Vladimir Safatle: “Nossos sonhos são maiores que a noite mais escura”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

“Eles podem acreditar que têm a força de nos amedrontar, que podem nos colocar diante do medo, mas eles vão rapidamente descobrir uma coisa: maiores do que o medo que eles têm e que eles acham que sejam capazes de produzir em nós são os nossos desejos”


Foto: Divulgação

Do Brasil de Fato

Nossos sonhos são maiores que a noite mais escura, diz Vladimir Safatle

Filósofo, que é professor da USP, palestrou em evento ocorrido na UnB, em Brasília, nesta sexta-feira (26)
 
Por Cristiane Sampaio
 

Em palestra ministrada na tarde desta sexta-feira (26), na Universidade de Brasília (UnB), o filósofo Vladimir Safatle afirmou que o atual contexto político do Brasil resulta, entre outras coisas, da forma como o país conduziu o período pós-ditadura no que se refere aos apoiadores do regime.

Ele destacou o fato de o Estado ter anistiado, no passado recente, torturadores, ocultadores de cadáver, assassinos e outros agentes que colaboraram com a forte violência praticada na época.

“É claro que um país como esse só poderia produzir isso que estamos vendo agora. É um país onde se tortura mais hoje do que na época da ditadura militar, e isso não é uma metáfora”, disse, citando estudos de uma socióloga norte-americana que aponta o Brasil como destaque na América Latina nesse aspecto.

“Não houve depuração, ninguém foi responsabilizado pelos seus crimes. E o que acontece com este país é que ele começa a ter que se confrontar com as suas células dormentes que ficaram entocadas durante esses [últimos] trinta anos”, completou o filósofo.

Professor da Universidade de São Paulo (USP), Safatle esteve na UnB para participar de um evento intitulado “A ascensão do fascismo e os desafios da resistência democrática”, promovido pelas Brigadas Populares e pelo Centro Acadêmico de Filosofia (Cafil).

Diante de estudantes, professores e visitantes, Safatle refletiu ainda sobre as condições da democracia brasileira na história recente. O filósofo destacou que a fragilidade do sistema democrático pós-ditadura teria sido fundamental para o atual cenário de defesa de práticas autoritárias por parte de setores da população. 

Mais uma vez ele trouxe à tona a relação do país com a memória histórica e destacou os prejuízos dessa fragilidade para o processo de construção de um futuro nacional.

“Vários imaginavam que estávamos falando de uma verdadeira democracia consolidada. No entanto, estávamos falando de uma democracia arcaica, precária e de fundo falso, que poderia cair a qualquer momento porque um país que não acerta suas contas com sua própria memória nunca vai conseguir de fato ter um presente, muito menos um futuro”.

Safatle abordou ainda a preocupação com o avanço da violência que vem a reboque de práticas identificadas com o fascismo. Ele destacou a opressão contra determinados segmentos, como a população LGBT, os indígenas e as mulheres feministas.

“Toda perspectiva fascista é baseada na insensibilidade absoluta em relação às classes mais vulneráveis, como se fosse possível fazer troça dessa violência reiterada que se repete de maneira absolutamente compulsiva”.

Por fim, o filósofo levou ao público uma palavra de alento, ressaltando a importância da união popular em torno dos sonhos coletivos.

“Eles podem acreditar que têm a força de nos amedrontar, que podem nos colocar diante do medo, mas eles vão rapidamente descobrir uma coisa: maiores do que o medo que eles têm e que eles acham que sejam capazes de produzir em nós são os nossos desejos. Eles, sim, mobilizam mutações e transformações que poucos são capazes de imaginar, mesmo diante da possibilidade das noites mais escuras”.  

Vladimir Safatle encerrou a palestra falando da dimensão e da temporalidade da luta política. Ele afirmou que o cenário nacional exige a consciência de uma caminhada contínua contra o conservadorismo, numa projeção que vai além das disputas político-eleitorais.

“É uma luta que vai nos mobilizar durante muito tempo, de todas as formas, e mais do que isso: essa luta não vai ser desempenhada sozinha. Nós não estamos sozinhos. Podemos não ter mais as estruturas tradicionais em que acreditávamos, mas temos muito mais agora. Temos a consciência da radicalidade do que significa defender a forma de vida de cada um de vocês”, finalizou.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador