A confiança como engrenagem da sociedade

Da Folha

Confiança

Antonio Delfim Netto

Os economistas aprenderam que a “confiança” é a engrenagem fundamental no funcionamento da sociedade. É uma roda dentada: quando gira, põe em marcha todo o sistema; quando perde os dentes, o paralisa.

Paradoxalmente, ela é difícil de definir, mas fácil de ver quando não existe!

Por exemplo, quando os consumidores ficam mais cautelosos porque não têm “confiança” de que manterão seus empregos no futuro devido às incertezas sobre a política monetária. Quando os empresários liquidam seus estoques em lugar de manter ou ampliar o nível de sua produção porque não têm “confiança” no governo e nas suas promessas. Quando os banqueiros preferem comprar papéis do governo em lugar de financiar a produção porque não têm “confiança” no futuro do setor privado devido às dúvidas em relação aos objetivos da política social e econômica.

Esses exemplos mostram que a “engrenagem” fundamental, a “roda dentada” que move todo o sistema, é a “confiança” que deve se estabelecer entre o setor privado e o Estado. O primeiro entendendo os problemas dramáticos do segundo e reconhecendo o fato de que o poder incumbente é o elemento regulador dos mercados para aumentar a competição num ambiente favorável aos negócios, e não aos “amigos negociantes”.

O segundo, introjetando a sua finitude diante da perenidade do sistema, deve manobrar com inteligência e paciência para obter a cooperação do primeiro para a consecução dos seus objetivos.

Desde Adam Smith isso é evidente. Ao contrário da dedução pedestre, não é apenas o interesse individual que leva ao interesse geral. Isso só ocorre quando há “confiança” de que o interesse individual obedece a um padrão de moralidade que levará ao interesse geral (o açougueiro não venderá carne de gato por carne de coelho, por exemplo). A falta de “confiança” entre os agentes impede o aproveitamento de inúmeras oportunidades de cooperação e eleva os custos de transação, reduzindo o crescimento econômico.

Hoje, sabemos que uma razão fundamental para as enormes dificuldades de construir uma teoria monetária reside na própria essência da moeda. O que leva alguém a receber em troca de um objeto físico ou de um serviço uma quantidade de moeda? Nada além da “confiança”: a crença de que poderá trocá-la por outros bens físicos e serviços ou guardá-la como reserva de valor, o que altera profundamente o seu comportamento social, como mostrou Georg Simmel.

Não é sem razão que há correlação positiva, e não relação de causalidade, entre o nível de confiança dos agentes sociais e econômicos no poder incumbente e o sucesso de suas políticas sociais e econômicas.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

Luis Nassif

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