Terra Indígena Xakriabá, em Minas, é incendiada

“Queimaram nossas histórias de vida na luta, mas não queimaram nossas lutas na história”, afirmam lideranças Xakriabá após incêndio

O fogo destruiu parte da escola, a biblioteca, a casa de medicina tradicional e outros espaços na aldeia. Foto: Povo Xakriabá/CIMI

“Queimaram nossas histórias de vida na luta, mas não queimaram nossas lutas na história”, afirmam lideranças Xakriabá após incêndio

Por Adi Spezia

Do CIMI

Na mesma semana em que indígenas se mobilizavam em Brasília e nos territórios contra os projetos anti-indígenas, como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, e o Supremo Tribunal Federal (STF) previa votar o chamado marco temporal, a aldeia Barreiro Preto, na Terra Indígena (TI) Xakriabá, em São João das Missões, Minas Gerais, sofreu com um incêndio. O fogo destruiu parte da escola, a biblioteca, a casa de medicina tradicional e outros espaços da aldeia na madrugada do dia 24 de junho.

As lideranças suspeitam de que o incêndio seja criminoso, em retaliação às manifestações contra o PL490 e o marco temporal realizadas pelo povo na mesma semana. “Foi colocado fogo criminosamente e todos os arquivos da história da nossa escola foram queimados. Além dos arquivos da secretaria, queimou todos os computadores e a nossa casa de medicina, que é uma das principais casas que a gente tem da medicina tradicional, a qual estamos sempre lutando para preservar”, denuncia o cacique Domingo Nunes.

“Foi colocado fogo criminosamente e todos os arquivos da história da nossa escola foram queimados. Além dos arquivos da secretaria, queimou todos os computadores e a nossa casa de medicina”

Para a professora e diretora da Escola Estadual Indígena Xukurank, destruída pelo fogo, Cida Xakriabá, “nossa educação indígena, o espaço sagrado da Casa de Medicina Tradicional Xakriabá, o nosso povo mais uma vez foi atacado por ódio rancoroso. […] Esta não é a primeira vez que o povo Xakriabá enfrenta ações desta magnitude, queimaram os prédios, mas nunca queimarão a história nem apagarão a luta e a resistência do nosso povo”, assegura Cida.

As chamas destruíram o que é físico, “queimaram nossas histórias de vida na luta, mas não queimaram nossas lutas na história”, afirmam as lideranças Xakriabá. “A gente espera que a justiça possa tomar as providencias e chegar aos autores que praticou esse crime tão bárbaro contra todo o nosso povo, contra a nossa educação”, apela o cacique Nunes.

No mesmo dia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma nota onde denunciou o incêndio e alertou sobre o ocorrido. “O atentado aconteceu na madrugada de hoje (24), após ameaças contra a vida das pessoas que vivem no território. Exigimos justiça!”, afirma a Apib.

“O atentado aconteceu na madrugada, após ameaças contra a vida das pessoas que vivem no território”

As lideranças suspeitam de que o incêndio seja criminoso, em retaliação às manifestações contra o PL490 e o marco temporal realizadas pelo povo na mesma semana. Foto: Povo Xakriabá

Dias de intensas lutas

Na véspera do incêndio, 23 de junho, o povo Xakriabá e diversos povos em todo país protestaram contra PL 490/2007, que estava em votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. O projeto anti-indígena, que na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas, foi aprovado por 41 votos a 20, ignorando as manifestações e apelos dos povos em serem ouvidos. O projeto segue para votação no plenário da Câmara.

No Norte de Minas, entre São João das Missões e Manga, os indígenas fecharam a Rodovia Federal 135 (BR-135) em protesto com o PL 490. “Esse PL é um genocídio aos povos indígenas, e pode acabar com a demarcação das terras indígenas, possibilitando a abertura dos territórios para explorações precatórias do agronegócio e mineração, além de fortalecer a tese do marco temporal”, denunciavam os manifestantes.

Coordenado pela juventude, o ato ocorreu de forma pacifica. Veículos de transporte de saúde não sofreram com o bloqueio, podendo transitar livremente. A manifestação fez parte do Levante Pela Terra, organizado pelos povos indígenas em todo país e em Brasília. Uma delegação de jovens lideranças Xakriabá participou do acampamento na capital federal, que reuniu cerca de 1500 indígenas de mais de 50 povos de todo o país durante o mês de junho, e desencadeou uma série de manifestações nos territórios durante o mesmo período.

“Esse PL é um genocídio aos povos indígenas, acaba com a demarcação das TIs, abertura os territórios para exploração predatória do agronegócio e da mineração, além de fortalecer a tese do marco temporal”

Manifestação na BR-135, entre São João das Missões e Manga, no Norte de Minas Gerais. Foto: Povo Xakriabá

Solidariedade

Diversas organizações indígenas, indigenistas e religiosas se manifestaram em apoio a luta do povo Xakribá. Ao mesmo tempo,  cobram investigação rápida e célere para que o incêndio não fique impune e os responsáveis sejam devidamente responsabilizados.

Para a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), tal ação pode ser considerado um atentado ao povo Xakriabá. “Isso em um momento em que o governo federal incentiva políticas que vão de encontro ao bem viver dos povos indígenas do Brasil, incentivando grilagens, arrendamentos, mineração e exploração de madeira em terras indígenas”, destaca a Nota de Apoio ao povo Xakriabá.

A Diocese de Januária – Minas Gerais, na pessoa de seu Bispo Dom José Moreira da Silva, também foi a público repudiar o “triste atentado” sofrido pelo povo Xakriabá. “Lutemos por dias melhores, por um Brasil melhor e por um mundo melhor”, lista a Diocese. No documento publicado, também aponta “a moralidade, o respeito, a proteção do Povo Xakriabá e de suas tradições, bem como, o devido tratamento deve ser sempre respaldados pela ética independente de quem os dá ou recebe”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste – que compreende os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e extremo sul da Bahia – lamentou o ocorrido e afirma ser preciso resistir para existir. “Solidariedade e apoio a todo o povo Xakriabá, em especial a comunidade do Barreiro Preto, para que encontrem força e persistência na reconstrução não só da sua escola Xukurank e sua casa de medicina tradicional, mas também dos ‘ferimentos’ da alma”, manifesta o documento do Regional.

“Estamos passando por dias difíceis e momentos de dores, angústias, tristezas, sentimentos de perdas de valores históricos de lutas e conquistas escritas. Só esqueceram que das cinzas reconstituiremos coletivamente as nossas memórias em histórias”, garante Cida Xakriabá, professora e diretora da Escola Estadual Indígena Xukurank.

A repercussão do caso também motivou a criação de uma vaquinha virtual para que apoiadores da causa indígena possam ajudar na reconstrução da escola e da casa de medicina tradicional. O valor ajudará a reerguer e curar os traumas emocionais desta cicatriz das cinzas, que queimaram os prédios, mas nunca queimarão a história nem apagarão a luta e a resistência do povo Xakriabá. “Kankeré na Kuã Sipredé na tiká, seguiremos de cabeça erguida e fortes, somos um povo de luta e resistência”, conclui a Cida.

Redação

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