Os sinais da tortura em Vera Magalhães

Foto inédita mostra efeitos da tortura em Vera Sílvia Magalhães.

Uma fotografia inédita da ex-militante de esquerda Vera Sílvia Magalhães (1948-2007), tirada em 1970, revela os efeitos da tortura a que foi submetida em um prédio do Exército no Rio de Janeiro.

Vera, que disse ter sido submetida a tortura durante vários dias, aparece na imagem sem conseguir ficar em pé, tendo que ser amparada pelo também prisioneiro Cid Benjamin. A foto, obtida pela Folha, está sob a guarda do Arquivo Nacional em Brasília.

Militantes da organização política de resistência à ditadura militar MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Cid e Vera participaram do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em 1969, uma das mais importantes ações urbanas da esquerda armada.

“Não tinha visto essa foto. Eu tinha que segurá-la porque, naqueles dias, ela não conseguia se sustentar em pé, devido às torturas”, contou Cid.

Em outra imagem, essa publicada pelos jornais na época, Vera foi fotografada numa cadeira, diferentemente dos demais presos. As fotografias foram tiradas momentos antes de o grupo ter sido trocado pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben, também sequestrado por forças de resistência à ditadura.

Do Rio de Janeiro, o grupo seguiu para a Argélia. Parte regressou clandestina ao Brasil, e alguns acabaram mortos pela ditadura militar. No exílio, Vera estudou sociologia na França. Retornou ao Brasil em 1979, após a aprovação da Lei da Anistia.

Torturas

Em depoimento prestado à Câmara dos Deputados em 2003, Vera confirmou que as torturas a impediram de ficar em pé pouco antes de ser levada para Argélia.

Ainda no depoimento à Câmara, Vera classificou a tortura que sofreu como “inteiramente desmesurada”. “Fui a única torturada na Sexta-Feira Santa na Polícia do Exército. E eles me disseram: ‘Você vai ser torturada como homem, como Jesus Cristo'”, contou Vera.

Ela disse que “nunca mais se recuperou fisicamente”. “Para uma mulher, acho que exageraram mesmo. Fiquei cheia de sequelas, cheia de problemas.” Vera morreu em 2007, vítima de câncer.

 

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. depois do café…

    Li este post depois do café. Sou forte, mas meu estômago embrulhou. Vera foi-se, mas seus algozes, os que não morreram de morte natural, cheios de glórias e com prováveis bandeiras do Brasil cobrindo o caixão, esses que estão vivos, alegremente tripudiam sobre os torturados, com a Little Help from their friends, y compris, nossa imprensa fascista, STF, PSDB e seus satélites DEM, PPS, PSB, etc.

  2. E ela era tão bonita… Isso

    E ela era tão bonita… Isso devia enfurecer ainda mais os covardões fdp. Nessa foto, com os braços em cruz, lembra mesmo a tortura de Cristo, com seu olhar sereno e firme.

  3. Ensaio apresentado no Forum

    Ensaio apresentado no Forum Internacional da IFPS em 12 de outubro de 2012 na cidade do México por Ivanisa Teitelroit Martins

    Violência epistêmica na inscrição da diferença sexual

                                                      (dedicado a Vera Silvia Magalhães)

    Em “De um e outro sexos”, Jacques Lacan reflete sobre a noção de não-toda, não-todas, não-todos em função do valor sexual destes termos. O homem e a mulher são os termos cernidos a partir da estrutura da lógica da castração. Para qualquer sujeito falante ou se é ele ou se é ela, não há como chamar o indivíduo de isso.

    O discurso do analista interroga os valores sexuais que durante séculos interferiram na teoria do conhecimento.

    A lógica isolou na linguagem a função de prosdiorismos que são do um, do alguns, do todos e da negação dessas proposições. Aristóteles define as universais e as particulares e no interior de cada uma as afirmativas e as negativas. Na lógica de Aristóteles o uso do alguns parecia tratar da existência. E como o todos era concebido como agregando alguns, o próprio todos assumia o valor do que ele não é, assumia o valor de uma afirmação de existência.

    A mulher se situa a partir de que não-todas podem ser ditas como verdade, em função do argumento, no que se enuncia da função fálica. Nesse caso a função da particular negativa é impossível, porque não se pode dizer que há algumas que não o são a partir da afirmação do não-todas. Não-todas indica que a mulher tem somente em algum lugar relação com a função fálica.

    A significação do falo não denota o sentido mas o poder de significação. A função x não precisa ter em princípio nenhum sentido e é produto da investigação da lógica. O argumento ou proposição da função assume a significação de homem ou de mulher conforme o prosdiorismo empregado, seja o da lógica da existência – existe ou não existe, seja o da lógica da universalidade – todos ou não-todos. “ A negação da existência não é de modo algum a mesma coisa que a negação da totalidade” (Lacan J., Mais, Ainda)

    O discurso analítico altera uma lógica que sustente o Iluminismo e a razão kantiana ao inscrever a função que é nomeada castração. A função significa que não há possibilidade de decifração do enigma da diferença sexual, resolvendo o obstáculo freudiano do protesto masculino e da inveja do pênis como submissos ao rochedo da castração. Para o discurso analítico os dois significantes, homem e mulher, se referem-se ao falo e constituem o semblante da não submissão.

    Tudo que se articula como significante se enquadra no campo de x, função da castração. Se não houvesse discurso analítico, haveria só repetição do disccursocorrente, já que não há relação sexual. Também a lógica aristotélica é substância de gozo ao se manter no campo da castração.

    Um homem, não o homem, é um significante. Não se diz para um menino ser o homem, mas um homem. Em contrapartida, é interessante perceber que se fala da mulher, de a mulher, com artigo definido

    Sob tortura, Vera Sílvia, militante da Dissidência da Guanabara, a única mulher que participou do sequestro do Embaixador americano, em 1969, ouviu de seu torturador: Você vai ser torturada como homem, como Jesus Cristo. Não se trata de um homem mas do homem. E Vera Sílvia, mulher não-toda a partir da lógica da castração do homem torturador teve que viver em seu próprio corpo a castração do Homem, filho do Pai que supostamente estaria no lugar do todo, do Um.

    Vera Sílvia sofreu a violência do homem pelo Gozo do Um, aquele que pelo mito não sofreu a castração. A fala do Gozo do Um se dirige à castração do Homem, de Jesus Cristo, como perversão sadiana, totalitária.

    Se o homem é o Um (I) na pequena álgebra de Lacan enquanto a mulher é inexistente, o que isto diz sobre a mulher? Isso diz que ela é uma mancha, uma anamorfose, no mundo prosaico dos homens.

    Alain Badiou, no ensaio “O que é o Amor?”, interroga se em fim de análise a fórmula da sexuação construída por Lacan para descrever o paradoxo da disjunção – ao invés da separação – amorosa dos sexos pode designar um papel demasiado “clássico” à mulher. Como Freud, Lacan parece creditar à mulher uma inclinação mais forte ao narcisismo do que ao homens. (…). Se analisarmos as fórmulas de sexuação no contexto do conceito de Freud sobre o amor narcisista, a posição da mulher emerge muito menos “clássica” do que supõe Badiou. Pelas implicações da caracterização narcisista da mulher em Freud, o narcisismo dela diz que seu desejo de ser amada, que é seu narcisismo, não se opõe a amar ou ao processo de amar, mas se explicita somente pela travessia do processo de amar.

    Apesar da observação de Badiou ser consistente com o modo como a dissimetria é lida, deixa a mulher à margem, “o Outro sexo” na posição de falta de ser, eterna representação de ironia ou calamidade para a comunidade. A destruidora da civilização, no vocabulário de Freud, anamorfose ou mancha nos termos de Lacan; sujeito por excelência. A mulher como significante do discurso corrente só é sujeito por excelência porque não-existente. E o seu desejo está sempre por um fio.

    Na medida em que há no x.Φx o vazio, a falta, a ausência de seja o que for que negue a função fálica, inversamente não há nada a não ser o não-todo na posição da mulher em relação à função fálica. Ela , a mulher, com efeito é não-toda, o que não quer dizer que negue essa função. Ela também não é Outro nem é o lugar do Outro, por que ela não existe nessa função por estar no próprio lugar de negá-la. Ela é aquilo que se inscreve pelo significante do Outro barrado; a mulher é um centro gozoso (jouis-centre que se aproxima por homofonia a gozo, jouissance, com ideia de centro) conjugado com o que não é ausência mas dessência, uma dé-sence (privação, falta de sentido que sugere uma homofonia com décence, decência, pudor). A mulher se distingue por não ser unificante, não ser Um. Não é possível contradição ao não-todas, que é somente expressão de contingência. Não há coletivo possível de não-toda, não se trata nem da lógica de Aristóteles nem da lógica matemática, mas do impossível que no final de contas é o real.

     

     

    BIBLIOGRAFIA

    Agambén, G. – Estado de exceção. São Paulo, Boitempo, 2004.
Copjet, J. – Imagine there’s no woman: ethics and sublimation. First MIT Press paperback edition, 2004.

    Freud, S. – Volume XIII de Obras Completas, Totem e Tabu (1913[1912-13]). Rio de Janeiro, Imago, 1996.

    Freud, S. – Volume XXII de Obras Completas, Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos (1932-1936). Rio de Janeiro, Imago, 1996.

    Lacan, J. – Escritos, Kant com Sade. Jorge Zahar Ed., 1998.
Lacan, J. – O Seminário, livro 16 De um Outro ao outro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar

    Ed., 2008.
Lacan, J. – O Seminário, livro 19 …ou pior. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2010. Lacan, J. – O Seminário, livro 20 Mais, ainda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985. Lacan, J. – O Seminário, livro 23 O sinthoma. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2007.

     

     

     

     

    1. Post Scriptum

      as fórmulas correspondentes ao raciocínio sobre a lógica não aristotélica não puderam ser copiadas devido à ausência dos símbolos neste editor de texto.

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