Assédio judicial contra jornalistas é crise da democracia

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Com importantes nomes do jornalismo e da magistratura, o fórum "O Jornalismo sob Assédio Judicial" trouxe reflexões do momento atual

Jornal GGN – Com a participação de importantes nomes do jornalismo e da magistratura, o GGN, juntamente com o Coletivo Transforma MP e Juízes para a Democracia, promovou na manhã desta quinta-feira (28) o fórum “O Jornalismo sob Assédio Judicial“.

Abordando o uso judicial para promover a perseguição e o asfixiamento de jornalistas, o debate tratou da crise democrática como um todo.

“Essa crise que enfrentamos na atualidade é uma crise da própria democracia, da banalização do discurso de ódio, das ameaças ao sistema democrático. Esse compromisso implica uma defesa intransigente da liberdade de imprensa”, introduziu a juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Gláucia Foley.

Segundo ela, a “independência não pode ser capturada, fetichizada” e o assédio judicial é um “bloqueio à transparência do Judiciário, à crítica e ao diálogo social”.

Casos

Além das publicações alertadas ainda em 2020, que revelam o aumento dos casos de perseguição, violência e assédio judicial a jornalistas e representantes da comunicação, um relatório divulgado nesta semana pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostra que, somente no ano passado, foram 428 ataques contra jornalistas catalogados pela entidade, incluindo agressões físicas, verbais, censura e intimidações.

Trata-se de um aumento de 105,77% em comparação ao ano anterior e é o número mais elevado já registrado pela Fenaj desde 1990, quando a associação começou a coletar os dados. Ao listar diversos destes casos, o jornalista Juca Kfouri mencionou jornalistas que foram vítimas dessa categoria de assédio judicial e demandas agressivas, com o objetivo de sufocamento e de calar a imprensa.

“Casos clássicos, como o do jornalista especialista em assuntos da Amazônia, Lucio Flávio Pinto, do jornal Pessoal, tão assediado que teve que parar com a produção do seu jornal. Citar o nosso Luis Nassif, cujas penas de indenização chegam ao absurdo de serem quatro, cinco vezes maiores do que a recente pena que um dos filhos do presidente da República foi submetido, por ofender a jornalista Patricia Campos Mello. A ONG Repórter do Brasil, do Sakamoto, vítima de hackers e ameaças; o site The Intercept, proibido de citar um promotor de justiça que participaram de um julgamento absurdamente abaixo da crítica em relação a uma mulher; o jornalista e escritor Paulo Cuenca, que ao citar uma frase secular, está sendo processado; a Elvira Lobato, Ricardo Sennes, a Rita Lee, que foi processada anos atrás, e assim como jornais, o A Tarde, o Extra, o Estado de S.Paulo, a Gazeta do Povo, o Globo…”.

Com os exemplos, Kfouri ressalta a necessidade de “lembrar a que estamos submetidos” durante o governo de Jair Bolsonaro. “Tivemos ontem um exemplo muito claro disso, o presidente da República mandando a imprensa à pqp [sic], por ter publicado a relação de gastos com alimentação do governo federal. Isso estimula todos aqueles seguidores de um pensamento autoritário a punir a imprensa”, afirmou.

Não é de hoje

Para o professor de direito José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da UNB, o assédio contra jornalistas não é uma questão “nem nova, nem local, embora dramática entre nós”, mas “é referência do que está acontecendo em boa parte do mundo, olha o [Julian] Assange, no caso dos documentos que, diz ele, não são informações de segurança, são revelações de crimes”.

“Um pensador, um militante que viveu dramaticamente no século XIX esses impasses, Karl Marx, nos seus enfrentamentos aos processos que sofreu como jornalista, Marx lembrou que a função da imprensa é ser um cão de guarda público, o denunciador incansável dos dirigentes, o olho onipresente, a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúmes a sua liberdade. Isso é Marx se defendendo em júri, quando na época do prussianíssimo vivia as tensões contra a liberdade de imprensa, que nós sabemos não é um bem privado, é um bem que presume a salvaguarda do espaço público, pertence à liberdade”, refletiu.

Mudança social

Nesse sentido, Gláucia Foley destacou o papel da comunicação na própria transformação social, “quando mobiliza pautas identitárias, organiza redes horizontais como essa do Fórum Social Mundial, e revela carências que na verdade são percebidas como injustiças e provocam uma mobilização popular, no sentido de superação dessas carências e de transformação social”.

Ao falar também das pautas identitárias, a jornalista e escritora Bianca Santana falou sobre o papel constitucional do sistema de Justiça, que ultrapassa a garantia do direito de liberdade de imprensa e de expressão, passando ainda por assegurar os direitos da população negra e das mulheres no meio da comunicação.

“É necessário que o sistema de Justiça cumpra evidentemente o seu papel constitucional, garantindo o direito de liberdade de imprensa, o direito de liberdade de expressão. Mas não posso deixar de aproveitar este momento para dizer, também, que é essencial que o sistema de Justiça assegure direitos a toda a população brasileira. Como divulgou amplamente a Coalizão Negra por Direitos em 2020, com racismo, não há democracia”, alertou.

Convidada como mediadora do debate, a procuradora do Trabalho e membros do Transforam MP, Vanessa Patriota da Fonseca, acrescentou que o Judiciário, ainda hoje, é branco e a importância de se enfrentar o racismo estrutural. “A gente precisa também mudar essa cara, essa branquitude do sistema de Justiça.”

Outras formas de censura

Alessandra Queiroga, promotora de Justiça do Distrito Federal, defendeu que “esse fenômeno [da censura] não está acontecendo só com o jornalismo, mas está acontecendo no mundo inteiro para tentar impedir que expressemos nossas ideias”.

Mas ao lembrar dos casos contra os jornalistas Elvira e Kfouri, diz se tratar da “utilização de um direito de ação, que é o direito de petição que todos nós temos, um direito Constitucional, mas de maneira a acabar com a pessoa, diminuir, minar o psicológico da pessoa”, em um “atentado à democracia”.

No momento em que a disseminação de informação esbarra, ainda, nas chamadas Fake News e o uso de robôs nas redes sociais, o jornalista Eugênio Bucci defendeu que tanto de robôs, quanto de leitores reais, a censura deve ser banida.

“A democracia, precisamos lembrar sempre, observa a vontade da maioria e os direitos das minorias e garantias individuais. Porque ditaduras podem representar a vontade da maioria, nós já tivemos casos assim no século XX e ainda temos alguma coisa nesse estilo, as maiorias se engajam na sustentação de regimes autoritários e o que define, nesse caso, é a disposição para violar os direitos da minoria. Mas nem as maiorias podem impor qualquer tipo de censura”, reflete.

Nessa linha, mencionando o filósofo Walter Benjamin, o professor José Geraldo disse que “nós precisamos construir [a história], para que quando relampeja o momento que vivemos o perigo, a nossa consciência se abra para o significado do que nos ameaça e nos oriente a nossa ação transformadora para que isso nunca mais aconteça”.

O que vem pela frente

“Esse programa é uma parte desse processo e devemos insistir nesse caminho, porque sem isso há o ensejo, como agora, desses autoritarismos impertinentes de qualquer natureza, legislativos, judiciários, midiáticos, que envolvem as organizações civis, militares e que no nosso país tem produzido essa condição exemplar, no sentido perverso, de que hoje o Brasil é um exemplo de uma postura contra a democracia e contra o povo”, completa Geraldo.

Na esperança pela defesa do direito à informação na recuperação da democracia no Brasil, Gláucia Foley pontua: “A proteção da liberdade de comunicação e o direito à informação de qualidade somada à uma formação robusta em direitos humanos dos integrantes do poder Judiciário, mais uma disposição para uma relação dialógica com a sociedade vão fazer do sistema de Justiça um partícipe importante desse processo de retomada da democracia.”

O debate foi encerrado com a participação musical do jornalista Luís Nassif e de Eugênia Gonzaga, cantando “Casinha na Marambai”. Acompanhe o evento na íntegra:

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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