Documentos da CIA sobre ditadura brasileira estavam disponíveis há três anos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Divulgamos a íntegra dos volumes públicos do governo norte-americano sobre a América Latina
 
 
Jornal GGN – Ao contrário do que divulgaram diversos jornais na última semana, o documento secreto da CIA, agência de inteligência dos Estados Unidos, apontando a autorização do ditador Ernesto Geisel para execução de opositores ao regime militar no Brasil, em abril de 1974, não foi divulgado recentemente. Da mesma forma, o então pesquisador da FGV, Matias Spektor, recebeu o crédito de “descobridor” dos arquivos. 
 
Como revelou o GGN na reportagem “De apaziguador, Geisel passa a comandante do extermínio da ditadura“, os quatro parágrafos são uma pequena amostra do que a série “Relações Internacionais dos Estados Unidos” dos arquivos da CIA vem revelando, desde 2015, sobre a sistemática comunicação avançada dos Estados Unidos em governos ditatoriais pelo mundo, com respectivas táticas de violações de direitos humanos, além de temáticas diversas de interesse da inteligência norte-americana.
 
Os quatro parágrafos que foram alvos de críticas do governo brasileiro, na última sexta (11), por meio do ministro da Secretaria Pública, Raul Jungmann, e do secretário nacional de Segurança, general Carlos dos Santos Cruz, estão disponíveis na página aberta e nos meios de comunicação do governo americano há, pelo menos, dois anos.
 
A compilação de todos estes arquivos, inclusive, não estava em uma caixa secreta do governo estadunidense, mas partiu de um trabalho do gabinete de História do Departamento de Estado há cerca de 30 anos. A mensagem referindo-se a Geisel é um pequeno trecho de uma lista de 56 comunicações, correspondências e relatórios da CIA relacionadas ao Brasil entre os anos de 1973 e 1976, da parte dois dos documentos da América do Sul, dentro de um volume.
 
Ao todo, já são mais de 450 volumes publicados pela série nas últimas duas décadas. São centenas de páginas, que dizem respeito a relações internacionais dos Estados Unidos influenciando através de consulados e embaixadores, e as táticas do governo nestes países em cada período de gestão estadunidense. 
 
São divididos entre os governos. São 65 volumes das administrações de Nixon (1969-1974) e Ford (1974-1976), mais 32 do governo Carter (1977-1980) e outros 49 da gestão de Reagan (1981-1988). O trabalho atual têm sido o de recompilar arquivos durante a administração de George H. W. Bush. 
 
O trabalho consta, basicamente, de uma busca pelas bibliotecas presidenciais, pelos Departamentos de Estado e Defesa, Conselho de Segurança Nacional, Agência Central de Inteligência, Agência para o Desenvolvimento Internacional e outras agências de relações exteriores, além de arquivos privados de indivíduos envolvidos na formulação da política externa dos EUA. 
 
“Em geral, os editores escolhem documentação que ilumina a formulação de políticas e os principais aspectos e repercussões de sua execução. Os volumes publicados durante as últimas três décadas ampliaram o escopo da série, incluindo documentos de uma ampla gama de agências governamentais, particularmente aqueles envolvidos com atividades de inteligência e ações secretas”, informou o próprio gabinete de História do Governo na introdução da série.
 
Parte dos documentos foi editado na forma de livro e pode ser adquirido pela página do Departamento de Publicações do Governo, a um custo de 17 dólares, valor de “Relações Exteriores dos Estados Unidos, 1969-1976, V. 1: Fundamentos da Política Externa, 1969-1972”, até 133 dólares, que é quanto custa “Relações Exteriores dos Estados Unidos, 1969-1976, vol. X, Vietnã, janeiro de 1973 a julho de 1975”.
 
Mas os volumes mais recentes foram todos disponibilizados, gratuitamente, na página online:
 
 
No ano passado, o governo publicou oito volumes. Neste ano, já foram divulgados quatro. E para os próximos anos já há uma programação: 1 volume já em produção, 29 estão sendo avaliados para a retirada do sigilo, 37 volumes sendo investigados e preparados e mais 29 volumes ainda em planejamento.
 
Sobre a América Latina, até agora há quatro, dois já concluídos: o do período de 1973 a 1976 e dos anos de 1997 a 1980. O próximo a ser disponibilizado, a partir de 2019 em adiante, é da gestão de 1981 a 1988, que está em fase de investigação. Os dados secretos dos anos de 1989 a 1992 ainda estão em planejamento.
 
Intitulado “Documentos da América do Sul, 1973–1976”, são 405 documentos para o período divulgado que mostram os bastidores de negociações, análises, interferências e relatórios da Inteligência dos EUA com a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Venezuela.
 
Somente o Chile, que durante muitos anos esteve sob a forte influência da economia estadunidense, tem 118 documentos deste volume, mais que o dobro que o Brasil, com 56 arquivos e mensagens divulgadas. A quantidade demonstra, também, o nível de interesse dos EUA sobre as relações internacionais com os respectivos países. Bolívia e Colômbia foram os que tiveram menos documentos no período, com 23 cada um.
 
Nesse sentido, não somente a imprensa, na última semana, comunicou de maneira incorreta que os arquivos eram recentes e que a sua divulgação foi tornada pública somente agora, como também a própria reação do governo Temer mostrou o desconhecimento sobre o caso.
 
Na última sexta, em coletiva de imprensa, o ministro da Segurança Raul Jungmann disse que ainda não tinha conhecimento oficial sobre o que dizia o arquivo e que é preciso acesso “de governo a governo”. Disse também que o governo Temer deve tomar alguma medida para solicitar estes papéis aos EUA.
 
O GGN divulga, a seguir, a íntegra do volume que contempla o período de 1969 a 1976, do governo Ford-Nixon, e a íntegra do volume de 1977 a 1980, do governo de Carter, sobre a América Latina. No segundo, são quase 400 páginas de memorandos secretos de integrantes do governo dos Estados Unidos sobre 10 países da região: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. No primeiro, são mais de 1100 páginas. Os documentos estão em inglês.
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

14 Comentários

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  1. Teoria da conspiração

    Estranhei desde o início que a divulgação desses documentos pelos jornalões e ainda de forma mais contundente pela Rede Globo, eles todos cúmplices da ditadura assassina, tinha algum objetivo conspiratório, pois foi feita alguns anos depois de conhecidos e em momento eleitoral. Aqui vai uma teoria da conspiração: não seria uma estratégia de minar a candidatura de Bolsonaro, ele, o ferrenho defensor dos torturadores e do regime militar, haja vista a sua liderança nas pesquisas de opinião com a impossibilidade de Lula ser eleito?

  2. O tratamento que está sendo

    O tratamento que está sendo dado a essa “descoberta” pela midia é completamente fora do contexto. Trata-se de informação de agente da CIA sobre uma reunião a portas fechadas onde não havia testemunhas e nem ata, como essa informação chegou ao agente e qual sua fidelidade? A CIA nunca foi fonte inconestada de informação, erro muito, inclusive o diretor William Colby,

    que assina o relatorio,  foi demitido pelo Presidente Gerald Ford por erros de informação da CIA na Guerra do Vietnam.

    1. Duas coisas parecem fora de
      Duas coisas parecem fora de duvida:

      1) o governo brasileiro se reportava e ate prestava contas à CIA;

      2) as conversas e os termos dela existiram.

      Os erros, que ocorrem muito, são quase sempre de análise. Ou, por deixarem de fora outros fatos, e nao porque o fato narrado é falso.

      O problema da midia, a meu ver, é que querem passar uma falsa ideia de “neutralidade”, pois, como todos sabem, “a verdase é dura…”

      1. O Gpverno Geisel teve

        O Gpverno Geisel teve completo DISTANCIAMENTO do governo dos EUA.

        1.Rompeu o Acordo Militar Brasil-EUA.

        2.Assinou o Acordo Nuclear com a Alemanha CONTRA expressa oposição do Governo do EUA.

        3,Apoiou o movimento comunista de Angola, o MPLA , na declaração de Independencia de Angola, quando ainda havia guerra civil tendo como opositor a UNITA, apoaida pelos EUA.

        4.Iniciou uma politica de aproximação com os paises arabes, especialmente do Iraque, saindo da neutralidade anterior que era do agrado od governo dos EUA.

        O governo Geisel DEFINITIVAMENTE não prestava contas a CIA.

        1. É evidente que nos documentos
          É evidente que nos documentos da CIA não aparecerá algo como “Reuniao Ordinaria n° X, dia XX, do mês A, do ano XXXX. Em discussao isto, isso e aquilo”.

          Porém, é certo que os agentes do governo norte americano frequentavam re-gu-lar-men-te as altas rodas governamentais em que todos eram “muito agradaveis” com eles.

          Não é dificil saber o que isso significa. Não é dificil dizer que isso nao significa nada.

    2. Teoria da conspiração II

      Por isso, André, que acredito numa teoria conspiratória com o objetivo de atingir a candidatura de Bolsonaro e como postou o Rubens, “se isso, menos mal”. 

       

  3. A imprensa sabia e não quis divulgar ou foi pega de surpresa…

    E os documentos do inicio dos anos 60, ja foram disponibilizados ao publico? Ja vi varias especulações sobre esses documentos, inclusive os agentes brasileiros que trabalhavam para CIA, mas não me lembro de ter visto relatorios da CIA referentes à 63 ou 64… No blog João Goulart Neto tem muitas informações sobre esse periodo e o envolvimento da CIA no golpe brasileiro.

    Imagino que se tenha erros sim, mas eles não errariam nem fariam propositalmente, creio eu, um erro grave como apontar os generais como responsaveis pelas torturas e mortes.

  4. Acredito que o estardalhaço
    Acredito que o estardalhaço da divulgação nesse momento, tenha tido a intenção de dar uma enquadrada nos milicos de pijama, que estão pregando intervenção militar.

  5. Esse negócio de que

    Esse negócio de que finalmente a verdade está sendo revelada é diversionismo puro. É como a enxurrada de filmes disponíveis em canais assinados e até nos abertos das TVs “denunciando” a investida que o capital do dólar promoveu contra nosso estado nacional em ’64, como se não estivesse havendo nova investida hoje. E o argumento é que hoje não há tanques nas ruas, que não há censura. tortura ou execuções, que hoje não há golpe porque o golpe está sendo dado por outros meios.

    Parece que a turma se esqueceu que durante a vigência dos governos pelos militares também se negava haver censura, tortura e execuções. Na verdade nega-se até hoje que essas práticas eram promovidas por pessoas que tinham poder sobre o estado, eram práticas institucionais, mesmo com documentos como estes, de governo estrangeiro.

    O fato é que a ditadura do capital do dólar está como sempre esteve: concentrando poder econômico entre poucos e comprando poder político popular. E como dinheiro – diferentemente do que dizem os ditadores – não nasce em árvore e nem cresce quando especulado – apenas fica inflado, um tipo de “suflair”, aerado – é do produto do trabalho que vem o dinheiro a ser concentrado.

    Dizer que “aquilo, em ’64, foi ditadura e golpe” não faz a ditadura e o golpe de agora serem menos ditadura e golpe.

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