Golpe poderá aprofundar o retrocesso na questão indígena, por Renan Trindade

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Golpe poderá aprofundar ainda mais o retrocesso na questão indígena

por Renan Trindade

A história dos povos indígenas presentes no território brasileiro é repleta de violência. Escravidão, genocídios, etnocídios e torturas são apenas alguns exemplos das crueldades que descaíram sobre eles. Esses atos hediondos se perpetuam até hoje, de forma que este é um embate que já dura mais de mil e quinhentos anos.

No momento do encontro entre europeus e indígenas ocorre um genocídio sem proporções, causado pela ação humana e pela ação de microrganismos. Uma população estimada hoje em milhões cai logo para um número não maior que 800 mil. Neste primeiro momento a matança foi principalmente fomentada pela ganância e pelo sentimento de superioridade dos grandes fazendeiros.

Com a chegada dos anos 30, principalmente por conta das ideias divulgadas pela CEPAL, o Brasil entra em seu período desenvolvimentista. A ideologia político-econômica busca um crescimento industrial e, consequentemente, da produção a quase qualquer custo. Todos os povos indígenas que se colocaram no caminho de uma estrada, no território da construção de uma hidroelétrica ou onde estavam presentes recursos importantes para este desenvolvimento, acabaram sendo forçosamente (e violentamente) realocados ou mortos. A SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), fundadas respectivamente em 1910 e 1967, foram utilizadas neste período para garantir este tipo de serviço.

Finalmente, na constituição de 1888, são garantidos direitos aos indígenas: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Constituição Federal de 1988). Isso, sem dúvidas, explica porque só nos tempos atuais esses povos voltaram a ter crescimento demográfico.

Mesmo com esses direitos previstos, os ataques continuaram. Em 2013 lideranças organizadas dos povos do Rio Negro escreveram uma carta acusando a constante ameaça de retrocesso dos direitos indígenas presente no congresso nacional. Afirmam: “Não aceitamos negociar nossos direitos já adquiridos. O usufruto exclusivo das Tis [terras indígenas] é e será nosso. Isso está no capítulo dos direitos indígenas da Constituição Federal de 1988 e na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Brasil, mas vemos total desconsideração desses e de outros Direitos Humanos protegidos também por Leis Internacionais. Pela maneira que o Estado brasileiro faz política com os povos indígenas, o Brasil não merece ter assento nos comitês e organizações internacionais. Não queremos a representação nessas organizações de um governo genocida como é o do Brasil atualmente”.

Vamos à alguns exemplos:

·         PEC 215/200 – Esta tem o intuito de dar exclusividade ao congresso sobe o processo de demarcação e homologação de terras indígenas, além de definir critérios para as mesmas. O erro aqui está em imaginar que o congresso pode, em alguma instância, representar a população indígena. Além disso, quem somos nós para decidirmos critérios fixos de demarcação de terras que não dizem respeito a nós mesmos? As terras indígenas podem estar em território nacional, mas cada uma delas pertence aos próprios indígenas e são estes que sabem os critérios subjetivos de demarcação de cada uma delas.

·         PEC 71/2011 – Diz respeito a ganancia dos grandes proprietários, que querem ser indenizados pelos territórios que perderam por conta da demarcação de terras indígenas. Esta PEC dificultaria, e muito, a demarcação das terras indígenas, sem contar que tornaria este processo muito mais caro. Também vale lembrar que os mais necessitados de indenização – essa é uma dívida maior que a externa – são os indígenas.

·         PL 1610/1996 – Procura facilitar o processo de exploração de recursos presentes em terras indígenas. Desse modo, mesmo tendo direito a terra, as riquezas pertenceriam aos grandes empresários.

A enorme influência de determinados setores da economia brasileira sobre o congresso sem dúvidas é o cerne desta constante ameaça. Recentemente tivemos uma amostra da não representatividade da câmara de deputados, demonstrando, juntamente, a fragilidade de nossa democracia. Enquanto o congresso representar interesses do agronegócio, de empreiteiras, de mineradoras e outros empreendimentos, no lugar de defender direitos essenciais da população, estas ameaças continuarão presentes.

É importante lembrarmos que a omissão do Estado também se classifica como violência. Grupos paramilitares são organizados com objetivo de praticar terrorismo com os povos indígenas. Além do crime de formação de quadrilha ser ignorado, permite-se que haja um domínio local dos fazendeiros, de uma forma que nos lembra bem a primeira república.

É difícil imaginar cenário pior, já que o PT é vice-campeão no ranking de contagem de projetos que atacam os direitos indígenas. Difícil, mas não impossível. No caso do golpe ser efetivado, os direitos indígenas devem pegar carona junto ao regresso de outros direitos sociais. Esse possível retrocesso diz respeito a um projeto liberal que pode entrar em curso com a derrubada da presidente Dilma Rousseff. Caso esses PLs e PECs em tramitação no congresso sejam aprovados, deixaremos de ver um estado omisso, e veremos a retomada de uma política que visa a extinção do índio.

Renan Trindade é antropólogo formado pela FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e pesquisador/ativista da questão indígena.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. 1.500 anos?

    o nobre antropólogo menciona guerras fratricidas? 

    talvez algum problema com Montezuma?

    a realidade é que nem neste tópico demos sorte: nossos índios sequer conseguem desenvolver uma tecnologia mínima de agricultura… os índios americanos constróem cassinos e compraram o Hard Rock Cafe.

    Nossos índios querem direitos? Que vivam como índios: sem TV, havaianas ou penicilina.

    sds

    Luiz Henrique

  2. Me desculpe o meu colega…

    …mas a história indigenista dele é superficial e mal contada, o artigo é meramente especulativo e não consegue tratar consistentemente e de forma causal articulada os movimentos objetivos da política.

    No fim das contas, tudo o que foi dito é muito próximo do mero truísmo, apenas com uma entonação algo sensacionalista.

    O buraco é mais embaixo, as dinâmicas são mais complexas, os atores são mais variados, os dados são mais vastos, e precisam ser melhor tratados.

    Dizer o que está dito na forma dessa postagem é mera superficialidade tendenciosa.

    É supremamente óbvio que governos conservadores sejam anti-indígenas. A pergunta que fica no ar é: por que também os governos Dilma não foram outra coisa que não igualmente anti-indígenas?

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