Kennedy e a deposição de Jango, por Elio Gaspari

Sugerido por Gilberto Cruvinel

Da Folha

 
Elio Gaspari
 
No dia 7 de outubro de 1963, 46 dias antes de ser assassinado, John Kennedy presidiu uma longa reunião na Casa Branca e nela, em poucos segundos, fez a pergunta essencial a Lincoln Gordon, seu embaixador no Brasil: “Você vê a situação indo para onde deveria, acha aconselhável que façamos uma intervenção militar?”. Gordon mostrou-lhe que esse era um cenário já discutido, porém improvável.
 
Um ano antes o presidente americano pusera no seu baralho a carta de um golpe militar para depor João Goulart. A associação de Kennedy ao golpe está amparada nos fatos, mas ao longo do tempo pareceu mais fácil jogar a responsabilidade em Lyndon Johnson, seu detestado sucessor. Desse truque participou até mesmo Jacqueline, sua adorável viúva.
 
Tudo ficaria mais fácil se Jango tivesse sido derrubado pelos americanos, mas ele foi deposto pelos brasileiros, numa sublevação militar estimulada e apoiada por civis. A Casa Branca, contudo, sagrou a insurreição reconhecendo o novo governo enquanto Jango ainda estava no Brasil, cuidando de suas fazendas, a caminho do Uruguai.

 
Passados cinquenta anos, numa época em que o aparelho de segurança americano grampeia comunicações pelo mundo afora e mata gente com seus drones, vale recordar outro momento da ditadura brasileira. Em 1971, o presidente Emílio Médici visitou Washington e foi festejado pelo presidente Richard Nixon com a frase “para onde for o Brasil, também irá o resto do continente latino-americano”. Discutiram a derrubada do presidente chileno Salvador Allende (ela ocorreria dois anos depois) e o general brasileiro ofereceu-se para ajudar no que fosse possível para derrubar Fidel Castro.
 
Em agosto de 1970, a embaixada americana em Brasília mentia para o Departamento de Estado informando que a tortura estava sendo substituída por métodos “mais humanitários” de interrogatório. Citava dois casos de mulheres presas em São Paulo. Pura patranha. Ambas haviam sido torturadas no DOI, onde o consulado americano mantivera um pesquisador-visitante. Ademais, endossara uma versão falsa da morte de um preso. (O cônsul no Rio, Clarence Boonstra, desmentia essa informação.) Num depoimento ao Senado americano, o chefe do programa de segurança pública do programa de ajuda ao Brasil disse que não sabia o que era o Codi e não lembrava o que fosse uma “Operação Bandeirante”. A fraternidade da diplomacia americana com o DOI rompeu-se com a chegada a São Paulo de um novo cônsul, Frederic Chapin, personagem injustamente esquecido na história do período.
 
A cumplicidade do governo americano com o regime brasileiro terminou em 1977, quando assumiu o presidente Jimmy Carter. (Um ano depois da demissão do general Ednardo D’Avila Mello pelo presidente Ernesto Geisel por causa da morte de um preso no DOI de São Paulo.) Empunhando a bandeira dos direitos humanos, Carter afastou-se das ditaduras latino-americanas. Com essa reviravolta, os Estados Unidos fizeram melhor que os franceses, que mandaram ao Brasil como adido militar o general que se intitularia “maestro” da tortura na Argélia, ou que os ingleses, que forneceram a tecnologia de celas especiais para o DOI do Rio. Nelas, som e silêncio, calor e frio, alternavam-se para desestruturar os presos.
Redação

9 Comentários

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  1. Sobre as melhores técnias de 

    Sobre as melhores técnias de  tortura com o seu respectivo manual…

     

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuais_KUBARK

    http://ciencia.hsw.uol.com.br/manual-da-tortura1.htm

     

    Manuais de tortura para as gerações

    No momento em que os repórteres do The Sun obtiveram uma cópia do manual de 1983, no meio dos anos 90, o congresso já tinha realizado audiências sobre os possíveis abusos da tortura na CIA. Através dessas audiências, novos padrões para o tratamento de detentos surgiram. O que era considerado justo nos interrogatórios pela CIA – como longos confinamentos em pequenas celas, privação do sono e estresse (em inglês) prolongado – foi considerado não ético e ilegal pelo Congresso. Os repórteres do The Sun descobriram que o manual de 1983 havia sido alterado à mão após as audiências do Congresso no fim dos anos 80. “Essas alterações e novas instruções que aparecem nos documentos obtidos pelo The Sun, fundamentam a conclusão de que os métodos ensinados nas primeiras versões eram ilegais” [fonte: The Baltimore Sun].

    As Nações Unidas (ONU), também aumentaram as restrições contra a tortura. A Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura foi ratificada por 25 países na primavera de 1985 (os Estados Unidos não assinaram o tratado). Ela contém uma abrangente definição de tortura, definindo-a como “qualquer ato pelo qual a dor severa ou sofrimento, físico ou mental, é intencionalmente imposto a uma pessoa com a finalidade de se conseguir informação ou confissão dela ou de uma terceira pessoa ” [fonte: ONU].

    Antes do tratado da ONU, as leis internacionais já tinham estabelecido claramente que comportamentos como humilhação e degradação estavam fora dos limites. A Convenção de Genebra baniu tratamentos como esse aos prisioneiros no contexto da guerra, depois de ser ratificada em outubro de 1950 [fonte: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos].

    Ambos os manuais para interrogatórios da CIA sugerem técnicas consideradas como tortura pelas leis internacionais. E, quando comparados aos fatos conhecidos sobre as atividades do Batalhão 316 Hondurenho, bem como aos testemunhos dos membros da tropa, torna-se visível que a CIA estava usando as técnicas de interrogatório delineadas nos manuais. Igualmente notável é a comparação do KUBARK e do manual de 1983 com o tratamento dos detentos durante a guerra do Iraque.

    Embora o Congresso tenha censurado veementemente os métodos de interrogatório da CIA como descritos nos manuais KUBARK e 1983, e através dos testemunhos de membros do Batalhão 316, ficou claro que a CIA ainda estava usando técnicas de interrogatório descritas nos manuais. Como prova, fotos de prisioneiros em Abu Ghraib e relatos de prisioneiros no centro de detenção do Exército na Baía de Guantanamo, Cuba, apareceram no começo do século 21.

     

     

    Abu Ghraib prisoner released.
    Ahmad al-Rubaye/AFP/Getty Images
    Um iraquiano abraça o irmão em novembro de 2005, depois de ser libertado da prisão de Abu Ghraib, lugar onde os prisioneiros eram amarrados, encobertos e degradados sexualmente pelos militares americanos
     

    Na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, fotos de prisioneiros nus, amarrados, encobertos e sexualmente degradados, vieram a público em 2004 [fonte: Salon]. Naquele mesmo ano, também vieram a público alegações de que prisioneiros na detenção da Baía de Guantanamo eram mantidos em posições estressantes por longos períodos, nus, ameaçados com cães e alimentados com quantidades mínimas de comida e água [fonte: The Washington Post (em inglês)]. Em 2005, jornais publicaram que a CIA tinha prisões secretas em países na Europa, Ásia e África, onde importantes suspeitos de terror eram submetidos a “técnicas de interrogatório aperfeiçoadas”, que incluíam o abuso físico [fonte: ABC News].

    Seguindo esses relatos, membros do Congresso realizaram audiências sobre o uso de tortura pela CIA e os militares americanos, exatamente como suas contrapartes fizeram, no fim dos anos 80. Em 2007 e 2008, foram realizadas audiências sobre a legalidade da simulação de afogamento, um método de interrogatório que simula o afogamento. A visão do Congresso sobre a técnica pode ter pequeno efeito na decisão da CIA para descontinuar seu uso, se a história for o roteiro.

    Relatos sobre o tratamento de detentos em Abu Ghraib e Guantanamo, bem como a existência de prisões secretas, mostram que a CIA parece ter dificuldade de abandonar velhos hábitos. Ou isso, ou a agência não tem técnicas de extração de informações que sejam mais efetivas do que as que apareceram primeiro no manual KUBARK .

  2. E vamos demonizar somente

    E vamos demonizar somente Hitler e Stalin 

    E o Jimmy Carter foi o presidente que carregava malas vazias

    E o bonitinho do Kennedy era a favor dos direitos civis e foi assassinado por um complô de comunistas

    E a França (recomendo o filme A Batalha de Argel) e a Inglaterra são países civilizados

    E o blog do Nassif está devendo a versão histórica da renúncia de Jango para impedir que os Estados Unidos rachassem o Brasil como fizeram com a Coréia. E nesta vwersão vai aparecer um extraordinário brasileiro que abdicou do poder pessoal em favor da nação brasileira

    E nada como o tempo para fazer emergir a história verdadeira

      1. A história não é linear

        A história não é linear portanto é perfeitamente cabível se ler um tópico e inclui-lo dentro do momento histórico a que se refere.

        O que comentei pode ser besteira para você que vê a história de forma pontual e linear. Além do que é cego quando se trata de defender os Estados Unidos. Eu não, minha ótica é a do Brasil, não a dos Estados unidos que nos impôs um período  de ditadura que seccionou o  desenvolvimento social, político e econômico do meu país.

        1. Minha cara, pelo proprio

          Minha cara, pelo proprio material do post vc vê que os EUA não foram autores de golpe algum. Todo Governo de um Pais importante se POSICIONA sobre eventos de troca de Governo em outros Paises, há naturais simpatias e antipatias, isso é normal e sempre ocorreu, faz part de qualquer Pais-potencia se colocar de uma forma ou de outra nesses eventos.

          O Brasil na troca de Zelaya em Honduras não só se posicionou mas PARTICIPOU INTENSAMENTE da politica interna de Honduras, oferecendo a Embaixada para Zelaya como QG de seu ativismo, não ficou lá asilado somente, usava a Embaixada como centro de sua ação politica COM APOIO DO BRASIL.

          Na troca de Governo no Paraguai quando caiu Lugo, o Brasil se posicionou fortemente a fvaor do Presidente caido, uma interferencia muito maior do que jamais os americanos tiveram em relação ao Brasil.

          O movimento de 31 de março se resolveu internamente, sem qualquer interferencia externa, como ocorreu na queda da Monarquia, no movimento tenentista e rebelião de 1924, na marcha da coluna Prestes, na Revolução de 1930, no Estado Novo de 1937, na queda de Getulio em 1945, na crise do suicidio em 1954, nas crises de 1955, todas resolvidas internamente, não tem nada a ver com os EUA, nem daria tempo para uma interferencia externa, os EUA em 64 não mandaram aviões, navios, armas, munição, combustivel, soldados ou qualquer outro elemento de interferencia.

          Ao contrario do que vc diz NÃO HOUVE PARTICIPAÇÃO ALGUMA DOS EUA, com bem demonstra Elio Gasperi.

          Reuniõs e tlegramas da Embaixada não são interferencia, são relatorios, informes e inteligencia.

          Gaspari mostra que SE DISCUTIU  situação do Brasil, algo natural, isso não é interferencia, os Governos fazem isso todo dia, para isso existem Embaixadores e Chancelaria.

          1. SERÁ, MOTTA?

            Motta Araújo, será que você não vê a diferença entre as intervenções de Brasil e USA em golpes perpetrados por usurpadores?

            O Brasil deu apoio a dois ex-governantes (Honduras e Paraguai) legitimamente eleitos e depostos por golpistas, enquanto os USA deu apoio a golpistas brasileiros e patrocinou, sim, o golpe que depôs Jango, legitimamente eleito.

             

             

          2. Participação dos EEUU no golpe

            Em primeiro lugar, não vi no comentário da Vera a afirmação de que os EEUU foram os autores do golpe.

            Em segundo lugar, os EEUU apoiaram sim todos os golpes de estado e ainda forneceram torturadores (Dan Mitrione é um dos exemplos) e assassinos profissionais para “ensinar” os degenerados daqui e de outros países da América Latina. Num infame Estádio de futebol onde a ditadura de Pinochet levou seus prisioneiros políticos constatou-se a presença de “assessores” ianques durante as torturas e assassinatos).

            Em terceiro lugar, você está se esquecendo dos documentos liberados que deram origem ao filme “O dia que durou 21 anos”? 

            O movimento de 1° de Abril -não tente passar o “31 de março” porque não cola- teve interferência interna sim porque recebeu a confirmação de Washington a respeito da ajuda militar. Daí, os gorilas se encheram de coragem, pisotearam a Constituição e assaltaram o poder.

            A outra interferência foram os “guichês” da embaixada ianque a distribuir dólares para deputados e “intelectuais” do Instituto Millenium, digo, IBAD.  No vídeo supracitado há declarações a respeito disso, além da infinidade de estudos, artigos e reportagens a respeito da participação dos entreguistas neste Instituto.

            A ingerência dos EEUU em outros países é um padrão daquela plutocracia. A ingerência com assessoria de torturadores, terroristas e assassinos profissionais é feita em quase todo o mundo. Miami, terra preferida por ministros de Supremos Tribunais, é o local onde estes degenerados são hospedados e bem tratados. E além deste tipo de ingerência que infiltra mercenários (Nicarágua, Irã-Contras) há os bombardeios “humanitários” que virou a nova moda do Império e seus lacaios (OTAN).

             

  3. Daqui a pouco vão dizer que a

    Daqui a pouco vão dizer que a culpa do golpe é da Jacqeline , que estava morta de ciúmes da beleza da Teresa Goulart e decidiu afastá-la junto  com o marido , para reinar sozinha no cenário do “jet set”…

  4. Essas  iniciais…..Nunca  me

    Essas  iniciais…..Nunca  me enganaram  os  sempre risonhos e queridinhos  das mídias  ,  o  yankee e o mineiro….Dois  dissimulados…

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