A burrice do “foro privilegiado”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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É inacreditável como pessoas que deveriam ser informadas minimamente em assuntos jurídicos têm, às vezes, ideias totalmente malucas. Na Wikipédia (foro privilegiado), tudo bem que aquilo seja somente um ótimo site de informação internetiana, lê-se o seguinte besteirol:
 
“O foro privilegiado, tribunal de exceção, ou foro por prerrogativa de função é, como o próprio nome diz, um privilégio concedido a autoridades políticas de ser julgado por um tribunal diferente ao de primeira instância, em que é julgada a maioria dos brasileiros que cometem crimes.” – grifado.
 
Em primeiro lugar não é foro privilegiado, mas “foro especial por prerrogativa de função”, porque a justificação jurídica jamais poderia ser de “privilégio”, que seria algo totalmente odioso e discriminatório, mas de especialidade por prerrogativa função (menos odioso, ou pretensamente lógico).
 
Alguns, inclusive parte da imprensa, falam em foro privilegiado para querer “ofender” o instituto. Dar a ele um sentido discriminatório. Mas o certo é “foro especial”. Já em relação a ser o foro especial um “tribunal de exceção” é a coisa mais absurda que se pode ler. Justiça ou tribunal de exceção é aquela criada “após” o crime para, casuisticamente, julgá-lo. O caso mais emblemático foi o tribunal de Nuremberg, para julgar os nazistas, após a 2ª Guerra. Não há no direito brasileiro, nem pode haver, tribunal de exceção. Isto é simplesmente proibido pela Constituição da República, e sempre foi. Alguns desinformados dizem que a justiça militar brasileira é justiça de exceção. Ela pode ser uma justiça de baixíssima qualidade, parcial, mas se está prevista na Constituição, não é justiça de exceção.
 
Afinal, o foro especial é bom ou ruim para as “autoridades”?
 
Talvez não haja um único advogado criminal que ache o foro especial “bom” para o seu cliente. E se as tais “autoridades”, principalmente aquelas que não entendem nada de nada, souberem o que pode querer dizer o foro especial em termos de tempo do processo, vão achar que o foro comum e nada especial é mil vezes melhor.
 
Responda rápido, pensando exclusivamente pelo lado do bandido, esses tantos que assaltam os cofres públicos: para um criminoso ou corrupto o que é melhor, ser julgado em 5 anos ou em 20? Parece não haver dúvida que para o meliante, ser julgado em 20 anos é infinitamente melhor. Inclusive porque existe o princípio constitucional da presunção de inocência, ou seja, nesses longuíssimos 20 anos, ele será por todo o tempo considerado “inocente”, e poderá tudo.
 
O que ocorre é que com o foro especial o sujeito “já começa” a ser julgado por um tribunal superior, imagine-se, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, no qual levaria muitos anos para “chegar”, por via de recurso. Este começo especial e direto, no tribunal, encurta em muito o tempo do processo judicial. Em muitos anos. Isso é péssimo para o réu. Mas é muito bom para a sociedade.
 
Assim, se o imbecil acha “chique” ter foro especial porque será julgado somente por juízes das cortes superiores ou mesmo do Supremo, pode não perceber que seu processo poderá acabar em muito menos tempo e se as provas forem cabais, ele será, sim, condenado muito mais rapidamente.
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Acho válido o questionamento

    Acho válido o questionamento do “por quê” da situação.

    Vamos lá. A prerrogativa de função se faz presente, pois o legislador, à época de sua criação, tinha em mente o “poder” do réu. Vejamos.

    Imagina aquele ex-estudante de direito, recém aprovado no concurso para juiz, um juiz substituto, novato. Ou mesmo aquele mais “velho de guerra”, juiz titular da comarca X ou Y, julgando “zé-das-couves”, e “zé-das-drogas” todo dia. Ai vem o processo do Governador de seu Estado. Ademais de todas “indicações” legais do Governador, como os Ministros dos Tribunais de Contas, desembargadores (5º constitucional), chefes da promotoria, bom, todos eles indicados pelo Governador.

    Ai você consegue imaginar a pressão que haveria de ocorrer sobre o juiz da comarca X ou Y indicada, pressão esta não para absolver, o que seria de dificil explicação caso as provas fossem contundentes, mas deixar o processo parado por anos nas caixas de papelão das secretarias (vide caso Adail Pinheiro).

    Portanto, o foro privilegiado, além da “celeridade” que ocasiona, dificulta (bom, foi uma tentativa de dificultar pelo menos) o lobby, as “pressões”.

     

     

  2. Texto inocente

    Bem, quem diz foro privilegiado é o próprio pig, portanto não há dúvidas. Quanto as vantagens e desvantagens vale o dito: “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Depende muiiiiito das circunstâncias. Jugamento de exceção poderia ser um tribunal criado a posteriori, é isso?, mas também pode ser um julgamento com características ineditas e com avaliações só válida para um específico julgamento.  Premido por uma imprensa torcendo claramente e criando um clamor popular, que nem precisa ser real – a imprensa pig cria -, como no caso … Dreifus(?). Por exemplo uma corte sempre garantista pode deixar de ser.

    Leiam o Operação Banqueiro que é um bom livro bem escrito, impessoal, sério, correto. É bem interessante, e escarecedor.

  3. Foro privilegiado

    Do jeto como a justiça brasileira é parcial, há sim o malfadado “foro privilegiado”. Se não de direito, pelo menos de fato. Caso contrário, não veriamos tantos políticos mal caráter soltos.

  4. Wikipedia é uma enciclopédia

    Wikipedia é uma enciclopédia colaborativa e não é isenta de erros. Se o autor acha que está errado, ele está livre pra editar o artigo e corrigi-lo.

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