Ditadura tentou sequestrar Brizola no Uruguai

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Fiódor Andrade

da Folha

O plano era sequestrar Brizola

Ex-policial federal diz à Comissão da Verdade que participou de operação do Exército para prender líder trabalhista exilado no Uruguai

LUCAS FERRAZENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO

Citado com destaque em listas que reúnem nomes de torturadores da ditadura militar (1964-85), o ex-policial federal João Lucena Leal, 75, disse à Folha ter participado de uma operação do Exército para sequestrar no exílio um dos principais líderes políticos do país, na época inimigo número um dos militares.

Ele contou ter se infiltrado na fazenda onde o ex-governador Leonel Brizola vivia no interior do Uruguai, em maio de 66, com o objetivo de criar um plano para sequestrá-lo.

“Os militares não queriam matar Brizola. O plano era trazer ele para o Brasil e extrair informações sobre seus contatos com Cuba”, afirma.

Na época, Brizola (1922-2004) era o principal nome da oposição ao regime militar e uma das apostas de Fidel Castro para a insurreição guerrilheira na América Latina. O cubano financiava o brasileiro para que ele derrubasse a ditadura brasileira.

O plano de sequestro, segundo Lucena, era coordenado pelo III Exército, em Porto Alegre. O ex-agente afirma que, para a infiltração, fez treinamento de “tática de sequestro” na capital gaúcha.

“Meu trabalho era levantar as informações sobre a rotina dele para organizar o sequestro”, disse o ex-policial.

A primeira vez que o ex-agente falou sobre o plano foi em maio, em depoimento gravado à Comissão Nacional da Verdade, mantido em sigilo.

Lucena disse à comissão que o presidente João Goulart (1919-1976) também foi alvo do plano de sequestro, mas à Folha ele afirmou que mentiu em seu depoimento, e que somente Brizola interessava aos militares nessa época.

Folha esteve com Lucena na semana passada em Porto Velho (RO), onde ele fixou residência em 1980, após ser expulso da Polícia Federal por advocacia administrativa e começar a trabalhar como advogado na área criminal.

O destino de Lucena no Uruguai foi Pando, cidade próxima de Montevidéu. Nos anos 60, quando Brizola arrendou ali uma fazenda com cerca de 60 vacas leiteiras, Pando tinha 12 mil habitantes.

Segundo Lucena, durante o período em que esteve infiltrado no local, “entre 45 e 50 dias”, ele teve o apoio de duas bases, uma em Santana do Livramento, na fronteira com o Brasil, e outra na região de Pando, onde mantinha contato com um militar disfarçado de fruteiro. Dos nomes dos militares ele assegura não se recordar de mais nenhum.

Para se infiltrar, o ex-policial afirma que se apresentou aos capatazes da fazenda de Brizola como se fosse um perseguido político que acabara de se exilar no Uruguai, e conseguiu trabalho como peão.

“Brizola era um conquistador. Nunca tive simpatia por ele, mas ele me conquistou de graça, batendo papo, trocando ideia. Ele era um patriota, um cara muito apaixonado pelo Brasil”, afirma Lucena.

Na fazenda, diz o ex-policial, circulavam pessoas como Darcy Ribeiro e Raul Ryff, que assessoraram Goulart, além de militares que resistiam ao golpe de 1964 e integravam os projetos guerrilheiros brizolistas. “Todos estavam obcecados com a ideia de derrubar a ditadura”, disse.

Lucena conta que deixou a fazenda porque foi reconhecido por pessoas que frequentavam o local –ele diz ter trabalhado na Presidência, entre 1960 e 62, como guarda do Departamento Regional de Polícia de Brasília, e serviu a muitos auxiliares de Goulart.

Disse que não teve mais notícias do plano de sequestro, que não se concretizou. “Seria suicídio sequestrar Brizola naquelas circunstâncias. Era muito precavido e só se deslocava com seguranças.”

Até a expulsão da PF, em 1980, Lucena participaria de inúmeras operações contra organizações de esquerda.

Sobre a tortura, ele diz que era inevitável. “A resposta da repressão precisava ser rápida, por isso a tortura era necessária.” Sete presos políticos disseram ao projeto “Brasil: Nunca Mais” que foram torturados por ele. Lucena nega ter praticado torturas.

O ex-agente admite apenas ter visto algumas sessões de tortura. “Eu tinha muita fama de pegar e matar”, disse.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Abrindo caminho para a revisão da anistia…

     Não à ‘anistia de mão dupla’

    Tese propõe superação de decisão do STF que mantém agentes públicos torturadores sob a proteção da Lei da Anistia

    Ewerton Martins Ribeiro

    Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADPF nº 153/DF, em que se decidiu sobre a abrangência da Lei da Anistia. O que estava em questão era se os crimes praticados por militares e policiais durante a ditadura – como torturas, desaparecimentos forçados, estupros, homicídios – também estariam cobertos pela lei. O STF decidiu que sim, que a abrangência da lei autorizava a anistia inclusive desses agentes torturadores. Mas agora uma pesquisa sugere a superação dessa controversa decisão tomada pelo STF – e acaba de vencer o Prêmio Capes de Tese 2013 na área de Direito e o Grande Prêmio UFMG de Teses 2013 na grande área de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes.

    Emilio Peluso Neder Meyer demonstra, em seu estudo, que a Lei de Anistia tem sido mobilizada como obstáculo a uma adequada “justiça de transição”, sedimentando um entendimento problemático “de que não seria possível responsabilizar os agentes e ex-agentes públicos por suas graves violações de direitos humanos”. Emílio desconstrói os votos dos ministros do STF, detectando suas contradições e falhas, sua ausência de “integridade” e uma tendência reducionista de suas decisões. “É possível que pressões contingenciais das mais diversas tenham colocado a atuação do STF em risco, conduzindo a decisão judicial para longe daquilo que se espera em termos de legitimidade jurisdicional”, sugere o pesquisador, que venceu também o Prêmio Capes de Tese 2013 na área de Direito.

    Ao falar em “pressões contingenciais”, o pesquisador alude a um lobby militar que pode ter contribuído para o sufocamento da adequada justiça de transição durante os últimos 30 anos, influenciando o Poder Judiciário. O pesquisador sugere um histórico medo de que militares engendrassem novos golpes de Estado, e sustenta que esse medo não pode impedir o início, ainda que tardio, de um projeto de afirmação de direitos humanos. “Ainda se fazem ouvir as vozes de vítimas e familiares que almejam algum tipo de justiça”, lembra Emilio. “Trata-se de exigir a formação de uma ‘memória coletiva’ que não seja o resultado de um ‘esquecimento obrigado’, mas sim de um exercício ativo de constante diálogo público com o passado.”

    Entendimentos opostos

    Em geral, o Brasil é devedor do efetivo cumprimento de direitos humanos – mas de forma ainda mais grave no que diz respeito às violações ocorridas sistematicamente na ditadura. Com o olhar voltado para tal débito, Emílio se vale de um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos para propor a superação do olhar lançado pelo STF para a Lei da Anistia. Em novembro de 2010, a Corte Interamericana determinou a condenação do Brasil pelas omissões estatais em relação aos crimes de “desaparecimento forçado” ocorridos na Guerrilha do Araguaia – e o entendimento da Corte, no que diz respeito à Lei da Anistia, foi diametralmente oposto ao entendimento do Supremo sobre a ditadura.

    Ao analisar a visão conflitante entre as duas instâncias, Emilio demonstra que o entendimento da Corte deve prevalecer sobre a decisão do Supremo. “Meu trabalho valida a hipótese de que deve ser dado total cumprimento à decisão da Corte Interamericana, uma vez que o STF ­descumpriu seu papel como um dos ­guardiães da Constituição da República ao julgar a ADPF n° 153/DF, comprometendo com isso o próprio projeto constituinte de 1988”, ele diz. Assim, “a exigência, nesse sentido, é que sejam investigados e punidos não só os crimes de desaparecimento forçado praticados durante a Guerrilha do Araguaia, mas também todas as graves violações de direitos humanos ocorridas no período de 1964-1985 e seus autores, já que se trata de crimes contra a humanidade – que, como tal, são imprescritíveis”.

    O pesquisador lembra que a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade desponta como uma das características elementares do Constitucionalismo mundial pautado por um Direito Internacional dos Direitos Humanos: “Punir é recordar”, afirma. E sua tese, nesse sentido, abre as portas não apenas para a revisão do que postulou o STF, mas também para o julgamento de agentes públicos torturadores e, consequentemente, para o cumprimento mais efetivo dos direitos humanos no Brasil. “É preciso enxergar criticamente o momento anistiador de 1979. É extremamente discutível defender que a expressão ‘anistia ampla, geral e irrestrita’ corresponde a uma ‘anistia de mão dupla’: pelo contrário, ela se destinava a promover uma anistia ainda maior para opositores políticos, não para os agentes públicos”, afirma Emilio Meyer.

    Tese: Responsabilização por graves violações de direitos humanos na ditadura de 1964-1985: a necessária superação da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 153/DF pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos
    Autor: Emilio Peluso Neder Meyer
    Orientador: Marcelo A. Cattoni de Oliveira
    Defesa: julho de 2012, no Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG

  2. Historia estapafurdia sem pé

    Historia estapafurdia sem pé nem cabeça. Impressionante como surgem novas estorias quando aparece qualquer assunto na midia, brotam !iniciados” com informações sigilosas que guardaram sem contar para ninguem por decadas.

    Do nada aparecem testemunhas que por 40 anos guardaram segredos, ex-companheiros, ex-policiais, ex-carcereiros, ex-motoristas, ex-garçons, gente que viu sudo e sabe de tudo o que acontceu, em busca de seus 15 minutos de fama.

    A proposito, quando Brizola se sentiu em risco no Uruguai por causa da ditadura uruguaia, os Estados Unidos o tiraram do Uruguai e lhe deram asilo politico em Nova York, não é bacana?

  3. História ou estoria?

    Nassif: com uma coisa tenho que concordar com os responsáveis pelos “anos de chumbo” no Brasil —tratava-se de uma guerra. Guerra é guerra. Porém, eles ganharam no “varejo” (massacres indiscriminados, sabotagens, torturas, desaparecimentos etc.) e perderam no “atacado” (julgamento da comunidade local e mundial). Isto também aconteceu no Japão e, especialmente, na Europa. Com os fascistas e nazistas deu-se o mesmo, foram julgados, uns pessoalmente e outros, mortos e ausentes, moralmente. Por quê aqui não se instala um novo “Nuremberg”, esse pessoal dos últimos 10 anos do STF, cheios de gás e erudição, ávidos que estão por moralizar a Nação? O depoimento deste “agente” é prova absoluta da “guerra”.

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