O direito a ter o direito de decidir, por Maria Luiza Quaresma Tonelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O direito a ter o direito de decidir, por Maria Luiza Quaresma Tonelli

Nesse turbilhão de acontecimentos em torno das candidaturas, pouco foi abordado e debatido por aqui o tema da descriminalização do aborto em audiência realizada no STF durante dois dias. Trata-se de uma ação proposta pelo Psol para que o STF decida que a mulher possa interromper a gravidez até a 12a. semana de gestação. 

Trata-se de uma questão polêmica que deveria ser decidida pelo legislativo, o poder que tem, na democracia, a prerrogativa de legislar. Como o aborto é uma questão de saúde pública (milhares de mulheres pobres morrem anualmente por realizarem aborto em clínicas clandestinas ou realizados por elas próprias) e dado que um congresso majoritariamente conservador não se disporia sequer a debater tão grave problema, a questão foi judicializada (levada para o tribunal). 

Durante dois dias foram ouvidas, de um lado, as pessoas que defendem a descriminalização do aborto como direito da mulher de decidir que não deseja levar a gravidez a termo e como questão de saúde pública e, de outro lado, as que são contra sob o argumento de que são a favor da vida desde a concepção. Questão polêmica também, uma vez que não há consenso nem na comunidade científica a respeito de quando a vida tem início. Um embrião nem sequer é ainda um feto e nem é uma pessoa, ou seja, um sujeito de direito.

Valores morais e religiosos fundamentam os argumentos dos que se colocam contra a descriminalização do aborto. Fundamentos éticos pautaram os argumentos dos que defendem a sua descriminalização. A democracia, o regime dos direitos e da luta por direitos novos, se caracteriza pela pluralidade de valores, de ideias e de credos de todas as ordens e sobretudo, pelo respeito à diversidade. 

Ao Estado Democrático de Direito cabe garantir direitos conquistados e o respeito à luta por novos direitos sem que a imposição de valores morais ou religiosos se sobreponham às necessidades éticas de uma sociedade. 

Aborto não é método contraceptivo, que previne a gravidez. Aborto é a interrupção de uma gravidez. Trata-se de uma decisão difícil tomada por uma mulher que não deseja ou não pode, por inúmeras razões, ter um filho em determinadas circunstâncias de sua vida. 

A descriminalização do aborto é a despenalização da interrupção voluntária de uma gravidez indesejada, garantindo, além disso, a realização de aborto seguro impedindo a morte de milhares de mulheres, principalmente as das camadas mais pobres da população (porque as mulheres das classes média e alta fazem aborto em clínicas particulares e não correm risco de vida). 

Ser a favor da descriminalização do aborto nada tem a ver com ser a favor do aborto, mas a favor do direito da mulher decidir sobre seu corpo, sua vida e de suas escolhas. Posso ser contra o aborto mas não tenho o direito de, em nome de meus valores, condenar milhares de mulheres à morte em decorrencia de abortos clandestinos, porque as mulheres continuarão abortando quando decidirem que é necessário. Ser a favor da descriminalização não é a mesma coisa que defender o aborto. É ser a favor do direito à vida da mulher. Ser contra a discriminalização do aborto é negar à mulher do direito de não levar uma gravidez adiante, é punir a mulher que não deseja ou não pode ter um filho. Maternidade é escolha e possibilidade, jamais um dever, muito menos uma punição para quem “transou e não se cuidou”, como afirmam muitos que são contra a descriminalização do aborto. 

Que o STF decida em favor da vida. Da vida das mulheres que têm, numa democracia, o direito a ter o direito de decidir.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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