Martírio vivido por Frei Tito faz 40 anos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Mara L. Baraúna

Frei Tito de Alencar Lima OP (Fortaleza, 14 de setembro de 1945 — Éveux, França, 10 de agosto de 1974)

Tito de Alencar Lima, filho de Ildefonso Rodrigues Lima e Laura Alencar Lima, caçula entre 11 irmãos, nasceu em Fortaleza no dia 14 de setembro de 1945. Estudou no Colégio dos Jesuítas, onde começou a participar da Juventude Estudantil Católica (JEC). Tornou-se dirigente regional da JEC em 1963, quando se transferiu para o Recife, residindo num velho casarão da Rua do Leite, juntamente com outros dirigentes dos movimentos da Ação Católica. Em fevereiro de 1967, ingressou no noviciado dominicano, mudando para São Paulo – Convento de Perdizes.

Tito foi um jovem de seu tempo, que fez política universitária num momento, 1968, em que o movimento estudantil ia às ruas, fazia greves e manifestações contra a política da ditadura. Foi ele quem conseguiu o sítio para o 30° Congresso de Ibiúna, no qual foram presos mais de 700 líderes estudantis do Brasil inteiro. Frei Tito e Frei Ratton Mascarenhas também foram presos nesse arrastão que fichou toda a liderança estudantil da época. Foi em 12 de outubro de 1968, dois meses antes do AI-5. Depois, o Dops tinha a ficha de todos os líderes estudantis do Brasil e foi mais fácil controlar todos os passos deles.

Em 4 de novembro de 1969, Frei Tito de Alencar Lima foi preso no Convento das Perdizes, em São Paulo. Por um ano e dois meses, o frade ficaria preso junto com outros dominicanos: Ivo Lesbaupin, Fernando Brito, Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), João Antônio Caldas Valença e Giorgio Callegari. Esses dois últimos foram os primeiros a serem libertados. Tito é submetido à palmatória e choques elétricos, no Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), em companhia de seus confrades.

Torturado sob a acusação de pertencer à Ação Libertadora Nacional-ALN, organização de luta armada fundada por Carlos Marighella, Tito foi destruído psiquicamente por seus carrascos.

Os frades dominicanos foram presos na chamada “Operação Batina Branca”, montada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, criador do Esquadrão da Morte. O delegado era o “puro produto da polícia paulista com sua tradição de torturas e assassinatos” segundo o jornalista Elio Gaspari, que escreveu: “Nunca na história brasileira um delinquente adquiriu sua proeminência”.

O delegado Fleury encarnava na época o combate aos grupos armados que resistiam à ditadura, os “terroristas”, como imprensa e aparelho repressor os qualificavam.

Depois da prisão dos frades, Fleury começou imediatamente a bombardear a imprensa com a versão da traição dos dominicanos. Os frades da ALN eram ora “terroristas”, ora “Judas”. Todos os jornais aderiram à versão de que os dominicanos haviam traído Marighella. As manchetes associavam as palavras “frades” e “terror”. O Globo deu na primeira página a fotografia do convento dos dominicanos com a manchete: “Aqui é o reduto dos terroristas do Brasil”. E fez um editorial, “O beijo de Judas” que não honra a história da nossa imprensa.

Começava a campanha da ditadura de desmoralização dos dominicanos, responsabilizando-os pela queda do “inimigo público número 1”. O regime tentava dividir a esquerda, ao apresentar os frades como “traidores”.

Comentando como a imprensa aderiu à diabolização dos frades orquestrada pela ditadura, o ex-frade Roberto Romano observou: “Eles não agiram como jornalistas. Agiram como carrascos e torturadores”.

O sequestro dos frades Ivo e Fernando, pela polícia no Rio, foi decisivo para a queda de Marighella, fuzilado na Alameda Casa Branca no dia 4 de novembro, dia em que frei Tito foi preso e torturado pelo delegado Fleury. Três meses depois, ao voltar à tortura, dessa vez na Operação Bandeirantes, Tito tentou o suicídio, sendo salvo in extremis depois de hospitalizado. “Ele fez isso para evitar que nós todos voltássemos à tortura”, diz frei Fernando.

O relato das torturas a que foi submetido pelo capitão Albernaz saiu clandestinamente da prisão de São Paulo e foi publicado na revista americana Look e na italiana L’Europeo. A Look recebeu por esse texto o prêmio de reportagem do ano, em 1970, atribuído pelo New York Overseas Press Club, associação da imprensa estrangeira de Nova York.

O jornal Le Monde e a imprensa europeia noticiaram com destaque a prisão, a tortura e o processo dos dominicanos. O Papa Paulo VI foi informado desde o início da prisão dos frades e seguiu de perto o processo. Os dominicanos presos enviaram ao Papa de presente uma cruz de madeira feita por eles, com o nome de todos os frades presos.

Meses depois, Tito foi posto na lista dos presos trocados pelo terceiro embaixador sequestrado, o suíço Giovanni Enrico Bücher, em janeiro de 1971. Banido do território nacional por decreto, embarcou para Santiago juntamente com 69 presos políticos. Estava triste e abatido.

Tito optou pelo trabalho de informação: passou a dar testemunho do que se passava nos cárceres brasileiros, através de entrevistas em várias capitais. Em Santiago, deu entrevista aos cineastas americanos Haskell Wexler e Saul Landau, que fizeram o documentário Brazil: a report on torture (Brasil, um relato de tortura) com depoimentos de alguns dos 70 brasileiros libertados em troca do embaixador suíço. De passagem por Roma, Tito não pôde falar a religiosos no Colégio Pio Brasileiro, impedido pela hierarquia, que alegava sua fama de “terrorista”.

Mas deu entrevistas à imprensa em Roma, na Alemanha e na França. Na capital francesa militou ao lado de brasileiros na denúncia das torturas praticadas pela ditadura.

No Convento Sainte-Marie de La Tourette, perto de Lyon, para onde se mudou em 1973, o dominicano esperava encontrar um porto seguro e retomar os estudos de teologia. 

No Natal de 1973, sua irmã, Nildes, o encontrou muito deprimido. Tinha visões de Fleury lhe dando ordens, ameaçando torturar seus parentes. Mudou-se para o campo, procurou trabalhar, mas não conseguia se concentrar. Perdia os empregos. Evitava conversar com os companheiros de convento. Isolava-se. Escreveu no marcador de um livro: “É melhor morrer do que perder a vida”. Descreveu num poema que vivia “Noites de silêncio”. 

No meio da natureza, no alto de uma colina, Tito encontrou o silêncio, mas não a tranquilidade. Em 10 de setembro de 1974, o corpo do frade foi visto por um camponês, pendendo de uma árvore, numa área inóspita, às margens do rio Saône, perto de Villefranche-sur-Saône. Ele preferiu a morte a conviver com a tortura e com seus torturadores que o atormentavam onde quer que fosse. O filósofo Jean Améry, amigo de Primo Levi, dizia que quem foi submetido à tortura “fica incapaz de sentir-se em casa neste mundo. O ultraje do aniquilamento é indelével. A confiança no mundo que a tortura apaga é irrecuperável”.

Foi enterrado no cemitério dominicano do Convento Sainte-Marie de La Tourette em Éveux. Em 25 de março de 1983, o corpo de Frei Tito chegou ao Brasil. Antes de chegar a Fortaleza, passou por São Paulo, onde foi realizada uma celebração litúrgica em sua memória e na de Alexandre Vannucchi. Cercado por bispos e numeroso grupo de sacerdotes, Dom Paulo Evaristo Arns repudiou a tragédia da tortura em missa de corpo presente acompanhada por mais de quatro mil pessoas. A missa foi celebrada em trajes vermelhos, usados em celebrações dos mártires.

40 anos do martírio de Frei Tito, por Francisco Bezerra

Frei Tito, por Gláucia Lima

Frei Tito, uma biografia, por Leneide Duarte-Plon

Frei Tito de Alencar, por Frei Betto

Frei Tito de Alencar – Exposição Sala Escura da Tortura

Frei Tito de Alencar: “Nem tortura nem perseguições evitarão o socialismo”, por José Levino

Frei Tito de Alencar Lima: plenamente cristão. Depoimento do ex-frei dominicano Paulo Botas 

Frei Tito vive

Tratar, testemunhar. A tortura de Frei Tito, segundo seu psiquiatra 

Wikipédia

Entidades que homenageiam Frei Tito

Escritos Reunidos de Frei Tito de Alencar Lima

Memorial Virtual Frei Tito

Protesto expõe acusado de tortura durante a ditadura militar em São Paulo, por Leonardlo Sakamoto

Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella, por Frei Betto

Morrer para viver, por Ben Strik  

A tragédia de Frei Tito, por Camila Brandalise 

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. As frases mais marcantes que deveriam constar

    dos livros de história do Brasil em todas as nossas escolas:

    1 – “delegado Sérgio Paranhos Fleury, criador do Esquadrão da Morte. O delegado era o “puro produto da polícia paulista com sua tradição de torturas e assassinatos”. Estamos falando de polícia “civil”… 

    2 – “Comentando como a imprensa aderiu à diabolização dos frades orquestrada pela ditadura, o ex-frade Roberto Romano observou: “Eles não agiram como jornalistas. Agiram como carrascos e torturadores”.idem dar os nomes aos bois, i.e. quais jornais e quais “jornalistas” assinavam estas matérias.

    3 – “O Papa Paulo VI foi informado desde o início da prisão dos frades e seguiu de perto o processo.” + “De passagem por Roma, Tito não pôde falar a religiosos no Colégio Pio Brasileiro, impedido pela hierarquia, que alegava sua fama de “terrorista”.

  2. 40 anos atrás

    Mara,

    Parabéns pela embrança.

    Este é um dos diversos brasileiros que, à medida em que o tempo pasa, serão irremediavelmente esquecidos.

    O filme a respeto de Frei Tito, apesar de muito bonito,  só fcou em cartaz r uns poucos dias no RJ, e acredito que não foi exibido em mais do que cem dos 5.600 municípios brasileiros – aí eu pergunto, como se pode ficar sabendo a respeito de uma história tão bonita e, sem dúvida, tão desafiadora para os carrascos daquela época que também cairá no esquecimento geral ? 

    De qualquer maneira, ao menos alguns tem o privilégio de conhecer um pouco sobre a vida deste dominicano que causa orgulho a todos os brasileiros.De acordo com alguns a Ordem dos Dominicanos poderia ter feio bem mais do que fez pelos seus frades naquela maldita época, mas como disse, era a opinião de alguns.

    “É melhor morrer do que perder a vida ” é de lascar.

    Um abração

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