilhação, maus tratos, ou emprego em condições semelhantes a de escravo, por insuficiência econômica. A todos será garantido o mínimo necessário para sua sobrevivência e dos que vivem sob sua dependência, pela idade ou por qualquer tipo de incapacidade.
    Recordemos um princípio básico da cidadania, que vem desde a antiguidade clássica, o da participação. Mas esta participação nunca poderá ser desigual numa sociedade que se quer democrática; é imperiosa a paridade da participação. Um primeiro passo desta paridade é a liberdade econômica, a possibilidade de existir sem constrangimento de seus “pares cidadãos”. Paridade, e disto trataremos também nas outras expressões, é ser um par, ser um igual em vida, em gênero, em raça, em direitos políticos e de expressão. Paridade aqui tem o conteúdo econômico.
    Existe em todo mundo experiências e discussões em torno da renda mínima. Nem é uma ideia contemporânea. Thomas Morus, humanista e homem de Estado, símbolo de dignidade do período renascentista; Nicolas de Condorcet, marquês, matemático, filósofo, ideólogo da Revolução Francesa; John Stuart Mill, Bertrand Russell e tantos outros pensadores, que se interessaram sobre a questão do homem, sugeriram algum tipo econômico de garantia de vida, proporcionado pelo Estado a seus cidadãos. Mais recentemente, neste século, partidos políticos, movimentos sociais, os próprios governantes, em certos momentos, apresentaram projetos e propostas neste sentido, como na Alemanha (renda básica), na Espanha (renda mínima incondicional), na Finlândia (rendimento básico para segurança social), em Portugal (imposto negativo universal) e até nos EUA, com Milton Friedman, monetarista e privatista, que defende (Capitalismo e Liberdade) um tipo de renda de sobrevivência aos cidadãos, sempre dentro de seus países. Há, inclusive, um movimento privado, na Bélgica, de renda mínima por questões de segurança, para uma pequena comunidade flamenga, que o desastre neoliberal certamente demolirá, se, quando escrevo estas reflexões, já não o fez.
    No Brasil, a Plataforma de Bolsa Família tem, entre suas quatro situações de ingresso, dispor o beneficiário de renda familiar, por pessoa, no valor até R$ 77,00 ou, havendo menores, até R$ 154,00. Esta plataforma se comunica com o sistema educacional e com o programa habitacional para população de baixa renda. Ao lado desta Plataforma, há um programa de emprego e outro sistema que completa a garantia de paridade participativa, da liberdade cidadã: o Sistema Único de Saúde (SUS).
    Estes projetos brasileiros são um excelente exemplo de construção da cidadania sob a expressão econômica, onde estão asseguradas a condição mínima de sobrevivência e da manutenção da saúde.
    Como é óbvio, apenas o Estado pode e deve ser responsável pelo programa, sendo a sociedade civil, através de suas organizações, um fiscal de sua execução.
    Sem dúvida que perspectivas neoliberais, que nunca se interessam pelos cidadãos de carne e osso, mas por uma ficção de consumista e investidor, reagem a esta obrigação da sociedade; nem tão moderna, como já vimos, mas indispensável ao humanismo do século XXI. A filósofa norteamericana Nancy Fraser (A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação, 2002) coloca a distribuição de recursos materiais como condição objetiva para a paridade de participação, ou seja, para a construção do ser cidadão. Reconhece Fraser a disparidade do meio como um empecilho à paridade, mas é o desafio que os Estados, em sua necessária ação pela cidadania, devem investigar e encontrar soluções.
    Entendo que colocar qualquer empecilho a estes projetos representa uma declaração de guerra aos habitantes do País, uma atuação verdadeiramente hostil à própria dignidade humana e a construção de uma pátria soberana.

    IV – EXPRESSÃO PSICOSSOCIAL NA CIDADANIA

    A dimensão psicossocial da cidadania, também denominada condição intersubjetiva, é das mais complexas expressões da cidadania, pois envolve padrões de valores culturais e percepções subjetivas distintas. É a que tem maior riqueza de tratamentos e mais volumosa bibliografia. Faremos alguma redução para estas reflexões.
    Inicialmente uma ressalva, como coloca Nancy Fraser para o que denomina paridade participativa ou formação cidadã; nem a condição objetiva, a expressão econômica, nem a intersubjetiva, a expressão psicossocial, são, sozinhas ou isoladamente, suficientes. Também não o será a expressão política. O Projeto Cidadão é uma articulação das três dimensões, simultaneamente.
    Muito do que se tem nesta expressão aparece sobre o conceito de reconhecimento. O reconhecimento pode ser considerado uma solução para a injustiça social, como no exemplo do apartheid da África do Sul, a cidadania universal “não racial”, ou do Estado Plurinacional da Bolívia. Mas esta ideia também traz o entendimento de distinção. E temos então um complicador para crucial questão das diferenças. Se de um lado é necessário que categorizemos as culturas, os gêneros, as raças para que, igualmente, paritariamente, atuem como cidadãos, não o podemos fazer sem que as identifiquemos e, assim, aplicaremos uma distinção. Nancy Fraser fala de uma esquizofrenia filosófica, ainda mais que estará implícito, no reconhecimento, questões de justiça e de ética. Situações ideais encontram nesta sutilíssima formação cidadã empecilhos, fruto das próprias auto referências e internalizações culturais.
    Geralmente, e o Brasil já teve esta experiência, criam-se esferas administrativas específicas para tratamento de questões de raça e de gênero. É sempre um avanço, mas insuficiente para as condições operacionais de um Estado. Há na literatura dois marcos significativos: Pierre Bourdieu, francês, e Jessé Souza, brasileiro. Transcrevo de Jessé Souza, sobre capital cultural (Pierre Bourdieu: pensador da periferia?, 2007): “ são esses capitais passados de pai para filho que são tornados invisíveis na ideologia do “mérito individual”, como se o mesmo fosse uma “conquista individual” e não uma construção social por meio da classe social transmitida afetivamente pelo convívio familiar”.
    E, entramos assim, numa outra complexa questão da pedagogia para cidadania. Não se trata tão somente de uma formação intelectual, da transmissão de um conhecimento e da busca ou pesquisa de soluções científicas e tecnológicas, menos ainda de um adestramento operacional. Cuida-se da integral formação dos brasileiros para o exercício consciente e moral da cidadania.
    É relevante verificar que forças antinacionais, com pretextos ridículos de ideologização, como se não o fosse qualquer pensamento religioso, querem excluir a noção crítica, indispensável na formação da cidadania. Caso contrário estaríamos formando uma legião de robôs, não de cidadãos.
    O tratamento cultural é, igualmente, amplo e fundamento de uma atitude valorativa da nacionalidade. Acusa-se o complexo de viralata dos brasileiros, mas num processo didático, onde se valoriza o bem estrangeiro e desvaloriza o nacional, este é uma consequência inevitável. Veja-se que não se está criando com esta ênfase cultural qualquer xenofobia. Recordemos que a França, em diversas e recentes decisões, legislou em favor da língua e da cultura francesa, orgulho de seus nacionais.
    Cuidemos, agora, de questões mais personalizadas da expressão psicossocial. Ao optar por programas ou projetos que, claramente, são opostos à construção da cidadania, à liberdade do século XXI, escolhendo o chamado “voto conservador”, esta pessoa, na verdade, está fugindo da liberdade, do individualismo responsável. E nesta fuga, evitando autoflagelar-se, apresentará as desculpas da “sociedade permissiva”, da “escola partidária”, do ridículo “que sempre foi assim”, quando não de uma pretensa e inexistente isenção.
    A cidadania não é unicamente um bônus, ela acarreta o ônus participativo. Não se pode exigir, muito menos considerar que, mesmo num exitoso projeto de cidadania, todos sejam entusiastas participantes. Haverá sempre os que, pela própria distinção (Pierre Bourdieu) da formação mais íntima, por acatamento a ideologias, por mecanismos da psicologia social pouco inteligíveis, ou quaisquer motivos se insurgirão em enfrentar as opções, as escolhas da cidadania. Isto deve e certamente será tratado dentro da normalidade estatística e a expressão política mostrará a significância da dissidência. Na medida que ela for expressiva, as próprias normas sociais estarão sendo revistas, conforme esta representatividade. Cidadania não é um fim, é um processo, e creio que, em seu entendimento, isto deve ter ficado claro.
    Ao fim, duas questões desafios. Encontrar uma orientação coerente e inclusiva que integre redistribuição (economia) e reconhecimento (psicossocial). E desenvolver uma estrutura operacional permeável e transparente, que se refaça na evolução do Projeto e não se cristalize na arrogância decisória.

    V – EXPRESSÃO POLÍTICA NA CIDADANIA

    A primeira e fundamental questão é a expressão do cidadão. Isto significa que o modelo de comunicação nunca poderá estar em mãos privadas oligopolistas ou, pior ainda, monopolistas. Ainda mais, o sistema de comunicação de massa não deve ser de empresas privadas, mas de fundações sem fins lucrativos, empresas públicas ou de controle comunitário, mas sempre nos limites da comunidade que o gerencia. Em outras e resumidas palavras, um sistema Globo de Comunicação é totalmente oposto à formação da cidadania.
    Vejamos o que significa, nos EUA, o domínio de um sistema privado, comercial de comunicação de massa. Nos anos 1940 e seguintes, os EUA lutaram contra o Japão, a Coreia e o Vietnam. Nos filmes, histórias em quadrinhos e até romances que eram lá difundidos e até exportados, vendia-se a imagem dos orientais traidores, vis, sempre atacando covardemente os demais. Hoje, identicamente, aparecem os árabes, de turbantes, como os personagens do mal, os terroristas.
    Creio que uma das variáveis que conduziu Donald Trump à vitória foi o mito, muito difundido e mantido pela comunicação de massa, do herói, do mocinho que luta, de peito aberto, sem concessões, contra os bandidos e, sempre, vence. Toda filmografia do western está calcada neste herói, que é o exemplo da infância e o desejo do adulto. Aqui no Brasil, parte expressiva de toda população acredita que apenas um messias poderá salvar o Brasil, o que vem da Colônia e é reproduzida pela mídia, gerando Jânio Quadros, Fernando Collor e, mesmo, Lula.
    O modelo de comunicação de massa para expressão política na cidadania deverá ser estudado e não é de simples definição: deve atender às condições regionais, comunitárias, a segurança nacional, a representatividade cultural e de minorias, e muitas outras questões, mas, em hipótese alguma, deverá ser privado e empresarial. Enquanto uma cooperativa de jornalistas e colaboradores, o jornal francês Le Monde foi um exemplo e referência para divulgação e análise das notícias. O neoliberalismo o destruiu.
    Coloquei a comunicação de massa também no universo da defesa nacional e, ainda que não esteja sob sua única tutela, esta atividade do Estado deve participar do modelo e da supervisão da sua execução.
    Outra questão da política na formação cidadã diz respeito à participação mais intensa nas decisões cotidianas. Dou um exemplo, já existente, e que deveria ser muito mais ampliado: os tribunais de júri. Não apenas para os crimes dolosos contra a vida nem apenas na área penal, mas em todas as áreas de julgamento judiciário. Vem-me a mente questões de separação de cônjuges, envolvendo filhos menores, não poucas vezes sujeitos a preconceitos religiosos ou de gênero ou de qualquer outra origem por juízes em todas as instâncias. Sem dúvida que um tribunal composto por pessoas da comunidade estará muito mais sensibilizado para entender, por exemplo, uma ação psicopata ou de interêsse econômico de uma parte. Ressalvemos que nesta situação, por envolver intimidades, assim como em outras causas que exponham questões de foro íntimo ou deficiências pessoais, o sigilo deve ser sempre recomendável. E esta participação vai auxiliar na própria formação cidadã.
    A participação em processos políticos eleitorais não se qualifica como paridade participativa nas condições atuais. Mas não bastam controles financeiros, listas partidárias, o processo de tomada de decisão é, quase totalmente, marginalizador. A divisão territorial e a autonomia política parecem-me interligadas para efetividade participativa. Novos conceitos federativos, novas formas de distribuição de núcleos decisórios, novas atribuições de responsabilidade são necessárias para que os cidadãos não só participem, mas sintam e identifiquem as consequências de suas ações. A informática abre espaço para consultas mais frequentes e mais amplas à população, democratizando as decisões do Estado. É necessário que se a aproveite.

    V – CONCLUSÃO

    Vivemos cercados de mitos. Eles já nos chegam desde o nascimento, sob a forma de sensações, e nos acompanham na vida adulta sob a forma de preconceitos. Na formação da cidadania nós não os eliminamos, mas ganhamos consciência deles. E, assim, somos capazes de administrá-los. Quanto mais profunda e internalizadamente tenhamos o valor da cidadania, mais capazes seremos de agir livremente.
    A cidadania não é apenas um valor político e social, é também um fator libertador, um elemento para nossa própria independência. A obra do filósofo canadense Charles Taylor trata de diversos aspectos desta consciência libertária e das consequências para a vida psíquica e intelectual das pessoas.
    É inegável que vários instrumentos para a cidadania foram implantados no Brasil, principalmente nos governos pós 2003. Alguns foram ampliações e modernizações de recursos já existente, como o Bolsa Família, outros foram reforçados, como a rede pública de comunicação, com a TV Brasil, houve descentralizações importantes para a ampliação de redes de atendimento, o ensino foi priorizado, mas faltou uma gestão geral, coordenadora de toda ação pela cidadania que a explicasse e divulgasse sua importância. Procuram as forças anti cidadãs confundir cidadania com ideologia. Como também procuram ver as disfunções do estatismo como restritivas para a ação do Estado. No entanto não há, fora do Estado, quem possa promover todas as ações pela cidadania.
    Coloca-se, hoje, a questão da corrupção, ora sob ótica moral ora ética, como questão central do País. Nada mais falso e pernicioso. Sempre foram as elites, apropriando-se do trabalho escravo, da miséria e da ignorância do povo, as mais corruptas forças no Brasil. E tem sido elas as aliadas nacionais dos golpes contra o Brasil.
    Também foram estes últimos governos que deram ênfase para medidas de transparência das ações públicas, principalmente do Poder Judiciário, e que causaram forte reação desta elite.
    Mas o discurso e a ausência de comunicação de massa, verdadeiramente cidadã e de interesse nacional, levou ao retrocesso do golpe de maio de 2016. Foi, como ocorreu em diversas outras épocas de nossa história, o interesse estrangeiro prevalecente sobre o nacional, a hipocrisia das elites e a desinformação pelos veículos de comunicação de massa, que aplicaram mais um golpe no permanente projeto de soberania nacional. E é este esforço pela construção cidadã que, penso eu, cada vez que for mais aprofundadamente implantado, que ganhar os corações, mentes e direitos de nossa gente, dificultará a aplicação dos próximos golpes.
    Vivemos também no mundo e no Brasil uma crise das instituições, que entendo ser consequência do domínio neoliberal. Mas a reforma ou reconstrução institucional deve estar associada à participação cidadã. Não sendo assim ela continuará frágil e suscetível aos golpes, como os presenciados no Brasil.
    A cidadania é um processo e tem o dinamismo que o estágio civilizatório permite. Temos que entender este fato para não nos apegarmos a modelos que, tendo sido exitosos num momento ou estágio civilizatório, não mais atendam ou encontrem as necessárias respostas para a nova situação. Recordemos a lição de Karl Polanyi (A Grande Transformação, 1944), ao discorrer sobre as crises do capitalismo que não são somente um abalo na economia, mas atingem as pessoas, no desfazimento da solidariedade, as comunidades, que se desintegram, e a própria natureza, que se degrada. Temos vivido o aguçamento dessa crise com o financismo, o “mercado desenraizado”, que traz em seu bojo a falta de ética e de moral, e um duplo movimento, além da economia não regulada, a proteção social reprimida e a ameaça política. Mais do que nunca, a consciência cidadã surge como possibilidade de impedir que este cenário conduza à guerra ou ao fascismo.
    Finalizando com o mestre Darcy Ribeiro: cada etapa evolutiva é “uma constelação particular de certos conteúdos do seu modo de adaptação à natureza, de certos atributos de sua organização social e de certas qualidades de sua visão do mundo”.
    Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado (novembro/2016)

  2. Este lema: Socialismo ou Barbárie é a maior furada.

    Escrevi há algum tempo, eles já escolheram a BARBÁRIE.

    Este lema que coloca a inevitabilidade do socialismo para evitar a Barbárie é a maior furada para os países oprimidos, não é por acaso que dentre todas as ditaduras da Ásia e da África, o primeiro mundo sempre escolheu reduzir ao pó o Iraque e a Líbia, simplesmente porque além de viverem em regime ditatorais eram países que tinham um alto IDH, no caso da Líbia o primeiro da África.

    O novo imperialismo sabe matematicamente que se todo o mundo começar a comer três refeições por dia, tiverem um ensino no mínimo razoável, viver numa casa com água e rede de esgoto e ainda irem para o trabalho de transporte público de bom nível o custo dos produtos primários irão as alturas e isto trará pobreza a regiões onde o desperdício é a regra (USA) ou em regiões superpovoadas como a Europa.

    Esqueçam de falar isto, pois uma consigna como esta comove somente dez por cento da população do primeiro mundo o resto querem garantir a sua abastância, a solidariedade proletária foi um sonho acalantado por alguns partidos comunista do pós guerra, agora no máximo que eles querem é salvar a fauna exótica, para que possam visitar de tempos em tempos em fantásticos safaris.

  3. ” ausência de qualquer traço

    ” ausência de qualquer traço de solidariedade social elegeram Trump” e “no ressentimento explorado por essa ofensiva ideológica, o imigrante, o que está mais abaixo na escala social” – isto chama-se “redirected aggression” na primatologia. Em sapiens, isto é muito frequentemente usado por psicopatas e narcisistas em geral.

    Será que o capitalismo financeiro e consumista tem alguma coisa a ver com estimular e recompensar traços de personalidade narcísicos e típicos de psicopatas?  hummm, questão difícil… sinto alguns neurônios morrendo enquanto tento achar a resposta…

  4. Socialismo ou barbárie

    Procurador

    Seu artigo cita a história, cita grandes autores, filósofos da humanidade,mas na minha opinião incorre no erro que e esquerda sempre comete. Fala para as pessoas com um nível de cultura acima da média e politizada.O povo não o entende. E os partidos de esquerda cometem este mesmo erro.Não falam para o povo.O povo infelizmente não sabe diferenciar o que é comunismo, do socialismo e do capitalismo. Não sabe o que é burgues.Eu sempre defendi que nos Núcleos do PT deveríamos dar um curso simples sobre a formação da esquerda no mundo,a formação dos partidos no Brasil, e a formação do PT. Consegui fazer isto. só tive 20 alunos. Mas se todos os Núcleos fizessem o mesmo, hoje o Brasil teria um nível melhor de politização e o povo saberia se defender melhor dos problemas que surgissem.Infelizmente isto não aconteceu.

  5. NOVOS TEMPOS SEM OS VELHOS EQUÍVOCOS

    O ensaio acima enseja uma ótima possibilidade de evidenciar os graves equívocos repetidos pelos arautos do radicalismo. E a controvérsia levantada é muito tempestiva, pois permite demonstrar com clareza os motivos pelos quais a questão da atualidade não é Socialismo ou Barbárie, mas sim Democracia ou Barbárie.

    De saída, salta à vista o equívoco maior que é a pretensão de utilizar como paradigma conceitos e concepções teóricas extraídas de contextos históricos diferenciados.

    O tão alentado slogan Socialismo ou Barbárie, eternizado pelo brilhantismo intelectual de Rosa Luxemburgo, é a expressão emblemática das lutas do proletariado europeu no final do século XIX e no início do século XX.

    A admirável militante revolucionária polonesa, nascida em 1871, desenvolveu sua formação acadêmica na Suíça, defendeu tese de Doutorado sobre desenvolvimento industrial da Polônia, fundou e liderou organizações revolucionárias em seu país e também na Alemanha, e viveu uma era de violência política e conflitos sangrentos.

    Ao par de toda a merecida reverência por sua obra e por sua dedicação às lutas contra a opressão e às nobres causas revolucionárias do proletariado, Rosa Luxemburgo deve ser compreendida na dimensão das circunstâncias históricas de sua existência.

    O contexto histórico e os fatores culturais e políticos condicionantes presentes no Brasil nesta segunda década do século XXI são imensamente distintos da realidade observada na Europa em 1915, quando Rosa Luxemburgo escreveu seu célebre texto intitulado A Crise da Social Democracia (Folheto Junius), onde grafou a indagação Socialismo ou Barbárie. E vale lembrar que o mundo vivia então um acirramento da luta de classes no qual as iniciativas revolucionárias constituíam a expectativa de enormes contingentes.

    Apresentar, no Brasil de hoje, propostas embasadas na perspectiva de realizar qualquer espécie de revolução socialista constitui um despropósito ao mesmo tempo anacrônico e desagregador, pois parte de premissa irreal, dada a inexistência de condições históricas compatíveis com pretensões revolucionárias, e desvirtua a trajetória dos movimentos populares, que devem refletir e catalisar os anseios da população brasileira.

    Esta ótica que defende a radicalização da luta política revolucionária evidencia uma repetição de equívocos cometidos pela esquerda brasileira na década de 1960, quando a pretensão ilusória de copiar modelos das revoluções soviética, chinesa e cubana teve suas causas derivadas da incapacidade de entender a realidade brasileira da época.

    A realidade atual mostra, com clareza absoluta, que, antes de pensar em qualquer tipo de revolução socialista, nosso país precisa defender a democracia plena, que promova a efetiva vigência do Estado Democrático de Direito e o atendimento às necessidades básicas relativas a saúde, trabalho, moradia, educação, cultura e justiça.

    Quando o povo brasileiro tiver atendidas suas necessidades elementares, a evolução cultural e política decorrerá naturalmente, tanto mais quanto orientada por lideranças que sejam capazes de perceber as prioridades da cidadania e dialogar com a população.

    Nesta medida, cabe ressaltar que a resistência adequada em face dos retrocessos e ameaças aos direitos sociais é a conscientização de amplos setores da sociedade e a construção coletiva de um projeto de nação justo, inclusivo e sustentável, que deve ser viabilizado através da ampliação do diálogo e não do radicalismo, do entrincheiramento e do confronto. Inclusive pelo fato de que o poder hegemônico, os grupos fascistoides, o capitalismo selvagem e o imperialismo predatório já evidenciaram que, para impedir o atendimento das necessidades do povo brasileiro através da democracia, estão dispostos a promover as mais hediondas práticas características da barbárie.

    Diante de tais evidências, urge perceber a necessidade de evitar situações que possam dar chances à má sorte, de modo a não deixar a militância democrática exposta à sanha repressiva e provocativa da direita raivosa, para não repetir as trágicas experiências das pseudo “primaveras”, vivenciadas em países como a Líbia, a Ucrânia e a Síria.

    Neste sentido, reitero minha convicção sobre a necessidade de conclamar as instituições democráticas representativas da sociedade civil brasileira para atuar em conjunto com os movimentos sociais e a vanguarda política, constituída pelo movimento estudantil, a fim de substituir as táticas de ocupações e bloqueios por estratégias de educação popular materializadas na forma de aulas públicas, seminários e congressos, com vistas à ampla demonstração dos motivos pelos quais é imprescindível reverter pelas vias eleitorais os graves retrocessos promovidos pela disseminação do ódio e pela inversão de valores.

    Os recentes desdobramentos da conjuntura brasileira, com a manipulação e a violência nas manifestações na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, com a impunidade da invasão e das agressões praticadas por grupos fascistoides na câmara dos deputados, com a violenta repressão policial na frente da Universidade Federal em Belo Horizonte, com violência e arbítrio praticados pela polícia na escola do MST em São Paulo, e com o atropelamento de militantes num bloqueio em Brasília, deixam clara a necessidade de desarmar o gatilho da escalada de desestabilização promovida pela direita raivosa.

    E o momento de iniciar esta mudança de rumo é agora, sem aguardar pelo surgimento de novos mártires, à exemplo do cinegrafista atingido acidentalmente em 2014.

    1. É gastar muita energia em

      É gastar muita energia em algo que não vai resolver.

      A esquerda jamais conseguirá votos no legislativo para reverter a PEC.

      Só servrá para a esquerda chegar ao Executivo para administrar terra arrasada e levar a culpa pelo desgovernos da direita.

      E não enforcará ou prenderá um mísero golpista !!! As FA e o judiciário vão continuar nas mãos da direita. E ainda precisaremos governar com golpistas para fazer o mínimo possível. Esses golpistas jamais irão democratizar a mídia ou rever a PEC 241 que torna o Keynesianismo inconstitucional.

      Rasgar contratos lesivos de entrega do pré-sal e rever privatizações dos golpistas ??? A Democracia não permite.

      É gastar muito esforço para resgatar a pseudo-democracia de merda na qual vivemos. É gastar muita vela com um defunto ruim.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador