A apoio popular ao governo Jango antes do golpe

Do Jornal da Unicamp

O Golpe que deu Ibope
 
Pesquisas de opinião nos dias que antecederam a derrubada de João Goulart e nos meses seguintes mostraram que o governo tinha apoio popular
 
LUIZ SUGIMOTO
 
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em abril do mesmo ano: dias de turbulênciaNos últimos dez dias de governo civil antes do golpe militar de 1964, o Ibope creditava ao presidente João Goulart um apoio significativo dos eleitores da maior cidade do País: o governo era considerado ótimo por 7% dos quinhentos entrevistados, bom por 29% e regular por 30%; era mau apenas para 7%, péssimo para 12% e 9% não sabiam responder. Foram índices colhidos na capital paulista entre 20 e 30 de março, sob encomenda da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
 
Dezenas de pesquisas realizadas no período imediatamente anterior e nos meses posteriores ao golpe militar, correspondem a uma ínfima parte do acervo doado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp, embora por si já possam render páginas e páginas de análise aos estudiosos. Este acervo, que ocupa espaço considerável do AEL, será melhor explorado pelo Jornal da Unicamp em futuras edições, com a colaboração de Eliane Zanatta e Sílvia Martini, da Seção de Pesquisa, na seleção de novos temas. (Veja matéria na página).

 
A pesquisa mencionada no início, aparentemente, visava perscrutar junto à população o impacto de uma derrubada do governo. Uma maioria acima de 80% dos entrevistados tinha conhecimento dos recentes decretos de João Goulart, que determinavam a encampação das refinarias de petróleo, a desapropriação das terras que margeiam açudes, ferrovias e rodovias federais, e o tabelamento dos aluguéis – medidas aprovadas por 64% e reprovadas por 20%. A encampação de empresas particulares era considerada vantajosa para o país por 47% e desvantajosa por 28%; por outro lado, a entrada de capitais estrangeiros era defendida por 46% e rejeitada por 33%.
 

No campo político, 80% dos paulistanos eram contra a legalização do Partido Comunista do Brasil e 57% viam o comunismo aumentando no país; 32% temiam o regime como um perigo imediato, 36% como um perigo futuro e 19% não o consideravam um perigo. Sobre os propósitos de João Goulart diante das eleições presidenciais, então marcadas para 1965, 45% estavam certos de que o presidente pretendia realizá-las normalmente, sem interferir; 22% desconfiavam que Goulart queria mudar a Constituição para se candidatar; e 12% achavam que ele preparava um golpe para se tornar ditador. Entre os presidenciáveis da época, Carvalho Pinto liderava as intenções de voto com 24%, acossado por Juscelino Kubistchek com 22%, vindo depois Carlos Lacerda (16%) e Adhemar de Barros (9%).

Outra pesquisa do Ibope, sem menção do contratante, realizada de 9 a 26 de março em oito capitais – São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Salvador e Curitiba –, colocava a hipótese de três candidatos a presidente: Kubistchek saiu favorito com 40,1%, deixando Carlos Lacerda com 14,8% e Magalhães Pinto com 10,2%. O mesmo questionário abriu a possibilidade de João Goulart se candidatar e 40% responderam que votariam nele; 52%, não.
 

Incógnitos – No acervo doado à Universidade, as pesquisas raramente trazem a identificação de quem as encomendou, restando curiosidade e suposições se o interessado na opinião popular seria um órgão do governo, entidade classista, partido político, empresa privada ou pessoa física. Na pesquisa feita em março nas capitais, por exemplo, perguntava-se quais problemas deveriam ser resolvidos com maior urgência, aparecendo pela ordem a alta do custo de vida (50%), alfabetização (25%), melhoria das condições de vida (20%), desenvolvimento da agricultura (19%) e desenvolvimento industrial (6%). Difícil saber por que (ou por quem), numa pesquisa contendo questões bastante semelhantes, realizada em São Paulo entre 12 e 22 de maio, menos de dois meses após o golpe, incluiu-se o item “expurgo dos comunistas”, que ficou abaixo apenas da necessidade de combate à inflação (29% e 25%).

Sílvia Martini e Eliane Zanatta ( à direita), do AEL: 1.500 caixas com relatórios de pesquisaNesta pesquisa de maio, talvez como fruto de intensa propaganda colocada nas ruas depois dos tanques, 70% dos entrevistados diziam que a situação do Brasil “agora ia melhorar”, 10% que ia piorar, 7% que ficaria igual e 13% não sabiam. A deposição de Goulart constituiu uma medida benéfica ao país para 54% e prejudicial para 20%. A queda do presidente ocorreu, para 34%, porque ele estava levando o Brasil para um regime comunista; para 28% porque pretendia fechar o Congresso e se tornar ditador; e para 17% porque estava tomando medidas populares que contrariavam fortes interesses de grupos econômicos e financeiros, nacionais e estrangeiros. A cassação de deputados comunistas foi aprovada por 74% e a prisão de líderes sindicais ligados aos comunistas por 72%. O presidenciável Carlos Lacerda, defensor ardoroso do golpe, alcançava Juscelino Kubistchek, somando 22,7% contra 22,1%.

Os cariocas também manifestavam esse apoio inicial ao regime militar, em pesquisa na Guanabara da última semana de maio. As primeiras medidas tomadas na área econômica levaram o governo Castelo Branco a ser considerado ótimo por 20%, bom por 31% e regular por 21%; apenas 4% o julgavam ruim e 2%, péssimo. A realização das eleições ainda programadas para outubro de 1965, praticamente uma certeza (90%) antes do golpe, já provocava índices dúbios: 52% esperavam votar para presidente, 17% não sabiam e 31%, não mais. A cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos tinham aprovação de 56%. Motivos para as cassações: eram comunistas (40%), subversivos (22%), corruptos (25%), perseguidos politicamente (28%).
 

Castelo ruindo – A Federação do Comércio encomendou nova pesquisa em novembro de 1964 e a aprovação aos militares começava a cair. Perguntados sobre o que achavam do governo até aquele momento, 7% o classificaram como ótimo, 20% como bom, 35% como regular, 11% como mau e 9% como péssimo. As medidas de combate à inflação e alta do custo de vida seriam eficazes para 35%, mas ineficazes para 41%. Para 47% dos eleitores entrevistados, o próximo presidente deveria ser um civil; 22% defendiam um militar e 20% eram indiferentes.

Na Guanabara, entre 5 e 13 de fevereiro de 1965, apenas 16% achavam que a situação econômica melhorou e 73% que piorou; 35% ainda torciam por um ano melhor, mas 44% esperavam pelo pior. Os satisfeitos com o governo somavam 45%; os insatisfeitos, 46%.

À margem dos índices de opinião pública, em larga margem pedindo eleições diretas, Castelo Branco conseguiu no Congresso a prorrogação de seu mandato até março de 1967, o que implicou no adiamento do pleito presidencial para 1966. Afinal, não haveria eleições diretas, nem o marechal cumpriria o mandato até o fim, morto prematuramente em acidente de avião. O Ibope só voltaria a realizar pesquisas de intenções de voto para presidente 24 anos depois, em 1989, quando a população elegeu um civil.

Quando a opinião do cidadão importa

Em 1942, o paulista Auricélio Penteado começou a construir a marca Ibope, que designaria prestígio e audiência e constituiria o mais completo banco de informações sobre opinião pública da América Latina. As pesquisas de audiência, consumo, opinião e política abrangem todo o território nacional, apresentando um padrão característico de cada época.

Em 1989, a Coleção Ibope foi doada ao Arquivo Edgard Leuenroth, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, por Orjan Olsén e Luiz Montenegro, diretores das sedes do Rio de Janeiro e São Paulo.

Ocupando considerável espaço físico no AEL, o acervo é tão rico quanto variado nas temáticas, vendo-se através dele, por exemplo, o que o homem achava da introdução do zíper no lugar dos botões de sua calça ou o juízo que o carioca fazia dos judeus. O conjunto de documentos está dividido em Pesquisas Especiais, Pesquisas de Mercado, Relatórios de Audiência de Rádio e Televisão, Boletim das Classes Dirigentes, Levantamentos Socioeconômicos, Relatórios de Consumo de Discos e Relatórios de Consumo de Leitura. Uma segunda remessa, em 1999, completou o grupo sobre mídia e encontra-se em fase de organização.

Está em construção uma nova sede para guardar e conservar os 44 metros lineares de relatórios impressos encadernados, além de aproximadamente 1.500 caixas-arquivo (214 metros lineares) contendo relatórios de pesquisa. É um acervo valioso para o conhecimento do processo de constituição da cultura e identidade nacionais, das etapas de construção democrática e do comportamento político e social da população brasileira. Ele está disponível aos pesquisadores e ao público em geral.

 

Redação

2 Comentários

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  1. Depois de 50 anos dessa

    Depois de 50 anos dessa farsa, eu só gostaria de saber quem ficou com o ouro doado pelos trouxas do Brasil

    com apoio é claro do PIG daquela época, e da Igreja e tudo mais. 

  2. farsa,tragédia, mentirào que

    farsa,tragédia, mentirào que em alguns estamentos – principalmente no judiciário e na grande mídia – ainda não terminou…

    lembro que na década de 80 falava-se muito em remover os entulhos autoritários…

    posi é, as leis sobre a mídia ainda são de 62!!!!

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