Os direitos dos estrangeiros no Brasil

Jornal GGN – Em artigo na Carta Capital, Ricardo Palacios fala sobre a proibição que o Brasil impõe a estrangeiros de fazer militância em sindicatos e partidos. De acordo com ele, são feridas ainda abertas da Ditadura Militar.

Essas normas refletiam a percepção que a ditadura tinha dos estrangeiros. Por um lado constituíam potencial ameaça à ‘segurança nacional’, entenda-se ao regime militar, por questionarem o que estava acontecendo. De outro lado, considerando que esse período coincide com a Guerra Fria, estrangeiros poderiam trazer ideologias consideradas perigosas. Por último, não há que esquecer que as ditaduras da América do Sul tinham acordos de repressão cruzada aos opositores na aliança tristemente conhecida como Operação Condor”. 

Ele trouxe o assunto à tona para falar sobre a intimação que a professora de Direito da UFMG recebeu da polícia federal. Maria Rosaria Barbato é italiana.

Abaixo, a íntegra do artigo:

Da Carta Capital

O espírito da ditadura não morreu para Maria Rosaria Barbato

Por Ricardo Palacios 

Professora italiana de Direito da UFMG é intimida por estar “militando em sindicatos e partidos”; restrições foram criadas em Decreto-Lei de 1969

No passado 5 de Maio, um amigo brasileiro que também possui cidadania italiana e faz pós-graduação na Inglaterra publicou uma foto dele no posto onde votou nas eleições locais, em uso de seus direitos políticos nesse país.

Em contraste, cinco dias depois, em Belo Horizonte, a Polícia Federal intimou a professora da Faculdade de Direito da UFMG, Maria Rosaria Barbato, de nacionalidade italiana, por fazer uso de direitos políticos neste país militando em sindicatos e partidos.

As proibições aos estrangeiros no Brasil e sua forma expedita de expulsão são feridas ainda abertas dos anos de chumbo da ditadura militar. As restrições descritas no Decreto-Lei 941 de 1969, promulgado nos primeiros meses de vigência do infame Ato Institucional 5 de 1968, foram mantidas até hoje no Estatuto do Estrangeiro vigente, Lei 6815 de 1980, também promulgada em ausência de democracia.

Essas normas refletiam a percepção que a ditadura tinha dos estrangeiros. Por um lado constituíam potencial ameaça à “segurança nacional”, entenda-se ao regime militar, por questionarem o que estava acontecendo.

De outro lado, considerando que esse período coincide com a Guerra Fria, estrangeiros poderiam trazer ideologias consideradas perigosas. Por último, não há que esquecer que as ditaduras da América do Sul tinham acordos de repressão cruzada aos opositores na aliança tristemente conhecida como Operação Condor. 

Caiu a ditadura brasileira em 1985, entrou em vigor a Constituição Cidadã em 1988, caiu o Muro de Berlim em 1989, mas o espírito dos anos de chumbo e da guerra fria do Estatuto do Estrangeiro seguem vivos entre nós.

Quando cheguei ao Brasil, 15 anos atrás, a Polícia Federal em São Paulo funcionava num edifício deteriorado na região da Luz. Eu lembro que para mim foi estranho ver que eles usavam computadores com monitores de fósforo verde quando o resto do planeta usava monitores coloridos com Windows 98.

As filas eram intermináveis e os funcionários escassos e sobrecarregados. Uma experiência radicalmente diferente de quem visita hoje o moderno prédio da Polícia Federal de São Paulo, que já foi visto tão frequentemente no noticiário.

As mudanças acontecidas nos últimos governos não foram limitadas a uma Polícia Federal que obteve recursos e se automatizou nos últimos treze anos. A visão sobre o estrangeiro foi modernizada também. Tive oportunidade de presenciar e escutar de amigos como a atitude dos funcionários desse órgão para com os estrangeiros mudou e tornou-se mais compreensiva.

Em termos de legislação, tivemos uma anistia que permitiu acolher centenas de pessoas de outros países exploradas em condições análogas à escravidão e foi colocado em prática o Acordo de Residência de Mercosul e Associados que abriu oportunidades sem fronteiras tanto aos cidadãos brasileiros como aos de outros países que fazem parte do acordo.

Esses ganhos promovidos na Polícia Federal e nas normativas devem ser preservados. Mas ainda, a criação de uma verdadeira lei de migrações é dívida histórica do Brasil e não foi priorizada por  nenhum dos governos democráticos após a ditadura.

A nacionalidade é para a maior parte das pessoas um assunto incidental relacionado com seu nascimento e o nascimento de seus progenitores. Ninguém pediu para ganhar a nacionalidade que obteve ao nascer. Simplesmente acontece.

A qualidade de nacional ou estrangeiro, na prática, pode ser algo tão irrelevante que tenho dezenas de amigos que ostentam a cidadania italiana e podem votar nas eleições desse país sem saber como manter uma conversação em italiano ou ter colocado os pés no solo desse país europeu.

E não estão errados em procurar se fazer cidadãos italianos para obter certas vantagens. O errado é que as oportunidades sejam negadas às pessoas por causa de sua nacionalidade incidental. Não podemos limitar como estrangeiro a quem por acaso nasceu longe, devemos acolher ao migrante como ser humano com plenos direitos.

Entre as oportunidades que qualquer ser humano deveria ter, independentemente de onde nasceu ou onde nasceram seus progenitores, é de migrar e se estabelecer onde preferir, construir uma vida e participar ativamente de sua comunidade, inclusive da política.

De fato, estrangeiros residentes em cidades colombianas, inclusive brasileiros,  votam nas eleições municipais desde 2007. Algo análogo parece que não acontecerá tão cedo no Brasil.

Neste tempo turbulento, vi o que não tinha visto nestes quinze anos anteriores no Brasil. Sempre me senti acolhido. Mas pessoas de meu entorno que sabiam que tinha nascido em outro país me advertiram da vigência do Estatuto do Estrangeiro promulgado pela ditadura. Alguns porque queriam meu bem e viam a mudança de maré. Outros porque queriam silenciar minha voz.

Curiosamente, muitos desses defensores ocasionais da repressão aos estrangeiros são eles próprios filhos ou netos de migrantes ou querem migrar ou que seus filhos migrem. Mas imbuídos de ódio, não toleram ninguém que pense diferente. Como no Brasil dos militares do “Ame-o ou Deixe-o”.

Eu escolhi ser brasileiro. Não foi incidental. Foi para exercer meus direitos políticos. Não vou calar. E escrevo aqui para denunciar que o espírito da ditadura não morreu para a professora Maria Rosaria Barbato. E segue vivo para  reprimir muitos outros seres humanos, tenham ou não a nacionalidade brasileira.

Ricardo Palacios é médico, brasileiro naturalizado e estuda Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. As opiniões expressadas neste artigo não representam a posição de instituição alguma.

Redação

9 Comentários

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  1. Me expulsem

    Vai ser uma farra:

    Tentem imaginar um sujeito anônimo, mandado de volta ao país de origem, explicando para as autoridades porque foi expulso do Brasil.

    A imprensa holandesa iria fazer uma festa, matérias para vários dias, entrevistas na TV sobre um cidadão “ordeiro e leal ao Rei” (a Holanda é uma monarquia) que foi expulso pelos “gorilas” brasileiros.

    Se o Ministro Çerra visitar Amsterdam, iriam me colocar na primeira fila só para provocar.

    E render ótimas fotos e imagens para os jornais.

    Meus amigos, propaganda é isso aí!

  2. é a volta da lei de segurança

    é a volta da lei de segurança nacional, entulho da ditaudra

    que volta sob uma capa de mordomo de vsmpiro…

    é preciso então resgatar a teoria  da

    desobediencia civil de thoreau…

    boicote  a tudo isso, a todas a infamias, a todos os

    produtos dos que sao favoráveis ao golpe…

  3. Andres (Guatón) Romo, da Dina

    Andres (Guatón) Romo, da Dina de Pinochet, quando foi descoberto em Campinas, fazia parte da militância do PMDB naquela região. 

     

  4. Depende da origem.

    Depende da origem. Estadunidenses costumam ser endeusados pela classe média e podem, sim, dar palpite na política nacional. A propósito dá para esquecer a pataquada que foi cidadãos brasileiros preenchendo formulário exclusivo para cidadãos estadunidenses, pedindo que Obama, de alguma forma, interviesse e demitisse Dilma Rousseff?

    Que povinho…

  5. O Brasil é, junto com a Coreia do Norte, um dos países que mais

    dificuldades impõe para um estrangeiro conseguir um visto de estudante.  Todos os cursos de Português para estrangeiros das Universidades Brasileiras, incluindo os caríssimos cursos da PUC, dizem em letras bem claras que para se matricular no curso o estrangeiro precisa ter visto de estudante. Por outro lado, para conseguir  um visto de estudante o estrangeiro precisa de um documento da escola onde ele vai fazer o curso, coisa que elas se recusam a dar.  Conclusão, é impossível a um estrangeiro aprender Português em uma universidade brasileira num curso que  seja de extensão.    O Brasil, diferente de países como a China, não permite que um estrangeiro que aqui veio com um visto de turista possa  se matricular num curso de Português  e solicitar o visto de estudante, isto é, mudar o seu visto de turista para o de estudante.  Ele precisa voltar para o seu país de origem para solicitar o visto.  Só depois poderá voltar para  o Brasil.  

    O Itamaraty está tão preocupado na política de reciprocidade que não se dá conta que hoje é mais fácil conhecer Beijing sem visto do que qualquer cidade brasileira. Qualquer turista que vai fazer uma parada no Aeroporto de Beijing pode solicitar um visto no aeroporto  e ficar 72 horas naquela cidade.  O mesmo se aplica com  Shangai.

    O Brasil é um país que onde é mais fácil ficar como ilegal do que se legalizar.  Agora eles querem resolver esta questão. Sabem como? Não, não é modificando as restrições, mas aumentando brutalmente a multa que o estrangeiro terá que pagar se ficar aqui além do tempo previsto no seu visto.

    Yes, nós temos banana. Banana para dar e vender, a preço de ………banana.

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