Do julgamento do mensalão à condenação de Lula, por Fábio de Oliveira Ribeiro

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Foto: Gil Ferreira/STF

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

O advogado e deputado federal Wadih Damous afirmou que a condenação de Lula por Sérgio Moro equivale a morte do Direito: https://www.brasil247.com/pt/colunistas/wadihdamous/306526/Moro-e-a-morte-do-direito.htm.

Damous parece não ter levado em consideração a relação causal que existe entre a condenação de Lula e o julgamento do Mensalão do PT pelo STF. José Dirceu foi condenado com base na teoria do domínio do fato (Joaquim Barbosa), porque não provou sua inocência (Luiz Fux) e porque a literatura permitia a condenação (Rosa Weber). As matérias jornalísticas que acusavam José Dirceu foram utilizadas como provas dos crimes que ele supostamente havia cometido. Os mesmos abusos foram cometidos por Sérgio Moro no caso de Lula. Portanto, não foi o juiz da Lava Jato que assassinou o Direito. Moro apenas enterrou na primeira instância a vítima assassinada diante das câmeras de TV por Gilmar Mendes e seus parceiros.    

Na época do julgamento do Mensalão fui o único advogado a sugerir a utilização da técnica da ruptura de Jacques Vergès. Os advogados dos réus optaram por defesas técnicas, os ministros do STF limparam os traseiros com a CF/88 e o resto é história. O advogado de Lula parece estar seguindo pelo mesmo caminho de um tecnicismo que foi sepultado. O resultado provavelmente será devastador para o cliente dele e para o Brasil.  Abaixo republico aquele o texto originalmente divulgado no CMI: https://midiaindependente.org/pt/red/2012/08/510278.shtml.  

Geraldo Brindeiro, Procurador Geral da Republica ao tempo de FHC, ficou famoso por sentar em cima de processos que eventualmente prejudicassem o próprio FHC e seus Ministros e comparsas no governo e fora dele. Resultado todos os escândalos denunciados nos livros OS CABEÇAS DE PLANILHA (http://www.midiaindependente.org/pt/red/2007/08/390072.shtml ) e A PRIVATARIA TUCANA (http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Privataria_Tucana ) envolvendo FHC e sua quadrilha ficaram impunes. Na época a mídia defendeu vigorosamente FHC e a vaga neoliberal que enriqueceu vários personagens do governo e do círculo privado tucano e nunca fez questão da apuração e julgamento rigoroso daqueles escândalos.

Gurgel, que ocupa hoje o mesmo cargo que Brindeiro ocupou no passado, preferiu uma nova abordagem: ele se notabiliza como Procurador do Espetáculo em razão de ter se esforçado bastante para fornecer à mídia o julgamento do Mensalão que a própria mídia encenou nos jornais, revistas e telejornais, inclusive com a condenação prévia ou preventiva dos adversários de FHC e seus aliados.

No Brasil a “desigualdade” perante a Lei e perante a mídia, portanto, continua a mesma antes e depois de Brindeiro. Gurgel é apenas um novo capítulo na longa duração do princípio jurídico senhorial que rege esta estranha República de aristocratas.

De todos os escândalos da época de FHC e da era Lula apenas o Mensalão foi a julgamento no STF. Sabemos exatamente o que pode ocorrer: ou os réus serão condenados, o que seria justo; ou os réus serão absolvidos, o que também seria justo. Qualquer que seja a decisão ela terá que ser considerada justa, porque o STF diz a Justiça em última instancia. É o que consta da Constituição em vigor que a todos deveria se aplicar.

O que eu quero mesmo saber, e isto seria novidade, é se os graves fatos narrados nos livros OS CABEÇAS DE PLANILHA e A PRIVATARIA TUCANA, que envolvem amigos e colaboradores de FHC, o próprio FHC e José Serra, também serão submetidos a julgamento.

Mas a Constituição da mídia é outra. A mesma mídia que defendeu e blindou FHC e sua quadrilha não cobrando o julgamento e punição dos crimes narrados em OS CABEÇAS DE PLANILHA e A PRIVATARIA TUCANA, exige rigor na punição de crimes que pressupõe terem ocorrido no caso do Mensalão. Como defender réus que já foram condenados pela mídia?

O defensor de qualquer um destes coitados que durante anos tem sido condenados e executados previamente pela mídia e na mídia pode e deve usar a tática de ruptura de Jacques Vergès (http://en.wikipedia.org/wiki/Jacques_Verg%C3%A8s ) na Tribuna do STF. Em primeiro lugar deveria fazer uma leitura de fragmentos relevantes dos livros OS CABEÇAS DE PLANILHA e A PRIVATARIA TUCANA para forçar o STF e a platéia jornalística a reconhecer que os escandalos narrados e documentados nestes dois livros são semelhantes ou tem a mesma origem (os desmandos do Estado brasileiro e o patrimonialismo de quem o controla ou disputa seu controle) que o Mensalão mas nem todos os suspeitos ou criminosos foram ou estão sendo levados a julgamento. Justiça e rigor tem que ser para todos (tucanos, petistas e seus comparsas), não para alguns (petistas e aliados).

Uma outra coisa a ser feita seria denunciar de maneira espalhafatosa a tentativa de vários órgãos de comunicação de colocar a população contra o STF forçando uma condenação muito desejada pela própria mídia. Neste caso uma decisão tomada pelo STF seria nula em razão da falta de isenção da Corte.

Mais importante, o defensor pode e deve atacar de maneira virulenta o acusador exigindo do Procurador Geral da República que denuncie todos os políticos, jornalistas e empresários de comunicação que conspiram para subtrair a autoridade e a isenção dos Ministros do STF ao arrepio da Constituição, do Código de Processo Penal e do próprio Código Penal.

A imprensa tem mostrado diariamente que quer transformar o julgamento do Mensalão num show. Então cabe a defesa desconstruir o show montado pela mídia (com aquiescência de alguns Ministros do STF, Gilmar Mendes por exemplo) e providenciar outro show ainda mais espetacular. Afinal como afirma Jacques Derrida sobre a desconstrução e a tática da ruptura de Jacques Vergès:

“A fascinação admirativa exercida sobre o povo pela ‘figura do grande criminoso’ (die Gestalt des ‘grossen’ Verbrechers) assim se explica: não é alguém que cometeu determinado crime, pelo qual experimentaríamos uma secreta admiração; é alguém que, desafiando a lei, põe a nu a violência da própria ordem jurídica. Poderíamos explicar da mesma maneira o fascínio que exerce, na França, um advogado como Jacques Vergès, que defende as causas mais insustentáveis, praticando o que ele chama de ‘estratégia de ruptura’: contestação radical da ordem dada pela lei, da autoridade judicial e, finalmente, da legitimidade da autoridade do Estado que faz seus clientes comparecerem diante da lei. Autoridade judicial diante da qual, em suma, o réu comparece então sem comparecer, só comparece para testemunhar (sem testemunhar) sua oposição á lei que o faz comparecer. Pela voz de seu advogado, o réu pretende ter o direito de contestar a ordem do direito – por vezes, a identificação das vítimas.” (FORÇA DE LEI, Coleção Tópicos, Jacques Derrida, martins fontes, 2007, p. 78/79).

Que autoridade tem o STF para condenar os réus do Mensalão se todos aqueles que cometeram os crimes narrados nos livros OS CABEÇAS DE PLANILHA e A PRIVATARIA TUCANAS sequer foram levados a julgamento pelos seus atos? Como pode o Tribunal exercer sua autoridade se a mesma tem sido limitada pela mídia que exige a condenação destes réus e ajudou a manter impunes os possíveis réus dos escandalos de OS CABEÇAS DE PLANILHA e A PRIVATARIA TUCANAS? Qualquer que seja a decisão do STF ela não será justa, porque a Justiça ou se aplica a todos ou não pode ser aplicada a ninguém.  

Ao condenar Lula, Sérgio Moro disse que não teve tempo de ler todos os documentos dos autos. Todavia, ele teve tempo de ler matérias jornalísticas e cita-las ao longo de centenas de páginas. 

Matéria jornalística só é meio de prova quando a questão em discussão é a ofensa criminosa ou passível de indenização feita pelo jornal. Nos demais casos, a matéria de jornal não tem valor probatório por si só.

Se o jornalista enuncia um fato (a propriedade e posse de um imovel) e o registro de imóveis prova que o proprietário é outro deve prevalecer o documento público. Aplica-se também uma regra simples de Direito Civil: o documento particular não faz contra terceiro prova do fato que enuncia. Ele só pode fazer prova contra quem enunciou o fato e assinou o documento.

Qualquer juiz mequetrefe conhece estas regras. Portanto, devemos considerar a hipótese de que Sérgio Moro é menos do que um juiz mequetrefe. Curiosamente ele acredita que tem mais poder que a lei, a doutrina e a jurisprudência. Todavia, isto só se tornou possível por causa do julgamento do Mensalão pelo STF.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

7 Comentários

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  1. Penso que não adianta provas

    Penso que não adianta provas ou elucubrações técnicas diante de um estado de exceção. E isto é claramente o que estamos vivendo. Contra isto somente a revolta armada e assassinato de todos os golpistas.

    O processo do triplex prova de forma incontestável que o Lula não é e nunca foi proprietário ou beneficiário do imóvel, mesmo assim o juiz o condenou a prisão por um crime inexistente.

    O juizeco é um ASNO ou um CANALHA?

    Se ele chegou a juiz, não sei se passou o concurso ou foi passado, deve ter algum conhecimento de direito, e, ao condenar uma pessoa por um crime que as provas diziam que esta pessoa não cometeu, este juiz provou que NÃO É JUIZ, MAS CANALHA, CANALHA, CANALHA.

    Para o futuro qualquer cidadão deste país, especialmente se for preto, pobre, prostituta, petista, simpatizante do PT, crítico do governo golpista, trabalhador, etc etc poderá ser condenado se o juiz achar que deve condenar, às favas com este negócio de provas.

    Parece que o judiciário não se importa em ver sua credibilidade ser jogada no lixo da história já que ninguém até agora fez absolutamente nada para enquadrar o CANALHA, CANALHA, CANALHA.

    SERÁ QUE SÃO TODOS CANALHAS NO JUDICIÁRIO?

  2. Impressionante a forma como

    Impressionante a forma como os pelegos da velha mídia estão botando fogo na turma da segunda instância em relação Lula. Agora o mediocre noblat está bancando o vidente dizendo que aposta não só na confirmação como também no agravamento da pena. São uns bos… de jornalistas. Até  a eleição tem muita água pra passar debaixo da poste. E tem o fator ONU. Eu quero ver a cara desses manés quando a ONU se pronunciar em relação ao herói deles, o tal imparcial de curitiba. Eles passam quatro anos comemorando derrotas eleitorais e vão continuar no mesmo caminho. Não é atoa que o aecio foi até ontem outro herói deles também.

  3. Alguém duvida que o processo

    Alguém duvida que o processo contra LULA é o mesmo método usado contra o Zé Dirceu???? Estamos assistindo uma briga sem regras, portanto, qualquer arma usada no conflito é legal. Somente sob esse ponto de vista as forças em combate se igualam.

  4. Joaquim Barbosa é a pedra

    Joaquim Barbosa é a pedra fundamental do facismo judiciário em voga no país. Acreditar na justiça brasileira vai ser um erro brutal da Esquerda que demorará décadas para ser corrigido. Por outro lado, o povo, único sujeito capaz de alterar o rumo da história, continua completamente hipnotizado pela Vênus Platinada, verdadeiro câncer a destruir qualquer suspiro de desenvolvimento robusto país.

    A luta contra o golpe obriga uma união da Esquerda que não titubeie em denunciar a Rede Globo como principal vetor de desestabilização da democracia do país. Todos os canais alternativos de comunicação tem que se concentrar em denunciar ao povo os verdadeiros responsáveis pela crise do país. Barbosa, Moro, Dalanhoide, Janot são capachos golpistas do financismo internacional do qual a Rede Globo é porta voz.

    Um país com a Globo nunca será um país justo e muito menos soberano.

  5. MÁFIA FHC CLINTON! ESGOTO A CÉU ABERTO DESDE 2002!!!

    Tratar moro como menos que um juiz mequetrefe, é coisa de amigão do peito. Parabens.

  6. “Operação Condor II” – judiciário-midiática!

    “Operação Condor II” – judiciário-midiática! – e o alvo-mor: Lula

    Por Romulus & “Dom Cesar”

    (“&” Eugênio Raúl Zaffaroni)

    “Operação Condor Judicial”: diferentemente da versão original, em vez de “fardados”, desta vez os agentes ~locais~, novamente concertados (!) – consciente ou inconscientemente… – para o avanço da agenda do imperialismo em todo o Hemisfério, são:

    – Judiciário – combinado com o Ministério Público; e

    – Carteis midiáticos locais.

    Honduras, Paraguai, Argentina, Brasil, República Dominicana, El Salvador, Venezuela, Uruguai, Peru…

    Cruza-se a fronteira, fala-se espanhol ou português, mas a estratégia – e o método! – para alijar da vida pública forças políticas progressistas seguem sendo os mesmos.

     

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  7. O que está mais do que claro,

    O que está mais do que claro, é que o golpe do impeachment contra Dilma Rousseff para afastá-la do poder e o PT, que foi exitoso em 2016, teve seu início no Mensalão, com o discurso do pseudo combate à corrupção, tendo à frente o também golpista Joaquim Barbosa, que saiu de fininho. Agora, o golpe continua seu desdobramento, no sentido de afastar o ex-Presidente Lula das eleições de 2018, e tendem a ser mais uma vez vitorioso. O juiz Sérgio Moro acaba de dar mais um passo dos golpistas nesse sentido, do afastamento do ex-Presidente, com sentença condenatória, e sua prisão mesmo sem provas. Explicações jurídicas, acusações de improbidade do governo decorrente do golpe, do traíra Michel Temer, mostrar que a mídia é parte do golpe e continua na sua atuação de dar respaldo aos golpista, e coisas que tal, pouco ou nada significarão para afastar o nefando movimento de seu curso. Os maiores prejudicados, já se vê claramente, são todos os que vivem do trabalho assalariado, seja nas empresas ou mesmo nas atividades governamentais, não só na base da pirâmide salarial, da renda, mas o golpe em sua sanha deletéria já atinge mais fortemente extratos das classes médias, muitos que têm apoiado os golpistas. Num quadro dessa natureza, a saída não está apenas no diálogo, porque não é possível diálogo com os golpistas e seus apoiadores. A Justiça, o Ministério Público, o Congresso, e calados, sem alarde o estamento militar, são em grande parte também parte do golpe, estão dominados pelos golpistas. Não adiantam denúncias, nem ações jurídicas, não devem ser abandonados, mas tudo de efeito muito limitado (não há respeito à Constituição e às Leis), não atingem o objetivo de desviar os golpistas de seu rumo. Restam poucas ações capazes de produzir algum efeito contra os golpistas, mesmo estando o golpe ainda limitado, caso o rumo econômico que estão seguindo, não alivie os problemas criados para a população como um todo. Por isso, não sendo possível um enfrentamento militar do problema, que claramente ainda não se vê cogitado por nenhum grupo prejudicado, resta que esses se congreguem para o enfrentamento nas ruas, para tentar fechar caminhos dos golpistas. Por enquanto, só o povo nas ruas traria esperanças de mudanças, no papo somente, simplesmente impossível. 

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