Coronel admite participação da Aeronáutica em desaparecimento de militante

Do O Globo

Caso Stuart: coronel admite envolvimento da Aeronáutica na prisão de militante
 
Depoimento do coronel reformado Lúcio Valle Barroso à Comissão da Verdade joga luz sobre desaparecimento
 
POR CHICO OTÁVIO

O longo silêncio dos ex-agentes da repressão sobre a morte e desaparecimento de Stuart Edgard Angel Jones, integrante do MR-8, em maio de 1971, começa a ser quebrado. Localizado pela Comissão Estadual da Verdade (CEV), o coronel reformado Lúcio Valle Barroso, de 80 anos, admitiu pela primeira vez o envolvimento do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), onde servia na época, no caso. Ele disse que o sargento do Cisa Abílio Corrêa de Souza, codinome Pascoal, atuou nas prisões de Stuart e do ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro daquele ano. E também revelou que a captura do militante do MR-8 não teria sido iniciativa do comando do Cisa, mas resultado de operação conjunta envolvendo outros órgãos da repressão.

Com a ajuda do coronel Lúcio, codinome “Doutor Celso”, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) espera descobrir o paradeiro do corpo de Stuart. Uma das linhas de investigação, aberta pela jornalista e pesquisadora Denise Assis, aponta para a cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Ela encontrou nos arquivos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) documentos e fotos referentes à descoberta de uma ossada no local, no dia 18 de outubro de 1971, cinco meses depois do desaparecimento de Stuart. Lúcio, embora se negue a falar do caso, admitiu que presos políticos da Aeronáutica, na época, eram levados para tomar banho de mar na cabeceira da pista, compartilhada entre o 3º Comando Aéreo Regional e a operação comercial do Santos Dumont.

As fotos mostram restos humanos concentrados entre as pedras que protegem a pista da ação do mar. A CEV tenta, agora, localizar a ossada. O laudo é assinado pelo perito e hoje delegado aposentado Jacques Wygoda. Levantamento feito por Denise Assis e a comissária da CEV Nadine Borges revela que Wygoda assinou laudos de mortes de presos políticos na carceragem do Destacamento de Operações de Informações (DOI) na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. As investigações indicam também números e datas de voos, originados do Galeão com destino a aeródromos militares de outros estados, na mesma época do desaparecimento de Stuart. Lúcio admitiu que o Cisa usava aviões pequenos para o transporte de presos políticos.

O nome de Lúcio Barroso, então capitão intendente da Aeronáutica, é citado no histórico depoimento prestado pelo ex-preso político Alex Polari, que, em carta à estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart, revelou ter visto o filho sendo torturado no pátio do presídio da Base Aérea do Galeão. O oficial é denunciado como um dos integrantes da equipe de tortura. Em trecho da carta, Polari descreve a cena em que Stuart Angel fora obrigado a aspirar os gases expelidos por um jipe militar.

O coronel Lúcio, que cursou a Escola das Américas, curso do Exército dos EUA que formou quadros para as ditaduras latinas, também está envolvido na prisão de Zaqueu José Bento, também militante do MR-8, preso no dia 7 de maio de 1971, provavelmente dias antes da captura de Stuart. O oficial assina os documentos de recebimento de Fuscas apreendidos pela Polícia Civil e atribuídos ao MR-8. O objetivo das forças da repressão, com a sequência de prisões de integrantes do MR-8, era chegar ao capitão desertor Carlos Lamarca, que estaria no Rio, escondido pela organização.

Lúcio Barroso disse que, no Cisa, era responsável pela logística e comunicações. Ele contou que, no trabalho de informações, era tirado de casa a qualquer hora, inclusive de madrugada, pois tinha que dar pessoalmente as primeiras informações e era “de inteira confiança do comando”. O oficial sustenta que usava um carro do Choque para transportar os presos até o local onde tomavam banho de mar. De acordo com ele, a carceragem do Cisa funcionava no 3º Comar, em antigos alojamentos de oficiais adaptados, e não no Galeão, onde Alex afirmou ter visto Stuart.

— Como os caras tinham que responder aos inquéritos, precisavam ficar guardados. Fizemos isto para que eles ficassem lá. Não tinha nada desse negócio de tortura. Para você ter uma ideia, eu mandava pegar o carro de Choque da Aeronáutica e levar os presos para tomar banho de mar naquela ponta, entre a 3ª Divisão e o aeroporto Santos Dumont. Era bem na ponta, onde tem as pedras. Eles iam para lá, tomavam banho e ficavam satisfeitos com isso. Até os depoimentos que eles tinham de dar em outros estados eu mandava que eles fossem levados de avião. Quando tinha disponível, ia um aviãzinho, eles iam de avião. Um deles era filho de tabelião, mas andava por aí assaltando banco. Não eram anjinhos não. O outro era filho de um médico, um tal Dias de Campos. Os outros dois eu não me lembro — disse Barroso a CEV.

Lúcio Valle Barroso negou que Stuart tenha sido torturado com um jipe militar, “diante das quase 2 mil pessoal que circulavam na Base (do Galeão)”. Para Wadih Damous, presidente da CEV, o contato com o oficial é um passo importante para elucidação do “suplício e desaparecimento” de Stuart, uma vez que reconhece o papel do sargento Abílio. O envolve também na prisão de Rubens Paiva e menciona uma operação conjunta, envolvendo outras forças, como Exército e Dops:

— Temos a esperança de que, com a continuidade da investigação, cheguemos ao último paradeiro de Stuart e aos nomes dos que os prenderam e mataram — afirmou Wadih Damous.

 

Redação

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