Lei da Anistia: o impasse do Judiciário com a Corte Interamericana, por Eugênia Gonzaga

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O grave impasse do Judiciário brasileiro com a Corte Interamericana

Eugênia Gonzaga*

O Brasil manteve-se inerte na responsabilização de agentes da ditadura que cometeram, num contexto de perseguição generalizada à população, crimes de tortura, desaparecimento forçado, homicídio e outros, reconhecidos como crimes contra a humanidade. Isto se deu por conta da interpretação que foi dada à Lei de Anistia, desde a sua edição, em 1979 – no sentido de que estavam perdoados todos os crimes praticados naquele período.

A partir de 2007 começaram a ser propostas, pelo Ministério Público Federal, as primeiras ações de responsabilização, quebrando a inércia. O debate voltou então à pauta mas, antes mesmo que os juízes de primeiro grau julgassem essas ações, a Ordem dos Advogados do Brasil, em uma atitude bem intencionada, mas açodada, pediu a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Com isso, as únicas ações até então propostas foram paralisadas e, em 2010, a maioria dos ministros do STF se pronunciou pela validade da Lei de Anistia para os agentes da ditadura, mesmo nos casos de graves violações.

Foi um duro golpe para os defensores da chamada Justiça de Transição – a que define as medidas que devem ser adotadas para a transição eficaz de um regime ditatorial para um regime democrático o que envolve, necessariamente, a responsabilização dos perpetradores de crimes contra a humanidade.

No mesmo ano, contudo, surgiu um alento em uma ação proposta há mais de uma década perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por familiares de desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia (grupo de resistência à ditadura que se instalou no norte de Goiás e sul do Pará). A Corte proferiu sentença reconhecendo que o país foi vítima de crimes contra a humanidade, insuscetíveis de anistia ou prescrição. A Lei de Anistia é, portanto, válida para todos os demais crimes, assim como decidiu o STF, mas não para as graves violações, ou crimes de sangue.

A Corte determinou ao país que desse andamento às ações de responsabilização e que abrisse novas investigações. Foi o que o Ministério Público Federal procurou fazer.  Apesar  desses esforços e da determinação oriunda do âmbito internacional, nenhuma ação teve êxito no Judiciário em razão da decisão anterior do STF, pela validade da anistia.

No final do ano de 2014, a Corte Interamericana analisou a situação brasileira relacionada ao cumprimento de sua sentença e concluiu, por meio de resolução, que o Poder Judiciário vem descumprindo as suas determinações.

Para a Corte, as decisões judiciais proferidas após a condenação sofrida pelo Brasil não poderiam estar fundadas na decisão anterior do STF. Ao proceder deste modo, o Judiciário brasileiro está “comprometendo a responsabilidade internacional do Estado e perpetua a impunidade de graves violações de direitos humanos”. Para a Corte há uma nítida desconsideração de sua competência e da coisa julgada internacional.

É a primeira vez que o Judiciário brasileiro se depara com  situação similar e vem se saindo mal. Aparentemente, os magistrados confundem decisão internacional com decisão estrangeira. São diferentes obviamente, sendo que eles estão obrigados ao cumprimento das decisões internacionais porque, como a Constituição assim dispôs, não há qualquer ofensa à  soberania nacional.

A situação é insustentável. Aguarda-se que o Supremo Tribunal Federal mude sua postura e dê outro tipo de sinalização às instâncias inferiores.  Ele terá a oportunidade definitiva de fazê-lo ainda neste ano, no âmbito das ações sobre o tema que lá estão pendentes de julgamento exatamente por conta da decisão da Corte.

Caso isto não ocorra, será justamente o Poder Judiciário – a quem caberia exercer o chamado controle de convencionalidade e exigir de outros órgãos o cumprimento das decisões da Corte – o responsável  por criar um  gravíssimo impasse para o Brasil  em suas relações internacionais.

Eugênia Gonzaga – Procuradora Regional da República e presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Uma elite escravista e por

    Uma elite escravista e por tanto medíocre, não vê competência em nada que seja latino americano. Eles adoram os parquinhos de diversões e comprinhas lá fora. Aliás foi ouvido por nada mais, nada menos que 90 funcionários dum tribunal, via sonorização de uma sessão com 7 magistrados encerradas com de menos de 5, C I N C O,  MINUTOS de  “trabalhos”.Um dos dotô de toga disse: ” Com essas sessões PAGO passagem para maiâmi”.  (custo da sessão à época, R$ 400,00) 

    90 FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS OUVIRAM ESSA MANIFESTAÇÃO.

  2. Durante a ditadura o Brasil

    Durante a ditadura o Brasil era um país fora-da-lei quando violava a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Americana de Direitos Humanos. A ditadura acabou, mas nosso país segue agindo fora-lei porque não se submete à uma decisão válida da OEA. Se invadirem esta merda não defenderei este país fora-da-lei e ficarei feliz se os invasores mandarem para o paredão os Ministros do STF que legitimaram o crime, a tortura e as execuções cometidas por policiais e militares. Simples assim. 

     

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