Brasil corrige causa de morte de embaixador que denunciaria corrupção na ditadura

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

“O falecimento ocorreu por morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”, reconheceu certificado de óbito corrigido
 

Foto: Inauguração da Usina de Itaipu – Arquivo
 
Jornal GGN – O Estado brasileiro reconheceu oficialmente que o diplomata José Jobim foi morto, após sequestro e tortura, pela ditadura do regime militar no Brasil. Nesta sexta-feira (21), o Brasil emitiu uma nova certidão de óbito de Jobim corrigida, 39 anos de sua morte.
 
O documento é uma das conquistas dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que em seu relatório final, ainda em dezembro de 2014, recomendou que o país retifique a causa de morte de pessoas que faleceram em decorrência de graves violações de direitos humanos, incluindo desaparecidos políticos.
 
No ano passado, a CEMDP insistiu na recomendação, por meio da Resolução n° 2, de 29 de novembro de 2017, orientando os procedimentos para o governo brasileiro emitir atestados com este objetivo de corrigir as “causas da morte”.
 
“O falecimento ocorreu por volta do dia 24 de março de 1979, na Cidade do Rio de Janeiro-RJ, em razão da morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”: é a descrição corrigida do motivo de óbito de Jobim.
 
 
O embaixador havia desaparecido uma semana depois de anunciar que denunciaria um esquema de corrupção cometido durante a ditadura do regime militar. José Jobim iria revelar em um livro de memórias o superfaturamento de dez vezes maior do que o valor original para a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
 
Jobim foi embaixador no Paraguai no início das negociações sobre a criação da Usina de Itaipu, entre 1957 e 1959, e chegou a ser enviado pelo presidente João Goulart a uma missão, em fevereiro de 1964, com ministros paraguaios para tratar do tema. Em 1966, voltou a participar de um encontro para assinar a “Ata das Cataratas”.
 
Sete dias antes de seu desaparecimento, no dia 15 de março de 1979, ele presenciou a posse do general João Figueiredo como o novo presidente do Brasil e, na ocasião, mencionou a alguém que estava escrevendo um livro sobre relatos e que incluiria o esquema de corrupção. Ao sair para visitar um amigo no dia 22 de março daquele ano, não retornou.
 
Mas conseguiu deixar um bilhete a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca, informando que tinha sido sequestrado e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”. A menos de 1 km da ponte, seu corpo foi encontrado, pendurado pelo pescoço em uma corda amarrada a uma árvore, mas suas pernas tocavam o chão.
 
De acordo com o Relatório da CNV, José Pinheiro Jobim foi sequestrado e mantido em cativeiro por dois dias e meio, em local incerto, e interrogado sob tortura. E o laudo pericial, cheio de vícios, fazia creer a tese de suicídio. Para a Comissão Nacional da Verdade, tratou-se de um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.
 
No ano passado, mesmo ano da publicação da Resolução pela CEMDP, a filha do embaixador, Lygia Maria Collor Jobim, entrou com um pedido para corrigir a certidão de óbito de seu pai, que até hoje trazia causa de morte “indefinida”, a depender “dos resultados dos exames complementares solicitados”.
 
Foi a Comissão de Mortes e Desaparecidos que concedeu a Lygia um “Atestado de Óbito” com as informações verdadeiras sobre a causa da morte. Com este documento, a filha do diplomata levou ao Registro Civil do Rio de Janeiro, pedindo a retificação do documento do óbito de seu pai, como consequência da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial. 
 
“A retificação do assento de óbito de José Jobim é uma importante e necessária medida de reparação promovida pelo Estado brasileiro, que contribuiu para a promoção da memória e da verdade sobre os fatos e circunstâncias referentes às graves violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura”, informou a CEMDP, em nota.
 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O que vaidade e a falta de cuidado pode trazer!

    Primeiramente, é terrível ser torturado e morto por organismos oficias e nada justifica esta atitude.

    Só que um cidadão comentar que “vai fazer … ” antes de realmente fazer e dizer isto justamente no ninho das cobras, torna o indivíduo sujeito a estas bestialidades, claro.

    Lembro de um empresário brasileiro descendente de alemães, Kurt Rudolf Mirow, que, também no regime militar apresentou diversas denúncias de formação de cartel e de corrupção na indústria elétrica da época. Só que, diferentemente deste embaixador, ele não contou nada a ninguém a ainda deu entrevistas a periódicos no exterior. Em seguida, ou simultaneamente talvez lançou um livro sobre o tema, e que chegou até a ser censurado no Brasil, mas que a Justiça liberou em seguida.

    Desta maneira o livro dele “A ditadura dos Cartéis” caiu como uma bomba dentro do governo, e obviamente ficou muito tarde para o tal  “Departamento Oficial de Bestialidades” agir contra o seu autor.

    Mais ainda, conta-se dele que uma organização desafeta (uma associação internacional de energia elétrica), metida nestes cartéis tentou de alguma forma censurar as aitivdades deste cidadão.

    Daí em diante, ele teria obtido uma lista de todos os dirigentes e gerentes desta organização e sistematicamente enviava cartões postais do Brasil a eles, contendo alguma frase como “Olhe o país que você está destruindo.”.

    Certo dia recebeu uma caixa com documentos relativos a estas maldades de cartéis de um de seus destinatários dos cartões postais, caixa esta que tratou de esconder bem.

    Em seguida, teria avisado à Diretoria desta associação a posse deste material e se comprometeria a devolver, caso a associação provasse que era dela. Isso durou algum tempo, e parece que mais tarde chegaram a algum acordo, envolvendo a divulgação deste material.

    Ou seja, jogo tão pesado quanto o do diplomata, porém mais cuidadoso.

  2. Isto os

    Isto os mourões-adernados-em-banhados não viram, não veem, nunca verão.

    Nem os villasmaus da vida.

    Nem os helênicos-de-meia-pataca.

    Muito menos os bolsonazis.

    Nem seus estúpidos seguidores.

    Argh.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador