Grupo Guararapes é alvo de mais de 2 mil ações trabalhistas

Da Agência Saiba Mais

GUARARAPES RESPONDE A MAIS DE 2 MIL AÇÕES TRABALHISTAS NA JUSTIÇA

por Rafael Duarte

A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) cobrando R$ 37,7 milhões do grupo Guararapes Confecções S.A. por descumprimento da legislação trabalhista em relação aos empregados de facções de costura em 12 municípios do Rio Grande do Norte é apenas uma das mais de 2.300 ações que a empresa responde na Justiça. O número, no entanto, pode ser bem maior. É que o sistema de Processos Judiciais Eletrônicos do portal do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, onde parte dos dados estão disponibilizados, só concentra as ações digitalizadas a partir de 2013. Nem todos os processos estão concluídos.

Das 2.145 ações contra o grupo Guararapes Confecções S.A. no TRT, a empresa aparece como litisconsorte no polo passivo em 270, ou seja, nesses casos ela divide a responsabilidade com outra empresa. Já o Tribunal Superior do Trabalho concentra 162 ações. Os trabalhadores cobram na Justiça vários direitos descumpridos pelo grupo que vão desde más condições de trabalho, adoecimento e carga horária excessiva à queixas quanto à remuneração.

Vários desses processos surgiram a partir das denúncias realizadas pelos empregados das facções que motivaram a última ação do MPT, cobrando parcelas rescisórias que não foram pagas e, inclusive, alegando a responsabilidade da Guararapes pelo pagamento dessas verbas. A condenação de maior repercussão, no entanto, ocorreu em 2016, quando a Justiça determinou ao grupo Guararapes o pagamento de pensão vitalícia a uma de suas ex-funcionárias. Pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por jornada, tinha como meta colocar elástico em 500 calças ou costurar 300 bolsos. A vítima desenvolveu Síndrome do Túnel do Carpo, uma doença que provoca dores e inchaços nos braços.

Tanto no TRT como no TST os trabalhadores podem entrar na Justiça para requerer um direito negado pela empresa de forma individual, coletivamente ou amparados pelo sindicato da categoria.

O grupo Guararapes declarou guerra ao MPT em razão da mais recente ação civil pública. O empresário Flávio Rocha, porta-voz da empresa, culpou pessoalmente a procuradora do Trabalho Ileana Neiva pela perda de empregos que, segundo ele, a ação civil pode gerar no Rio Grande do Norte e, como já fez em outras oportunidades, ameaçou levar os investimentos do grupo para outros estados, como o vizinho Ceará, onde a Guararapes já possui projetos.

No sábado (16), o ex-presidente do Tribunal de Justiça do RN Cláudio Santos, cotado como um dos pré-candidatos ao Governo do Estado em 2018, convocou uma manifestação no município de São José do Seridó que contou com a participação de políticos do interior, da capital, além do governador Robinson Faria. Uniu-se a eles, uma claque de trabalhadores para engrossar o protesto contra o MPT.


Guararapes responde a mais de 2,3 mil ações trabalhistas na justiça (Foto: Vlademir Alexandre)

Inspeção

O processo que deu origem à ação civil pública se baseia no trabalho de inspeção realizado por um grupo de procuradores em 43 facções instaladas em 12 municípios do Estado. Do total de empresas vistoriadas, 29 prestavam serviço exclusivamente para o grupo Guararapes, por meio do pró-Sertão, programa de incentivo ao empreendedorismo idealizado pela Guararapes Confecções S.A. e criado pelo Governo do Estado em 2013 para atender o plano de crescimento das lojas Riachuelo no país. As 14 facções vistoriadas restantes prestam serviço tanto para a Guararapes como para a Hering SA.

Durante as visitas de inspeção, os técnicos do MPT constataram que o grupo Guararapes subcontrata as facções e mantém sob seu controle a produção, a administração e a economia dessas pequenas empresas. Segundo a ação civil pública, os inspetores encontraram empregados das facções recebendo remuneração menor e com menos direitos trabalhistas que os funcionários contratados diretamente pela Guararapes.

– Na inspeção, foram ouvidos trabalhadores e faccionistas, que relataram as dificuldades financeiras pelas quais vêm passando para pagar salários, 13º e férias, pois o preço da costura das peças, fixado pela Guararapes (atualmente R$ 0,35 o minuto), não é suficiente para cobrir os custos operacionais.

Outro indício de que as facções são extensões precarizadas da Guararapes é que funcionam em pequenos parques industriais montados sob estímulo do grupo com maquinários específicos e voltados para a produção do tipo de roupa confeccionada e enviada pela Empresa.

– Não há, nos contratos firmados, nenhuma garantia de demanda mínima de serviço, de modo que essas empresas funcionam em estado de profunda dependência econômica da contratante, sob seu estrito controle operacional, com reduzidíssima margem de lucro projetada, destituídas de qualquer lastro financeiro para negociar melhores condições de trabalho e para investimento em saúde e segurança do trabalhador. A Ré controla o emprego e desemprego de mão de obra na empresa contratada, na medida em que define unilateralmente a demanda de serviço destinada a cada empresa de facção, determinando o destino e a sorte dessas pequenas unidades fabris, economicamente dependentes da tomadora.

Os procuradores chegaram à conclusão de que as empresas de facção, na verdade, funcionam como verdadeiros departamentos produtivos da empresa contratante, inteiramente integrados à sua dinâmica empresarial, apenas com personalidade jurídica própria e vinculados contratualmente para disfarçar a real subordinação operacional, produtiva e econômica à Guararapes. Para o MPT, a empresa acusada tenta driblar a legislação para reduzir custos.

– Ao remeter às facções a estrutura empresarial destinada à costura de roupas, mantendo, no entanto, sobre elas rígido controle administrativo e operacional, a Guararapes simula o mecanismo de externalização de serviços para reduzir o custo de produção, isentar-se do risco da atividade econômica e evadir-se de obrigações fiscais e trabalhistas. Com isso, deixa de admitir diretamente os empregados e de arcar com seus direitos trabalhistas e se omite do dever legal de garantir a adequação do meio ambiente de trabalho em que se desenvolve a atividade central de seu objeto social, em profundo prejuízo ao cumprimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores (Constituição, art. 7º).

Pró-sertão não gerou emprego, segundo MPT

Diante da repercussão na imprensa capitaneada pelo empresário Flávio Rocha, o MPT divulgou uma nota explicando as razões pelas quais decidiu ajuizar a ação civil pública. No comunicado, os procuradores atacam uma das principais bandeiras do grupo Guararapes em relação ao programa Pró-sertão: a geração de emprego. A partir das inspeções nas facções e do cruzamento de dados com o quadro de pessoal da Guararapes foi constatado que o programa criado para beneficiar as lojas Riachuelo não gerou novos postos de trabalho no Estado.

– A própria Guararapes informou que transferiu 17% da sua produção, no Município de Extremoz, para as facções do Pró Sertão. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho demonstra que não houve criação de novos empregos, pois em dezembro de 2013 (ano de criação do Programa Pró Sertão) a Guararapes contratava 10.034 empregados, e em abril de 2017, o seu quadro de pessoal era de 7.539 empregados.  A conclusão é que a Guararapes não gerou novos empregos no RN, mas transferiu empregos diretos da sua fábrica para as facções, transferindo para essas microempresas todo o risco da atividade econômica. 


Procuradores do MPT afirmam que Pró-Sertão não gerou novos postos de trabalho (Foto: Vlademir Alexandre)

Os procuradores também explicam na nota que muitas facções já foram forçadas a encerrar suas atividades e seus proprietários se encontram endividados porque foram obrigados a financiar as máquinas e equipamentos de costura, adquiridas de acordo com as especificações técnicas fornecidas pela Guararapes, para a costura de jeans.

O que também motivou a ira do empresário Flávio Rocha, ao ponto de atacar pessoalmente a procuradora responsável pela ação, foi o valor da indenização por dano moral determinada pelo Ministério Público. O montante, explica a nota, é referente a 10% do lucro líquido do grupo Guararapes de 2016.

– O pedido de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 37.723.000,00 (trinta e sete milhões setecentos e vinte e três mil reais), corresponde a parte do lucro obtido com o trabalho das facções. O lucro líquido consolidado da Guararapes/Riachuelo, em 2016, foi de R$ 317.600.000,00 (trezentos e dezessete milhões e seiscentos mil reais). Em caso de condenação, o valor deverá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.

Flávio Rocha acusa procuradora de perseguição

O empresário Flávio Rocha publicou, durante o final de semana, um desabafo em sua conta pessoal no Instagram em que acusa a procuradora Ileana Neiva de perseguição. Em nenhum momento, porém, o CEO do grupo Guararapes rebate as acusações de que a empresa subcontrata as facções e mantém o controle da produção, administração e da própria economia, com empregados trabalhando mais recebendo menos do que os funcionários contratados diretamente pela Guararapes.

Abaixo, o depoimento publicado pelo empresário:

Dr. Ileana Mousinho, eu me dirijo à senhora não como acionista e gestor. Não como dono da Guararapes ou da Riachuelo, mas como porta voz de toda a cadeia produtiva de um setor que é uma vocação do nosso estado. Os trabalhadores que espontaneamente gravaram esse vídeo e me mandaram e mais 40.000 colaboradores diretos da nossa empresa me delegaram essa condição. Tecelões, costureiras, operadores de callcenter, motoristas de caminhão, caixas, vendedores, próprios, terceirizados, nos 27 estados da federação.

A maioria, 20%, ainda no RN. Mas já foram, antes da senhora entrar na nossa vida em 2008, mais de 60% só no nosso Estado. Eram 20.000 só nessa unidade que o vídeo mostra. Era a maior fábrica de confecção do mundo. Todo o mal que a Sra. pensa que está fazendo ao meu pai Nevaldo recai sobre esses pais e mães de família do vídeo tantos outros que a Sra. acha que defende. Desde que a Sra começou a nos perseguir a nossa empresa cresceu muito, mas o RN, para nossa tristeza, pouco tem se beneficiado desse sucesso.

Ao nos expulsar do nosso próprio estado, a Sra. nos obrigou a construir novas fábricas em outros estados e países que nos recebem com o respeito que merece quem cria empregos e riquezas. É em nome deles, Doutora, que pedimos que pare e nos deixe trabalhar. A Sra. tem sistematicamente enviado denuncias infundadas a todas as delegacias do MPT de todos os estados. Com exigências absurdas que não faz a nenhum dos nossos concorrentes.

Por que só nós? Agora, tenho sido informado por jornalistas de grandes órgãos de imprensa que a Sra. ocupa o seu tempo para pautar jornais e redes de TV nacionais com injúrias a respeito da Guararapes, sobre minha pessoa e até sobre minha família. Por que tanto ódio, Dra.? Estive com a Sra. por alguns minutos quando tudo isso começou. Tentei já naquele momento mostrar o dano que iria causar.

Tentei mostrar-lhe o que considero ser a minha missão nessa passagem terrena que é transformar o RN na “Galícia Potiguar”. Vejo que não consegui, mas o sonho não morreu. O nosso setor tem o potencial de transformar a realidade socioeconômica do RN. Basta que a senhora deixe o ódio de lado e nos deixe trabalhar.

Redação

8 Comentários

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  1. Teve um ministro do supremo

    Teve um ministro do supremo que disse que no Brasil se concentra quase a totalidade das causas trabalhistas…

    E por isso, a reforma trabalhista era necessária.

    A gente que não é tão douto em direito e muito menos direito trabalhista fica cismando com estes dados…

    Deste percentual maior do mundo, a quantos deles, deu a justiça do trabalho o ganho de causa para o trabalhador?

    Se foi um número maior que 50%, deveria a justiça ser reforçada e nunca se alterar a lei.

    Por que pensa lá…

    Se você contrata, tem que saber de leis, mais ou tanto quanto quem é contratado  e ainda assim é mais que 50%, sem a lei vai ser escravidão…

    O gringo pode ter notado que o ministrou ou não notou de esperto ou faz parte da patranha…

  2. Facção é outra coisa

    No meio da indústria de tecelagem e confecções, fação (e não facção) é o nome que se dá à atividade terceirizada dos operários que trabalham como prestadores de serviços às empresas fabricantes de tecidos ou de artigos do vestuário. Essa atividade é considerada pelos empresários como sendo sem vínculo empregatício. Os façonistas não recebem direitos trabalhistas, portanto. Daí a grande quantidade de ações trabalhistas. A expressão “façonista”, não dicionarizada, é usada como sinônimo de “fazedor”, “aquele que faz”. Facção é outra coisa, é só consultar os dicionários para confirmar.

  3. Sobre a matéria tenho apenas

    Sobre a matéria tenho apenas uma prova do que foi esclarecido sobre a explração de mão-de-obra, o adoecimento dos funcionários da Guararapes,  e a recusa dos patrões em acatar a situação de cada um.

    Conheci por vários anos um motorista de táxi, que me conduzia aqui em Natal. Entrava ano e saía ano e a história dos problemas de saúde da esposa dele era a mesma: dores lancinantes nos braços, impedida de trabalhar, mesmo assim sem conseguir licença quando se dirigia aos médicos. Então continuava morrendo de dores e trabalhando sob a batuta do chefe. Até que chegou a um ponto que um médico lhe concedeu uma licença, depois outra,… Sem mais condições nenhuma pra fazer os deveres de casa, requereu a aposentadoria. Após uma longa caminhada de sofrimento, tirando licença, e tentando a aposentadoria, finalmente conseguiu. 

    Essa mulher tem hoje quase 60 anos, e, segundo ouvi ontem mesmo do esposo, o taxista, ela ainda é vítima de muitas dores, mas no momento a gente nem discutiu nada sobre a Guararapes. Nunca me foi dito que ela sofria de Síndrome do Túnel do Carpo, mas eu sabia que algo havia comprometido em definitivo os tendões das mãos dela para esse problema ter chegado a tal nível. 

    Considerando ser uma pessoa muito simples, semi-analfabeta, contentou-se em se aposentar com um salário-mínimo, e nunca questionou nada sobre seus direitos trabalhista, considerando que sua hoje incapacidade até pra lavar pratos, segundo o marido, teria que ter sido levado à Justiça.

    Mas tem outro ingrediente esse problema da citada mulher, empregada da Guararapes. É que quem tem muito dinheiro e prestígio político no Nordeste, em geral tem também a justiça a seu favor, sem contar a própria imprensa local. 

    Vejo uma reportagem dessa aqui no GGN, e pelos jornais do RN, incluindo os das televisões, nunca vi nada a respeito desse assunto Quando se reportam à Guararapes é para tecer muitos elogios aos donos, enquanto os incautos se orgulham de terem no seu estado uma grande indústria.

    Enfim, eu vou me pegar com essa matéria para alertar o taxista para que ele conduza sua esposa para entrar na Justiça do RN expondo seu caso, e reivindicando seus direitos, que tem, com certeza, pelo que sobrou dos seus braços após tantos anos de trabalho escravo.

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