Síndrome do impostor e as mulheres, por Matê da Luz

por Matê da Luz

Antes de escrever esse texto, confesso, fiquei com preguiça. É esta a sensação, aliás, que tem acompanhado com recorrência meus pensamentos quando me conecto com temas relacionados ao feminismo. Sabe quando você abre seu guarda-roupas e ele está tão bagunçado que você decide que simplesmente não vai mexer ali? Pois bem, é mais ou menos assim. 

Tudo isso porque, particularmente e ao mesmo tempo tenho consciência que não só particularmente, questões profundas relacionadas ao SER MULHERES são tão machucadas por aqui (e, infelizmente, eu sei) e por aí que a escolha mais superficial de tentar não me envolver com isso é a que parece mais simples. Acontece que a alma de Iansã não é essa e, então, preciso falar sobre alguns temas. 

A Síndrome do Impostor é uma delas. 

Esta síndrome, mais comum em 70% mais mulheres do que homens, dá conta de que “[…] Elas se convencem de que os elogios e reconhecimento de outros em relação à sua conquista não são merecidos, atribuindo suas realizações à sorte, a algum encanto repentino, contatos ou outros fatores externos […]Não importa o que tenha realizado ou o que as pessoas pensam, no fundo, você está convencido de que é um impostor, uma farsa, uma fraude.”

Soa, facilmente, como a descrição de uma história sobre uma mulher qualquer – ou de muitas delas. 

A origem dessa percepção que, como uma das consequências pode gerar a exaustão – de tanto tentar provar pra si mesma e pros outros que é capaz, sim!, pra dizer o mínimo – é lá na infância, este berço de traumas (adorei a percepção de uma amiga e vou adotar aqui, ah, vou sim!). Acho que não é mais preciso detalhar o contexto diminuto e opressor onde a mulher é inserida desde pequena, numa comparação à princesa que precisa se dar mal pra ser salva, caminhando rapidamente pra uma opressão em expressar sua liberdade – sexual, profissional, materna – para não sofrer as consequências. 

Percebe? Somos tolhidas do começo ao fim – literalmente, vide a história recente da moça que estava no avião do Tori e os questionamentos bizarros sobre alguém que morreu! 

Estudar um pouco sobre essa síndrome fez meu coração bater mais quentinho, com informação de que, de repente, eu sou suficiente sim, sou merecedora do que conquisto e de que, mais ainda, o fazer compensa. Mesmo que pra mim, só pra mim, exclusivamente pra mim, que tenho me encontrado tão importante pra quem me importa – e que olhar pra dentro, num mundo esquisito e de aflições tão superficiais, é uma excelente saída. 

Aqui, transcrevo um artigo que dá conta da síndrome mais detalhadamente: 

Muita gente acredita que não merece o sucesso, mesmo quando trabalhou duro para atingir seus objetivos e é reconhecida por suas realizações. Essas pessoas, na maioria mulheres, senten-se farsantes e convivem com o medo constante de que seu suposto engodo seja descoberto.

Revista Scientific American – por Birgit Spinth

Foi realmente uma prova excelente. Você não quer iniciar seus créditos da pós-graduação sobre esse tema? Passe em minha sala para uma conversa.” Assim a professora se despede de Lina após sua prova no final do ano letivo. A matemática recém-formada, no entanto, não consegue se alegrar com o elogio. Em sua cabeça circula um turbilhão: “Essa professora é realmente simpática, e ela só me per­guntou coisas fáceis. Foi sorte! Agora eu preciso evitar uma conversa mais técnica ou ela ainda vai perceber que só blefei – e vai descobrir que sei muito pouco, bem menos do que deveria!”. Lina fica remoendo esses pensamentos até ter certeza: apesar de ter obtido excelente nota nos exames, não vai aceitar a oferta da professora em hipótese alguma.

Aprovada com louvor na prova para a qual estudou muito, a jovem sente-se uma farsante. Lina é atormentada pela “síndrome do impostor”. Pessoas afetadas por esse fenômeno não acreditam que seus sucessos possam ser atribuídos à sua própria capacidade. Em al­guns casos, estão convencidas de que a boa avaliação de seu desempenho deve-se apenas ao seu charme ou a seus relacionamentos. Em outros, convencem-se de que foram be­neficiadas simplesmente por um feliz acaso. Mas com frequência comparam-se a outras pessoas e duvidam da própria capacidade. Curiosamente, essas ideias surgem com frequ­ência em pessoas com um bom currículo e até com histórico de ótimos desempenhos.

Trata-se inicialmente da tendência a não se considerar responsável por resultados positivos, atribuindo-os a circunstâncias externas. Pessoas com essa síndrome, porém, vão além: elas se sentem realmente impostoras que obtiveram sucesso por meio de fraude e não o mereceram. E, por causa disso, vivem com o medo constante de que alguém descubra sua suposta farsa.

Nos últimos anos, alguns pesquisadores estudaram características psíquicas daqueles que costumam se torturar com esses pensa­mentos. O psicólogo Scott Ross, da Universi­dade DePauw, em Greencastle, no estado ame­ricano de Indiana, concluiu em 2001 que as pessoas afetadas pelo sentimento de que são uma fraude, de maneira geral, apresentam bai­xa autoestima, às vezes disfarçada por atitudes aparentemente arrogantes ou simpatia exage­rada. Isso é associado à sensação frequente 
de medo, sem causa específica, segundo descobriram em 2006 as psicólogas Shamala Kumar e Carolyn Jagacinski, da Universidade Purdue, em West Lafayette, Indiana, ao realizar uma enquete com 130 estudantes.

Em alguns casos, o medo de ser descober­to pode estar associado a distúrbios psíquicos ou deficiências físicas. Em 2002, a psicóloga Naijean Bernard, da Universidade Southern Illinois, em Carbondale, coordenou uma equi­pe de pesquisadores que examinou quase 200 universitários por meio de questionários. Os estudiosos descobriram uma ligação entre os pensamentos associados à síndrome do impostor e tendências depressivas – uma constatação várias vezes confirmadas nos anos posteriores.

• Peso na consciência

A expressão “fenômeno do impostor” foi usa­da pela primeira vez no final dos anos 70 pela psicóloga Pauline Clance, da Universidade do Estado da Geórgia, em Atlanta. Segundo ela, os paciente que apresentavam essa ma­nifestação têm uma dolorosa consciência de suas fraquezas. Ao mesmo tempo, tendem a supervalorizar a capacidade e os pontos fortes dos outros – e sempre se consideram em desvantagem. Não é de admirar que essas pessoas tenham baixa autoestima.

Clance já supunha que principalmente as mulheres eram suscetíveis a esse tipo de fun­cionamento psíquico. Em um estudo recente, realizado na Universidade de Heidelberg, Ale­manha, Christine Roth examinou, junto comigo, a disseminação da síndrome do impostor entre estudantes de psicologia. Como se trata de um curso com vagas limitadas e bastante concorri­do, a maioria dos estudantes havia sido muito bem-sucedida na escola – eles preenchem, portanto, uma importante condição para o fenômeno do impostor. E, de fato, a porcenta­gem de mulheres dentro do grupo que relatou ter esse tipo de pensamento autopersecutório era evidentemente mais alta do que entre os estudantes sem esse peso na consciência.

Vários outros estudos apoiam essa constatação. A suposição leva a crer que o fenômeno também contribui para o fato de as mulheres ainda estarem raramente representadas em po­sições de ponta em sua vida profissional. Apesar de as meninas terem, em média, melhores notas escolares e completarem os estudos universitários com frequência bastante aproximada à de seus colegas do sexo masculino, aparentemente o sucesso parece imerecido para muitas delas. O tema, entretanto, ainda é controverso.

Mas como é possível que pessoas que sem­pre conseguem ter bons desempenhos, muitas vezes até acima da média, não acreditem em sua capacidade? Os sentimentos associados à síndrome do impostor são provavelmente tão perseverantes porque se estabilizam em um círculo vicioso psíquico. Para que “a fraude não seja revelada” em uma situação que de­ penda do desempenho, como, por exemplo, uma prova, as pessoas adotam uma entre duas estratégias: “overdoing” (fazer demais) ou “underdoing‘ (fazer de menos). No primeiro caso, se preparam de forma exageradamente longa e intensiva para uma situação onde seu desempenho será avaliado. Com isso, elevam a probabilidade de obterem um bom resultado. E, se isso ocorre – e geralmente ocorre – atribuem o sucesso não a sua capacidade, mas ao grande esforço. Ao mesmo tempo, têm consciência de que não poderão sempre empenhar-se, o que reforça o medo de não conseguir resultado semelhante no futuro.

• Sorte ou competência

No caso do underdoing, ocorre inicialmente o contrário: as pessoas se preparam pouco ou tarde demais para uma situação de avaliação e, em vez disso, se ocupam de outras coisas. O psicólogo social Edward Jones (1927-1993) denominou esse comportamento como “self­-handicapping“, referindo-se àqueles que colocam pedras no próprio caminho na medida em que pouco se esforçam ou rejeitam ajuda ofertada, protegendo-se, no caso de insucesso, de ter de atribuir o fracasso a si mesmo. E assim cultivam a crença de que teriam conseguido se realmente quisessem. Dessa forma, porém, sabotam o próprio desempenho.

Se, no entanto, a pessoa com a síndrome do impostor soluciona bem uma tarefa, apesar de ter criado obstáculos para si mesma, mesmo assim raramente atribui o sucesso a sua própria capacidade, mas à sorte. Por isso, os afetados que utilizam a estratégia do underdoing também são bastante inseguros quanto ao próprio futuro.

Como é possível romper o ciclo do pen­samento daqueles que sofrem de síndrome do impostor? Pauline Clance, que estudou o fenômeno, acredita que um ponto de partida central seja aprender a atribuir os sucessos à própria capacidade quando isso é justo. Ainda que no início pareça estranho, trata-se de suportar o sucesso – e arcar com as respon­sabilidades que advêm dele. Por exemplo: se a pessoa recebe uma promoção no trabalho terá de se haver com mais tarefas, cobranças e necessidade de tomar decisões nem sempre confortáveis. Aceitar as próprias vitórias ajuda a lidar com eventuais frustrações, sem cultivar a ideia de que um eventual fracasso colocará absolutamente tudo a perder. Trata-se, na verda­ de, de compreender que temos capacidades e podemos, sim, eventualmente, errar- sem que isso seja irreparável. Também vale a pena rever a explicação “eu só tive sucesso porque me esforcei muito” – comumente bastante aceita. É fundamental aprender a adequar a quantida­ de de trabalho e os investimentos necessários em cada situação. Considerando o outro lado dessa moeda, pode parecer muito cômodo explicar insucessos com causas que podem ser facilmente modificadas – como o pouco esfor­ço ou a estratégia de estudos inadequada. O problema é que, agindo assim, a pessoa nunca saberá, de fato, o que pode obter.

Um caminho possível para reverter essa forma de lidar consigo mesmo e com os desa­fios é fortalecer a autoestima, o que ao mesmo tempo diminui o medo e a tendência à invali­dação de si. Exercícios práticos para aprender a reconhecer- e valorizar – realizações pessoais, como fazer listas dos próprios pontos fortes e rever situações em que a pessoa teve sucesso, destacando as qualidades que a favoreceram em cada ocasião, podem ser muito úteis. Mas o acompanhamento psicoterápico, que favoreça a elaboração de conflitos antigos que alicer­çam as crenças equivocadas sobre si mesmo, é fundamental para rever posturas e formas prejudiciais de lidar consigo mesmo.

Afinal, quem ou o que é responsável tanto pelos acontecimentos bons quanto ruins em nossa vida? Quando respondemos a essa questão, estamos fazendo uma “atribuição” – conferimos uma razão aos fatos, estabele­cendo relações de causa e efeito. Segundo o psicólogo Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, toda pessoa possui um estilo de atribuição com o qual explica preferencialmente os eventos de sua vida, que inclui três dimensões: os motivos para um acontecimento podem estar dentro ou fora da própria pessoa (interno versus externo); eles podem ser duradouros ou passageiros (estável versus instável); e eles podem se apli­car a várias situações ou a apenas uma única (global versus específico).

O estilo de atribuição já foi muitas vezes associado à saúde mental: pessoas psiquica­mente saudáveis tendem a considerar eventos positivos de forma internalizada, estável e global (“Nem sempre acerto, mas sou inteli­gente.”); no caso de acontecimentos negativos, valorizam aspectos externos, instáveis e específicos. (“Desta vez eu dei azar, mas isso não vai, necessariamente, acontecer sem­pre.”) Pessoas depressivas frequentemente apresentam o padrão inverso: consideram-se sempre responsáveis pelos fracassos e ex­plicam suas próprias realizações pela sorte. Evidentemente, não se trata de negar a rea­lidade ou subestimar aspectos concretos ou subjetivos: realmente há fatores que escapam à compreensão racional e posturas psíquicas (ou mesmo dificuldades) que sabotam boas intenções. Mas analisar cada situação, sem tentar encaixá-Ia em “modelos prontos” – sem­pre sorte ou sempre incompetência – nos torna menos onipotentes e mais tolerantes com nossos erros e acertos.

• Quando o cérebro inventa a farsa

Há casos em que a impostura não é só um fantasma que se alia à baixa autoestima. Trata-se de um comportamento efetivo, incon­trolável e causado por fatores neurológicos. lesões do lobo frontal, por exemplo, podem desencadear a síndrome de Zelig, distúrbio raro, em que pacientes assumem novas identidades em resposta a estímulos ambientais. Em muitos casos o problema está associado à amnésia anterógrada, que é uma forma singular de perda de memória: não danifica recordações precedentes ao aparecimento da doença, mas impede a fixação mnemônica de qualquer evento posterior. As pessoas afetadas vivem o eterno presente e ignoram até o fato de estarem doentes. Casos de amnésia anterógrada pura, porém, são muito raros; sua ocorrência está frequentemente associada à amnésia retrógrada, na qual é possível se lembrar de eventos posteriores ao trauma, mas não de eventos anteriores. A manifestação simultânea e intercalada decorre de lesões em áreas fundamentais da memória: hipocampo e corpos mamilares, duas pequenas protuberâncias na base do cérebro, fundamentais na consolidação das recordações.

Esses distúrbios mnêmicos não interferem na memória semân­tica, a das recordações de fatos e situações gerais, nem na memória episódica, que reúne lembranças não ligadas à vida pessoal. Regis­tros atuais de amnésia anterógrada indicam que o problema pode ser provocado por ansiolíticos benzodiazepfnicos ou drogas usadas 
como pré-anestésicos. O neurologista americano Oliver Sacks tornou a patologia conhecida com a descrição de dois casos em seu livro O homem que corifundiu sua mulher com um chapéu (Companhia das Letras, 1997). No primeiro relato, um marinheiro, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, tem sua capacidade de recordação limita­da a sete segundos. É como se tudo o que aconteceu depois de 1945 nunca tivesse existido. Como não registra as experiências posteriores a essa data, sente-se etemamente jovem. Na segunda história um dependente de álcool com significativa destruição dos corpos mami­lares não se lembra de nada que lhe aconteceu após a manifestação da doença e assume variadas personalidades: ao vestir uma camisa branca garante que é médico ou dentista, mas também pode se tornar açougueiro ou barbeiro. O personagem incorpora o papel e se identifica com pessoas, situações e objetos que o circundam.

O médico suspeitou de uma doença neurológica rara, provoca­da pela perda de uma das funções do lóbulo frontal, área do cére­bro que controla o comportamento e exerce censura sobre ações inoportunas. O distúrbio leva o paciente a imitar seu interlocutor e é sempre acompanhado do chamado comportamento de utilitaris­mo: basta o ambiente oferecer estímulos (como a presença de uma pessoa ou objeto) para que o paciente adapte sua própria perso­nalidade à situação. Se ele encontrar numa sala uma bancada de marceneiro, por exemplo, aproveitará a situação e dirá que trabalha com confecção de peças de madeira. Torna-se, assim, um farsante – sem que tenha consciência disso. 

• De olho na trapaça

Segundo a psicóloga Pauline Clance, da universidade do Estado da geórgia em Atlanta, o sentimento subjetivo de ser um farsante, em geral, sur­ge pela primeira vez no início dos estudos universitários ou, ainda com mais frequência, no começo da vida profissional – uma fase em que mesmo pessoas acostu­madas ao sucesso precisam lidar com exigências mais intensas. Mui­tas vezes, quem atravessou o período escolar sem grande esforço não aprendeu a se preparar adequadamente para situações que dependem de seu desempenho e a atribuir seu sucesso à própria capacidade.

Alguns especialistas se perguntam, entre­tanto, se as pessoas com síndrome do impostor realmente fingem ser mais do que são – o que, em parte, justificaria seu sentimento de estar en­ganando as pessoas. O psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade DePaul, investigou essa questão e constatou que os impostores imaginários ten­diam menos a cometer atos fraudulentos do que as pessoas do grupo de controle que não se consi­deravam trapaceiras.

• O “eu” sob suspeita

Em 1985 psicóloga Pauline Clance desenvolveu um questionário para identifi­car as crenças que as pessoas tinham sobre si mesmas. As proposições abaixo foram retiradas desse material. Você concorda com essas afirmações?

” Costumo passar a impressão de ser mais capaz do que realmente sou” não (__)  sim (__)

“Às vezes acho que só atingi minha posição atual ou meu sucesso porque estava no lugar certo na hora certa, ou porque conhecia as pessoas certas.”  não (__ sim (__)

” Tenho medo de que as pessoas importantes para mim descubram minhas falhas” não (__)  sim (__)

“Muitas vezes comparo minhas habilidades às alheias e acho que os outros são mais inteligentes e capazes do que eu.”  não (__) sim (__)

” Quando reccebo elogios por algo que realizei tenho medo de já não conseguir atender a suas expectativas” não (__) sim (__)

 

Mariana A. Nassif

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