Gabriel O Pensador e o cálculo das probabilidades

O lançamento da nova música de Gabriel O Pensador me fez lembrar algo interessante: https://www.youtube.com/watch?v=cBiKePi3QMY

Há mais ou menos duas décadas encontrei o advogado Andrés Castagnet num dos prédios da Justiça do Trabalho em São Paulo. Na rua, enquanto caminhávamos para um café ele me pediu para escutar a música Loira Burra: https://www.youtube.com/watch?v=XIsqSBE6w74

Depois ele me disse que queria processar Gabriel O Pensador. A esposa Andrés, uma advogada jovem e loira, havia sido ofendida no metrô por causa do cantor carioca. Ela estava indo a uma audiência. Quando entrou no vagão um punhado de garotos começou a rir e a cantar a música Loira Burra para humilhá-la.

Não precisei refletir muito para lhe dizer que não aceitaria o caso. Gabriel O Pensador não havia feito a música especificamente para ofender a esposa dele. Além disso, o cantor carioca não poderia ser responsabilizado pela conduta daquele punhado de garotos que usaram a música para ofender a loira dele no metrô. Por mais que alguém não gostasse das músicas dele, Gabriel O Pensador tinha direito constitucional de compor e de cantar não podendo sofrer indiretamente algum tipo de censura.

O tempo voou. A percepção do conteúdo da nossa constituição também levantou vôo.

Duas décadas depois, meninos abusados do MBL e procuradores do MPF defendem abertamente a perseguição contra professores e a censura de obras de arte que consideram impudicas. E como o ódio político se transformou em fonte do Direito (digo isto pensando especificamente no juiz que citou Bolsonaro numa sentença), Gabriel O Pensador pode acabar sendo processado criminalmente porque compôs e cantou a música Tô Feliz – Matei o Presidente.  

Inspirado na teoria utilizada por Deltan Dellagnol para fazer o PowerPoint e denunciar Lula, um procurador do MPF pode fazer o cálculo das probabilidades e concluir que a música de Gabriel O Pensador instiga a prática de terrorismo. O abuso da liberdade artística justificaria a condução coercitiva do cantor para depor na PF. A ordem para proibir a divulgação da música certamente poderá ser deferida com base na doutrina constitucional do presidenciável Jair Bolsonaro.

Regredimos. Nos dias de hoje, em razão da popularização do uso político/partidário do Direito por juízes e procuradores, seria possível ajuizar uma ação de indenização como aquela que eu recusei há mais de duas décadas. Apesar disso não me arrependo de ter concluído que Gabriel O Pensador não poderia ser processado por causa da música Loira Burra. Aliás, se alguém me apresentasse um problema semelhante minha conclusão seria a mesma. Não fui e não serei responsável pela destruição do sistema constitucional brasileiro.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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