Abertura de Perus foi o sentido da minha vida, diz Luiza Erundina

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Mais de vinte anos se passaram e Erundina recorda como enfrentou a identificação dos desaparecidos enterrados clandestinamente na vala
 
 
Jornal GGN – “Pelo menos o governo municipal não vai abrir mão dos resultados, desses encaminhamentos, temos que levá-los às últimas consequências, dure o tempo que durar, custe o tempo que custar. Isso que é importante, isso que nos dá vontade e certeza dos resultados desse esforço”, disse Luiza Erundina, há 24 anos, quando era prefeita de São Paulo e decidiu enfrentar resistência, tabus da ditadura, e levar a cabo a identificação das ossadas de Perus.
 
Agora, a deputada federal assiste a essas imagens, com seriedade e o mesmo fôlego de 1990. Naquele ano, 1.049 sacos com ossos de mortos durante o regime militar foram encontrados na vala clandestina, localizada no cemitério Dom Bosco, na zona norte da cidade. Conhecendo as dificuldades que teria pela frente, defez-se da poltrona que o cargo executivo sustenta, separou botas de plástico – para o terreno irregular e dias de chuva – e liderou a responsabilidade, não apenas com ordens, mas com as próprias mãos. 
 
“Eu fui muitas vezes ao cemitério, porque a gente temia que a polícia baixasse por lá, clandestinamente, ou os interessados de apagar a verdade sobre aqueles crimes, sumindo com aquelas ossadas. Eu tive que ficar vigilante, eu, pessoalmente, além da minha equipe, da equipe policial”, contou, em entrevista exclusiva ao Jornal GGN.
 
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Com a grande divulgação e repercussão da descoberta, que provocou uma espécie de proteção e legitimidade para aquela tarefa, Erundina fechou parceria com o Estado de São Paulo para obter a estrutura de uma Universidade que guiasse o trabalho de perícia. Desde o primeiro momento, também preocupou-se em manter o máximo de acompanhamento possível de familiares e conhecidos dos mortos pela ditadura. E contou com os esforços do Ministério Público para responsabilizar publicamente o governo, pela ação da polícia de enterrar aqueles desaparecidos como indigentes. 
 
“Fizemos um convênio com o Estado, para poder usar os recursos científicos da Unicamp, e eles fizeram isso de forma muito competente e generosa. Eu agradeço a Deus de ter conseguido fazer isso [a parceria] antes do final do governo, porque senão tinham conseguido impedir que a verdade viesse à luz e os cadáveres devolvidos a seus familiares, como fizeram depois que eu sai da prefeitura”, afirmou.
 
De fato, a negligência e o descaso com aqueles resquícios ósseos iniciaram com a saída de Luiza Erundina da prefeitura da cidade. Os avanços do médico legista da Unicamp, Fortunato Badan Palhares, com a identificação por sua equipe de seis desaparecidos políticos – Dênis Casemiro (1946-1971), Sônia Maria Lopes de Morais Angel (1946-1973), Antônio Carlos Bicalho Lana (1949-1973), Frederico Mayr (1948-1972), Helber José Gomes Goulart (1944-1973) e Emanuel Bezerra dos Santos (1943-1973) – ocorreu nos dois primeiros anos de pesquisa da Universidade.
 
A partir de então, uma sucessão de erros de Badan Palhares, denúncias de falta de cuidado no manejamento dos materiais, a falta de profissionais brasileiros capacitados para a específica medicina forense e a ausência de vontade política foram alguns fatores que paralisaram as descobertas.
 
Sob pressão dos familiares com o silêncio das investigações, as ossadas transitaram em diversas unidades de perícia: além da Unicamp, UFMG, Instituto Médico Legal da USP e Polícia Científica tentaram descobrir quem eram os corpos. Nesse meio tempo, foram armazenadas em locais impróprios, inclusive voltando a um cemitério, do Araçá, onde os ossos permaneceram em um columbário, sujeitos a fungos que prejudicam a preservação do material genético.
 
Leia mais: Histórico de Perus: “Não é mais possível viver com fantasmas do passado”
 
“Romperam [a prefeitura pós 1992] o convênio com o governo do Estado, a Unicamp perdeu as condições de continuar o trabalho, e por isso as ossadas ficaram sendo levadas para lá e para cá, se deteriorando, perdendo muito da qualidade do material para garantir condições favoráveis às análises. Foi graças ao empenho dos familiares, à dedicação, continuamos a militância, independente de eu estar ou não no mandato”, explicou Erundina.
 
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A ex-prefeita e atual deputada lembra que, mesmo após mais de vinte anos, o trabalho não foi concluído. Considera a paralisação das perícias uma consequência “de um governo de direita”, ao se referir aos anos de gestão de Paulo Maluf (1993-1997). Mas recorda com orgulho a busca pelas respostas de Perus, no seu mandato. 
 
“Se eu não tivesse feito nada como prefeita de São Paulo, teria valido para tomar essa iniciativa, ter coragem de enfrentar as consequências, as ameaças, a possibilidade de fracasso, poderia não ter dado certo. E, no entanto, a partir da abertura dessa vala, novos arquivos foram se abrindo, inclusive em outros estados. Eu me sinto gratificada ao povo de São Paulo, de ter me dado um mandato, e agradeço a Deus a oportunidade de ter tido esse poder, e colocá-lo a serviço de uma causa, que tem sido para mim o sentido da minha vida.”
 

Entrevista concedida a Patricia Faermann e Pedro Garbellini

Imagem e edição: Pedro Garbellini

Leia as outras reportagens da série “Ossadas de Perus, a difícil transição”.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. Tá, o o jatinho???!!!. . . .

    Tá, o o jatinho???!!!. . . . não quer mais falar disso??? quer mudar o tema ???!!! . . . o Serra tá te mandando um beijo na boca . . . . vou parar por aqui porque o que eu desejaria dizer a esta senhora poderia dar processo . . . ái que vontade de falar,  . . . . . . . . . . mas é que ela é da turma que bota processo nos que ousem deles falar, os PPSs, os Tucanos, os DEMs . . . . sai fora impulhadora . . . . . .

  2. Quer achar ossadas de Perus?

    Quer achar ossadas de Perus? cava no buraco do Metro que os teus aliados da campanha de 2014 fizeram, vai procurar no aeroporto de Claudio . . . . . cara nao sei porque de uns dias para cá resolveram dar midia alternativa a esta senhora, nós todos gostariamos é de vê-la falando na hora em que a campanha eleitoral pegava fogo, aí ela ficava quietinha quietinha, ela e o presidente do partido hospedeiro . . . . . Erú, já foram procurar nos escombros das casas em que caiu ou foi jogado o jatinho com o Eduardo Campos ???? . . . . áh dá um tempo, vamos tratar de futuro, e nao desta coisa fisiologica . . . . mas tudo bem, se ela quer cavar em Perus talvez por lá encontre rastros de seu passado politico, fora disso nao vai achar é nada . . . . . . 

  3. Erundina se agigantou abrindo

    Erundina se agigantou abrindo as valas comuns de Perus… e se nanificou apoiando Marina Silva. Um caso raro de suicídio político não programado. 

  4. E isso prefeita

    Parabéns Luiza Erundina pelo seu trabalho à frente da prefeitura de SP, sobretudo pela coragem no que se refere ao cemitério de Perus, as ossadas de desaparecidos, mostrando à sociedade uma verdade que muitos não sabiam ou não queriam saber. 

    Quanto à campanha de 2014. Acho que Erundina tomou a decisão de ir até o fim com seu partido. Muitos foram as criticas quando ela abandonou Fernando Haddad (um erro de sua parte), dessa vez parece que ela resolveu ser mais pragmatica e, quiça, tenha ainda acreditado numa Marina de outros tempos (se é que essa Marina existiu de fato um dia). 

  5. Dona Luiza, por que? Uma bela

    Dona Luiza, por que? Uma bela história, uma vida respeitável e com dois gestos se equipara ao que há de pior. Vá entender a (eu incluso) espécie humana!

  6. Quer recordar o pasando de

    Quer recordar o pasando de luta e gloria para esquecer que jogou toda sua luta fora quando apoiuo os banqueiros da extrema direita nazista, deixando de fora todo seu eleitorado. A pergunta é: será que ela é confiavel?.

  7. Pessoa como Erundina não se nanica p/ 1 ou p/ 2 ou p 3 episódios

    Vi os comentaristas até este momento, como foram poucos, li-os. Uma pessoa como Erundina não se nanica por um ou por dois ou por três episódios. E digo mais: a gente não sabe o que vai dentro da cabeça dela (como não sabemos o que vai na cabeça dos outros, ninguém é de todo assim, nem de todo assado, nem de todo reprovável, nem de todo aprovável – sob o ponto de vista que temos uns dos outros). Nem mesmo sabemos o que vai nas nossas próprias cabeças (um bom conhecedor de Freud poderia nos falar melhor). Não sabemos do que ocorre nos bastidores, não sabemos dos motivos que um Plínio Arruda deixou de apoiar Haddad (seria ele um tolo vira-casaca, tão rapidamente assim julgado?). O que Severino Cavalcanti fez, quem de nós sabe? Só pelo blog? Risos. Só pela midia? Risos. Um CIro Gomes, que teve briga das mais feias com ele, em entrevista (longa, no youtube, em várias partes), não disse que ele era feio, ao contrário(coisas de bastidores). E olhe que CG não tem papas na língua, mas tem visão larga demais pra gente. Mas essas coisas não dão Ibope, nem na Globo, nem na blogosfera. Não há centro do mundo. E este Nickname não se exclui, é gente.

  8. Vala clandestina de Perus

    Ela se “esqueceu” de mencionar que o governo Haddad retomou a identificação das ossadas, tendo, entre outras entidades envolvidas, a Unifesp, onde o trabalho está sendo feito inclusive por peritos internacionais. É bem típico da Erundina mesmo!

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