Velado e sepultado em 30 de agosto. Dimas Casemiro, presente!

Velado e sepultado em 30 de agosto, dia internacional das vítimas de desaparecimento forçado, 47 anos após a sua morte.

do Movimento Vozes do Silêncio

Dimas Casemiro, presente!

Velado e sepultado em 30 de agosto, dia internacional das vítimas de desaparecimento forçado, 47 anos após a sua morte. Dimas Casemiro, presente!

Por Ivan Seixas: MEU AMIGO E COMPANHEIRO DIMAS ERA ASSIM

Conheci o Celso quando fomos preparar uma panfletagem junto à enorme Favela de Vila Prudente. Eram muitos moradores, muito vigiados e reprimidos pela polícia da ditadura. Nossa panfletagem teria que ser bem planejada para não haver combates com as forças de repressão da ditadura, que era uma presença marcante e muito temida pela população. Por esse mesmo motivo, deveria ser protegida por forte aparato armado, pois o terrorismo de Estado era implacável com a oposição.

Algum tempo depois soube que o sorridente e simpático Celso era na verdade Dimas Antônio Casemiro, que já era procurado e odiado pela ditadura por sua persistente militância em defesa de nosso povo e de nosso país. Descobri que era um militante dedicado e disciplinado.

Nossa ação foi um sucesso e comemoramos a panfletagem, que transcorreu sem precisar usar a segurança armada. Ninguém atirou, ninguém se feriu.

Uns dois meses depois dessa ação de panfletagem Celso foi ao nosso aparelho para consertar uma impressora quebrada. Eu sabia imprimir os panfletos e livretos, mas não era um impressor profissional. Nesse momento descobri que Celso era também um operário gráfico experiente. Não só sabia imprimir, como também sabia como funcionava o mecanismo da máquina. Isso fazia toda a diferença.

Depois de consertada, ele colocou a impressora para funcionar para ver se estava funcionando perfeitamente. Funcionou perfeitamente. Na hora de colocar o papel para imprimir, ele pegou um pacote de papel sulfite e manuseou para separar as folhas de modo a não sair mais de uma para impressão. Esse trabalho de separação de folhas é fundamental e só um operário gráfico sabe fazer com destreza. E nosso companheiro mostrou toda a habilidade para essa tarefa, que para ele era algo simples, mas para nós outros era algo inimaginável. Deixou todos boquiabertos.

Vendo tal perícia para manusear as quinhentas folhas de papel, meu pai resumiu a admiração do grupo todo: “O papel parece um baralho na mão dele”. Henrique definiu o show do operário gráfico assim: “Ele é o Rei do Papel”. A partir daí todos nós passamos a chamar o Celso de Rei. Essa é a origem do nome de guerra do Dimas Antônio Casemiro, que o notabilizou na História da resistência à ditadura.

Rei era um cara sempre sorridente e solícito com as pessoas. Certa vez, estávamos nos preparando para uma ação e estávamos todos tensos com o que poderia acontecer a partir dali. Ele mantinha a serenidade e a solidariedade de modo para ajudar um cidadão que pedia dinheiro para voltar para casa. Era um trabalhador desempregado e mal tratado pela exploração capitalista sem limites, que a ditadura garantia. Rei conversou com ele, deu dinheiro para ele e desejou que a vida melhorasse. Juraci ainda brincou com ele perguntando se ia convidar para fazer a ação junto conosco. “É um trabalhador sofrido, que merece toda a nossa atenção e cuidado”, disse Rei.

Quando conheci Maria Helena, ela já era chamada de Rainha, por causa do apelido do marido. O filho do casal também tinha apelido de Reizinho ou Príncipe. Uma vez fui preparar um material na casa do Dimas e, ao entrar, ele se jogou no chão para brincar com o filho, por quem tinha um carinho enorme. Depois de rolar no chão com o menino, ele me apresentou dizendo: “Filho, esse rapaz aqui é amigo do papai e veio ajudar a gente a fazer algumas coisas importantes. Quer brincar um pouco com ele enquanto o papai troca de roupa?”. E Fabiano me deu a mãozinha e mostrou um carrinho de plástico. “Papai me deu”, disse ele.

Trabalhamos com os documentos, jantamos e Rei me deu uma escova de dentes novinha, dentro de uma embalagem, recomendando o cuidado com os dentes. “Temos que cuidar bem dos dentes. Eles vão ser usados pela vida toda, companheiro”, recomendou o operário. Depois descobri que isso era quase uma obsessão para ele.

Algum tempo depois Rei encontrou em minha casa seu irmão Dênis, que conhecíamos como Douglas. Apesar de ser de outra Organização, a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, Douglas estava lá para participar de uma reunião como comando, pois Carlos Lamarca morava em nossa casa. Depois de abraçar o irmão, Rei me disse rindo assim: “Esse aqui não cuidou bem dos dentes e hoje usa dentadura. Cuida dos teus dentes, meu companheiro. Ainda dá tempo”.

A última vez que encontrei com Maria Helena foi nos corredores do DOI-CODI. Eu estava sendo carregado, pois não podia andar por causa das torturas. Ela se livrou dos militares que a conduziam e pegou na minha mão. “Fica forte, meu amigo”, disse ela. Foi ameaçada pelos torturadores e respondeu apenas “Seus monstros. Como podem fazer isso com uma pessoa?”. Alguns dias depois ela foi liberada e voltou para Votuporanga.

Tenho muito orgulho em ter conhecido Dimas Antônio Casemiro e Maria Helena. Mais ainda de ter reencontrado Fabiano, anos depois, quando abrimos a Vala Clandestina de Perus. Ao encontrá-lo achei que o conhecia de algum lugar. Quando ele me disse de quem era filho entendi que reconheci nele Dimas Antônio Casemiro, seu pai. E ele me fez um inusitado e emocionante pedido: “Me conta como era o meu pai. Eu era muito pequeno quando ele morreu”, disse ele. Mantive a calma e contei tudo o que sabia sobre seu pai. Quando voltei para casa, chorei muito pela cena e pela saudade de meu querido companheiro.

Dimas Antônio Casemiro é um herói do povo trabalhador brasileiro e deve ser sempre lembrado assim. Viveu e lutou por nosso país, deu exemplos e deixou um vazio em todos nós sobreviventes dessa época violenta.

Dimas, Comandante Rei, presente!
Agora e sempre!

Leia a matéria sobre o sepultamento de Dimas Casemiro aqui.

Hoje, às 18hs, Ato pelas vítimas e histórias silenciadas, em São Paulo

30 de agosto é o dia destinado pela Organização das Nações Unidas – ONU, às vítimas de desaparecimento forçado, ou seja, aquelas que desapareceram após serem presas ou retidas ilegalmente por forças de segurança.

No Brasil, agosto é também o mês que simboliza a luta pela anistia política. A Lei de Anistia foi promulgada em 28 de agosto de 1979 e, portanto, vai completar 40 (quarenta) anos…. 40 anos de luta por uma anistia política dada de maneira restrita, parcial, inconclusa e ainda aplicada às avessas.

Redação

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