Ofício das Forças Armadas reconhece torturas e desaparecimentos na ditadura

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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de O Globo

Em documento, Forças Armadas admitem pela primeira vez tortura e mortes durante ditadura

Ofício encaminhado à Comissão da Verdade diz que Estado foi responsável por ‘morte e desaparecimento de pessoas

POR EVANDRO ÉBOLI

BRASÍLIA — Em ofício encaminhado nesta sexta-feira à Comissão Nacional da Verdade (CNV), as Forças Armadas reconheceram pela primeira vez a ocorrência de desaparecimentos e mortes durante a ditadura militar. O ministro da Defesa, Celso Amorim, no documento, afirma que o ordenamento jurídico reconheceu a responsabilidade do Estado “pela morte e desaparecimento de pessoas durante o regime militar, bem como pelos atos de exceção praticados no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988”. O ordenamento jurídico a que Amorim se refere trata-se da criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que admitiu a culpa do Estado e indenizou familiares de vítimas do regime, e também da Comissão de Anistia, que, até hoje, julga perseguições políticas ocorridas naquela época.

CONFIRA A ÍNTEGRA DO OFÍCIO

“Nesta perspectiva, o Estado Brasileiro, do qual este Ministério faz parte, por meio das autoridades legalmente instituídas para esse fim, já reconheceu a existência das lamentáveis violações de direitos humanos ocorridas no passado e assumiu sua responsabilidade pelo cometimento desses atos”, diz o ofício.

 

No texto, os três comandantes militares também se manifestaram. Exército e Aeronáutica afirmam que não é pertinente a essas forças se manifestar sobre as decisões do Estado brasileiros, se referindo ao reconhecimento de mortes e torturas. A Marinha, por sua vez, diz que não foram encontrados indícios que permitam confirmar ou negar a ocorrência das violações. Amorim diz que os militares não negam ocorrência desses fatos.

“O Ministério da Defesa, como parte integrante do Estado Brasileiro, compartilha do reconhecimento da responsabilidade estatal pela ocorrência de graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988. Nesse sentido, observo que as conclusões dos oficios dos Comandos Militares não se contrapõem a esse reconhecimento”, afirma Amorim, que conclui afirmando que as Forças Armadas têm colaborado com a Comissão da Verdade.

No ofício enviado por Celso Amorim é uma resposta a um questionamento feito pela Comissão da Verdade em 13 de agosto. A comissão pedia esclarecimentos sobre as conclusões de Exército, Marinha e Aeronáutica que, em suas sindicâncias, concluíram que não ocorreram torturas e mortes nas dependências militares. Informaram não haver “desvio de finalidade no uso das instalações militares”. Neste pedido agora, a comissão perguntou se os militares negavam essas violações, apesar de terem reconhecidas pelo Estado por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos e pela Comissão de Anistia.

A Comissão da Verdade foi além e acusou os militares de, ao negarem torturas e mortes, foram omissos e ignoraram a responsabilidade assumida pelo Estado com a criação das duas comissões.

“Ao negarem todo e qualquer desvio de finalidade de suas atividades em instalações que lhes eram administrativamente afetadas, as Forças Armadas, conjuntamente, por meio de seus comandos, foram omissas não apenas quanto ao relatório da CNV (que apontou existência de violações nas dependências militares) e às provas relacionadas ao cometimento de graves violações de direitos humanos – tais como tortura, desaparecimentos forçados e execuções sumárias -, como também não fizeram qualquer menção aos atos formais de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pelas condutas criminosas de militares e policiais praticadas durante a ditadura, embasados em leis, em específico nas decisões exaradas, respectivamente, pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pela Comissão de Anistia”, afirmaram os integrantes da Comissão da Verdade no ofício enviado a Celso Amorim em 13 de agosto.

Eles lembram ainda que as Forças Armadas têm representantes nas duas comissões. Inclusive com a possibilidade de exercício do contraditório, o que demonstra formalmente o reconhecimento de sua legitimação institucional e de sua corresponsabilização para com as decisões ali proferidas (nas comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos).

No pedido ao Ministério da Defesa, a comissão listou nomes de 24 opositores do regime militar que foram vítimas de tortura em sete instalações militares das três forças no Rio, São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Calma no Brasil, amiguinhos!

    Vejo que alguns comentaristas estão ignorando, voluntariamente, que, segundo as leis desta república, os comandantes militares são subordinados ao Ministro da Defesa. Para eles, a lei só pega se a gente gosta? Ou essa hierarquia só vale nos EUA, França e Inglaterra (inclusive em épocas de guerra)?

    1. O Ministerio da Defesa, aqui,

      O Ministerio da Defesa, aqui, nos EUA, na França, na Inglaterra, no Mexico é uma instancia ADMINISTRATIVA que coordena os orçamentos da forças armadas e as representam perante o poder civil, ao mesmo tempo que representam o poder civil perante as Forças.

      MAS as Forças Armadas são uma instituição SEPARADA do Ministerio da Defesa, porssio existe um Comandante do Exercito, outro da Aeronautica e outro da Marinha.

      Em alguns paises, como a Colombia, existe um Comandante Geral das Forças Armadas., fardado, que não é o Ministro da Defesa

      Há perfeita noção em quase todos os paises que tem Ministerio da Defesa que a ESTRUTURA das Forças Armadas é independente da estrutura do Ministerio da Defesa, há uma diferença entre fardados e civis. A cadeia de comando das forças é INTERNA e se auto nomeia.

      Um militar entre aos 16 anos na Escola de Cadetes e passa sua vida inteira treinando sob as regras da HIERARQUIA e DISCIPLINA, nenhum governo civil conciente interfere nessa estrutura.

      Jango tentou intervir na hierarquia e se deu mal, raros governos fazem isso.

      Por essa razão os Comandos das Forças Armadas não atendem aos oficios da CNV.

      Se fossem subordinados ao Ministro da Defesa deveriam responder mas como não são,

      o Ministro diplomaticamente respondeu a CNV em nome das FA mas não foram ESTAS que assinaram a resposta.

  2. Ditadura Militar

    Com essa declaração as Forças Armadas do Brasil aproximam-se mais do estado de direito, e nos tranquilizam a todos!

    Parabéns Ministro Amorim por sua capacidade conciliatória e competência!

  3. Não entendo porque essa

    Não entendo porque essa necessidade da Comissão da Verdade exigir das Forças Armadas uma espécie de auto de expiação, merce de pessoalmente ser a favor que a essa deva ser a postura das mesmas dado os novos tempos que ora vivenciamos. 

    Minha estranheza é porque elas, Forças Armadas, foram instituídas e são constituídas sob duas pilastras básicas: a hierarquia e a disciplina. Por esse aspecto, o comandante supremo das mesmas é o presidente da República. 

    Dado isso, acho que esse ofício do ministro é só pro forma. 

  4. Nada de novo no front.

    Segundo a gramática de Pindorama, como classificaríamos o agente da ação na sentença “O Estado Brasileiro assumiu sua responsabilidade pelo cometimento desses atos.”?

    (  ) sujeito oculto

    (  ) sujeito indeterminado

    (  ) oração sem sujeito

    (  ) todas as anteriores

    Se o Amorim não assumir o comando e enquadrar quem faz corpo mole, dia desses teremos até sargento infante dando ordem unida pro dito cujo.

    “-Ministro, sentido! Meia-volta, volver. Direção ao infinito. Ordinário, maaarche… Firma a cadência!(E amanhã quero essa barba raspada e o cabelo no padrão.)”

    Amorim e seus malabarismos verbais de ofício…

    …Fala sério.

  5. A discussão é irrelevante,

    A discussão é irrelevante, pois no sistema penal brasileiro o CRIMINOSO não tem o direito de julgar seu próprio crime e o depoimento do réu não tem poder para o inocentar. As provas históricas CONDENAM as Forças Armadas. Isto basta para que as torturas e execuções de civis sejam cobradas, julgadas e condenadas. Se o Estado não fizer justiça as vitimas podem e devem se vingar pessoalmente. 

  6. C’est fini ………

    Creio que com este oficio do Ministro da Defesa, cessa de vez estas acusações às FAs, tendo em vista que o responsável maior é o Estado, que em estado de excessão, assassinou, torturou e desapareceu com opositores a estes mesmos atos, e a seus métodos de ação!!!

    Ninguém em sã consciência, irá aplaudir estes atos cometidos por integrantes das FAs naquele período, e embora alguns estivessem agindo dentro das leis votadas naquele período de excessão, devem ser responsabilizados, pois a meu ver foram cometidos sim, atrocidades e barbaries contra a vida humana.

    Não se aceita como desculpa, que foi cumprindo ordens, pois muitos dos excessos já provados, mostraramf que foi somente uma vazão da selvageria humana daqueles indivíduos, que infelizmente conspurgaram o nome daquelas instituições!

    O que não podemos e não devemos, é ficar nesta luta fraticida que só vem nos fragilizar, e com isto proporcionar a divisão tão bem desejada por nossos inimigos, que esempre estão a espreita para nos explorar e saquear.

    Que todos, de agora em diante, sintam que o Brasil precisa caminhar, para que todos possamos viver uma vida de paz e justiça, e que não sejamos mais manipulados pelos que só querem nos dividir, tal qual fomos no passado recente!

    Avante Brasileiros, pois nosso País merece mais amor de nós!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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