Assista: “Ossadas da Vala Clandestina de Perus, de 1970 a 2015”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Depois de mais vinte anos e uma articulação em todos os níveis, prefeitura, governo federal, universidade, MPF e profissionais estrangeiros tentam dar respostas a desaparecidos políticos; o GGN acompanhou esse processo e produziu um documentário

Jornal GGN – Vinte e cinco anos se passaram desde que as ossadas de desaparecidos políticos da ditadura brasileira (1964-1985) foram encontradas na vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, na zona norte de São Paulo. No ano passado, os resquícios dos mortos pela ditadura começaram a receber a devida investigação, após períodos de negligência. Esse importante capítulo de correção histórica e de marco na antropologia forense mundial foi acompanhado pela equipe GGN, resultando na produção do documentário “Ossadas da Vala Clandestina de Perus, de 1970 a 2015”, lançado neste sábado (30), no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca, em São Paulo.

A partir de agora, o GGN disponibiliza o documentário, na íntegra. Acompanhe:

Leia mais: Perus: o desafio de resgatar os mortos sem identidade
Formado por diversos especialistas, o Grupo de Trabalho Perus é fruto da iniciativa do então secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Rogério Sottili, em articulação com a então ministra de Direitos Humanos Ideli Salvatti, apoio do Ministério Público Federal e a estrutura da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com experiências internacionais, profissionais da Cruz Vermelha, peruanos e argentinos também foram trazidos para compor a equipe que trabalha incessantemente, sob o rigor da técnica e do calendário, com o objetivo comum de trazer respostas.
O processo de identificação de, ao todo, 1.049 ossadas tem por fim buscar nomes: de quem eram os resquícios encontrados. Entretanto, o longo processo de negligência a que foram submetidos os ossos prejudicam a investigação. Ainda que não seja possível definir todas ou alguma das identidades, o Grupo conseguirá fazer um balanço de informações: como aquela pessoa foi ferida, como morreu, se era homem ou mulher, criança ou adulto.
“Eu acho que o Brasil está vivendo um novo momento que quer dizer o seguinte: chegou a hora de virar essa página da história! Não é mais possível a gente viver com fantasmas de generais de reserva, se pronunciando a cada semana sobre uma barbaridade e amedrontando o Estado. Isso não é mais possível! Até porque, se a gente não contar essa história e não enfrentar essa verdade vamos ficar sobre fantasmas de pessoas que estão a beira de desaparecerem”, disseRogério Sottili, em entrevista ao GGN.
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“A ciência chega até a um certo lugar, depois não há nada a fazer. Creio que o mais importante para as famílias é que, finalmente, está se fazendo algo sistemático. Ou seja, a intenção existe!”, afirmou o antropólogo peruano da equipe José Pablo Baraybar. “Perus é um pretexto, tem que ser um pretexto, para entender como é que um país moderno, o maior da América Latina, uma potência como é o Brasil, poderá terminar um jogo de mais de mil pessoas que não têm identidade”, refletiu.
“Vai chegar um momento que nós teremos que dar condições dignas, um sepultamento digno pra essas ossadas, mas não teremos identificação”, manifestou a reitora da Unifesp Soraya Smaili. “Nós temos que trazer isso à tona! Perus nos ajuda a enxergar isso. O papel da universidade vai além, tem a função de se abrir e de ir para a sociedade colocar suas contradições”, apontou.
“Se eu não tivesse feito nada como prefeita de São Paulo, teria valido para tomar essa iniciativa, ter coragem de enfrentar as consequências, as ameaças, a possibilidade de fracasso, poderia não ter dado certo”, contou Luiza Erundina, que à época da abertura de Perus era prefeita de São Paulo e determinou os primeiros passos para as identificações. “Eu me sinto gratificada ao povo de São Paulo, de ter me dado um mandato, e agradeço a Deus a oportunidade de ter tido esse poder, e colocá-lo a serviço de uma causa, que tem sido para mim o sentido da minha vida”, disse ao GGN.
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Na estreia do documentário “Ossadas da Vala Clandestina de Perus, de 1970 a 2015” (2015, 22 min), da Equipe GGN, também foram exibidos os documentários “Vala Comum” (1994, 30 min), de João Godoy, e “Apelo” (2014, 13 min), de Clara Ianni e Débora Maria da Silva. O Espaço Itaú de Cinema ainda foi palco de um debate, com mediação do jornalista Luis Nassif, e participação do secretário-adjunto Municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottile, da procuradora da República Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e do coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense, Prof. Dr. Rimarc Gomes Ferreira.
Acompanhe as entrevistas e reportagens da série “Ossadas de Perus: A Difícil Transição”.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Parabéns ao Nassif e a toda

    Parabéns ao Nassif e a toda equipe pelo documentário, urgente e necessário.

     

    E fico pensando: é na dificuldade da realização desse trabalho que encontramos mais uma prova irrefutável de que os responsáveis pela ditadura não apenas não são os hoje caquéticos generais de pijama como são pessoas que estão em franca atividade na nossa sociedade. Pessoas que juntas compõem o quadro de conservadores que, por sua vez, tentam impedir nosso país de progredir.

     

    Costuma-se dizer que soldado mandado não tem crime. Talvez nessa ideia é que se baseia a recusa de militares em assumir suas culpas. Talvez, se fossem sinceros, poderiam estar alegando:

     

    – “Pô, e a iniciativa privada que nos instigou, que nos financiou, que enriqueceu nesse episódio? Não estou vendo nenhum empresário brasileiro sendo preso por ter fomentado a ditadura, menos ainda empresários dos EUA, escondidos atrás do brasão oficial do “Governo dos Estados Unidos da América”, usando a CIA como máscara. Ok, Henning Boilesen morreu mas a Ultragaz continua aí, a mil. E esse é só um. E agora a gente vai ser punido enquanto os verdadeiros mandantes frequentam as festas da lata sociedade? E nós, quantos de nós enriqueceu nessa história, hein?”

     

    É… não se apura os crimes facilmente porque quem os cometeu continua por aí…

  2. Ossada de Perus

    É revoltante como um assunto tão importante não produziu uma resposta digna e aceitável dos poderes constituídos. A tão falada transição democrática ainda não acabou, se é que a própria ditadura que não é só militar já tenha acabado. Oh democracia difícil !

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