A entrevista de Sérgio Rezende ao Blog

Sem ampliação do poder de compra do Estado, é difícil incentivar indústria, diz Rezende

Para ex-ministro da Ciência e Tecnologia, desoneração é importante, mas não o principal fator de incentivo á inovação.

Por Bruno de Pierro
Da Agência Dinheiro Vivo 

A nova política industrial anunciada na última terça-feira, 2, pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília, representa um pacote de medidas que passam por desde a desoneração da folha até pela defesa comercial. O objetivo do Plano Brasil Maior, como foi batizado, é claro. Dar maiores condições e incentivos para a indústria brasileira enfrentar o cenário internacional turbulento, valendo-se de dois fatores imprescindíveis: competitividade e inovação.

Uma das principais ações será a redução a zero da alíquota de 20% para o INSS de setores sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional. Setores de manufaturados, como confecções, calçados, móveis e também de softwares. A idéia é tornar o preço do bem nacional mais competitivo com relação aos importados, apesar do plano atingir apenas alguns elementos da estrutura do custo, diferentes à questão da apreciação cambial. Outras medidas são a desoneração das exportações, o fortalecimento da defesa comercial, modernização do INMETRO.

De Pernambuco, para onde retornou após cinco anos à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Lula, o professor (como prefere ser chamado) Sérgio Machado Rezende, da UFPE, conversou com a reportagem do Brasilianas.org sobre os caminhos que a pesquisa tem tomado nos últimos anos e também sobre a nova política industrial. Segundo ele, as novas medidas consolidam o casamento entre política científica e política industrial.

Entretanto, enfatiza que a desoneração não é necessariamente o ponto central. “[A desoneração] é importante de maneira geral. Mas para a inovação, a gente precisa das outras medidas”, explica.

Para Rezende, a questão da ampliação do poder de compras do Estado – que está dentro do novo pacote – é fundamental, principalmente para setores específicos, como a indústria farmacêutica nacional, cuja produção de medicamentos sofisticados ainda é muito tímida. “Se o governo não tiver um poder de compra, que qualquer governo do mundo tem, fica difícil de incentivar a indústria”, avalia.

Confira.

Brasilianas.org – Um ponto importante da nova política industrial contempla os setores exportadores de manufaturas. Como os setores que desenvolvem alta tecnologia conseguem, hoje, competir com países que possuem tais conhecimentos e conseguem exportar produtos com valor agregado com mais facilidade? No período em que esteve o ministério, quais eram as principais dificuldades na hora de negociar com multinacionais e fazer o intercâmbio?

Sérgio Rezende – Empresas como a Embrapa fazem isso muito bem, porque na verdade ela é uma empresa de pesquisa. Possui pesquisadores, engenheiros com experiência para criar os seus quadros. A Petrobras está fazendo isso cada vez melhor, por meio do CENPES, criado na década de 1970. Essas empresas entenderam o seguinte: não adianta você comprar pacotes tecnológicos fechados, porque essa sempre foi a tradição. Isso é de pouca eficiência no longo prazo, pois se não houver gente para dominar a tecnologia, ela fica velha e depois as pessoas precisam comprar outro pacote.

Outro grande exemplo é a Embraer, que compete em qualquer lugar do mundo com aviões de grande porte. Mas a grande lacuna nacional da produção da Embraer é porque ela tem que importar todos os eletrônicos. Ela importa muita coisa, porque muitos componentes não são fabricados no Brasil, mas o projeto e a idéia são da Embraer. Outra empresa que cito é a Natura, que tem laboratórios de pesquisa e foi financiada pela FINEP desde o começo. Hoje, ela é uma exportadora de cosméticos. As empresas que exportam sem ter a grande dificuldade do câmbio são empresas que tem o que outros não tem.

Acho que essas medidas são importantes; a folha de pagamento das empresas do Brasil é uma das mais caras do mundo e, por isso, desonerar a folha de pagamento é importante. Isso é importante de maneira geral. Mas para a inovação, a gente precisa das outras medidas.

O senhor concorda com a afirmação: manter a maioria dos pesquisadores na academia é um obstáculo à inovação nas empresas, mas o inverso, ou seja, o incentivo para que se tenham mais pesquisadores nas empresas, significa subordinar o conhecimento científico ao poder econômico?

Precisamos ter um sistema mais equilibrado. O desequilíbrio de hoje se dá porque o mercado, no setor empresarial, para pesquisadores, ainda é pequeno. O sujeito faz o mestrado e depois o doutorado, dedicando grande parte da vida para estudar, e aí ele quer ter oportunidade para criar. O espaço para pesquisadores em empresas está crescendo, mas em um ritmo muito pequeno. Nós não podemos é inverter e dizer que agora vamos financiar menos a academia e muito mais as empresas. É preciso financiar muito mais a inovação nas empresas, mas não podemos deixar de financiar a academia.

Mas não há um problema estrutural, que não ocorre apenas no Brasil, evidentemente, de condensação das políticas científicas com as demandas das grandes empresas?

Eu tenho ouvido, com certa preocupação, opiniões de pessoas que dizem que a situação deve ser invertida. Acho que é um erro inverter. Nós ainda investimos 1,4% do PIB em P&D, e isso é muito pouco, comparado com o que há nos EUA, de 2,5%, e na Coréia do Sul, de 3%. O que temos que fazer é aumentar o investimento em P&D nas empresas, sim, mas não diminuir no setor acadêmico. Isso seria um grande erro. Então, “mudar o foco” é uma expressão ruim.

Com base na sua passagem pelo MCT, o senhor poderia explicar de que forma as reivindicações da indústria interferem na condução e na construção de políticas para o desenvolvimento da pesquisa científica do país?

As empresas, de uma maneira geral, tiveram uma influência muito pequena na construção do sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) no país. A construção foi realmente entre governo federal e vários governos estaduais; um deles, exemplar, é o de São Paulo, com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e as ótimas universidades estaduais. Vários outros Estados tem boas fundações, como é o caso aqui de Pernambuco, cujo governador [Eduardo Campos] foi ministro da Ciência e Tecnologia e sabe a importância de fazer isso. Os Estados também tem uma participação importante.

As empresas tiveram e ainda tem uma participação muito pequena. Tem uma empresa pública que faz isso há muito tempo, que é a Petrobras, que além do CEMPES financia uma rede de universidades e de instituições de pesquisa, para fazer pesquisa nas suas áreas de interesse. A Embrapa, que não é uma empresa exatamente de produção, também faz isso bem. Ela sempre teve uma boa articulação com universidades rurais, que estão na área agropecuária. Mas o setor empresarial como um todo, infelizmente, não teve o papel que podia ter. Empresas em outros países tem o papel de botar dinheiro mesmo, de financiar bolsas e programas especiais. É uma questão de cultura também.

Está claro que a política industrial está dependente, apesar dos outros fatores como o câmbio valorizado, do incentivo urgente à inovação e que esta, por sua vez, depende do conhecimento que é gerado pela ciência livre.

Exatamente, e isso também é novidade. Nós tivemos políticas industriais e políticas científicas completamente divorciadas durante algumas décadas. Só muito recentemente é que elas começam a se articular, e isso é algo muito bom. A gente vê o BNDES, que é o grande financiador dos investimentos, hoje, com programas para apoiar a inovação, e vemos as empresas demandando isso. Quanto maior for a demanda empresarial – porque ela tem um peso grande – para que o governo e as universidades invistam em setores que são importantes para ela. Isso é que ajuda a fazer prioridades. O pesquisador que entra em uma universidade completamente desvinculado da sociedade vai trabalhar na área de pesquisa que ele gosta e que é de interesse dele, mas se houver empresas, programas que estimulam mais certas áreas, isso sempre faz com que haja um interesse maior de pesquisadores e estudantes. E os incentivos são feitos de várias maneiras: apoiando projetos de pesquisa para comprar equipamentos, materiais para pesquisa. São feitos financiamentos para incentivar as pessoas, com complementações e bolsas.

Vamos fazer o recorte específico em um setor da indústria. Na área da saúde, por exemplo, o país tem uma boa pesquisa em biotecnologia, mas o mercado de saúde pública ainda é muito dependente de tecnologia externa para a incorporação de novos procedimentos ao SUS. É eficiente o processo de gestão das informações sobre problemas específicos de cada setor?

Hoje as empresas privadas nacionais mais competitivas no mercado interno são as empresas de [medicamentos] genéricos. E várias dessas empresas possuem laboratórios de pesquisa e inovação, para que elas não fiquem completamente dependentes dos pacotes. Nossa indústria farmacêutica foi dizimada 15 anos atrás. Então hoje temos grandes empresas farmacêuticas na área de genéricos. Mas em áreas mais sofisticadas, nós não temos empresas privadas, mas sim entidades públicas. Temos Farmanguinhos, da Fiocruz, o Instituto Butantã, e que naturalmente estão trabalhando com biotecnologia, mas muito voltada para determinados produtos. Se não somos ainda, brevemente estaremos auto-suficientes em certas vacinas, feitas pelo Butantã. Farmanguinhos também está cada vez fazendo mais [o medicamento para a AIDS]. Mas infelizmente, no caso dos medicamentos mais sofisticados, nós não temos empresas nacionais. As que tem são estrangeiras, que fazem a pesquisa fora do país, e com grande intensidade. A área farmacêutica é uma das que investem maior percentual do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento no resto do mundo; tem empresas que investem 15%, isso é muito. E aqui, ficamos sem esse braço no sistema privado.

E o que deve ser feito, especificamente com esse setor?

O governo pode, e acho que tem feito força para isso, incentivar as empresas a expandirem suas linhas, não apenas com incentivos à pesquisa, mas com o poder de compra que o Estado tem. O poder de compra do Ministério da Saúde é muito grande. E você sabe que esse negócio de poder de compra, até pouco tempo atrás, era um nome feio. A compra tinha que ser pelo menor preço, mas o menor preço você acaba importando fármacos da China, da Índia. Se o governo não tiver um poder de compra, que qualquer governo do mundo tem, fica difícil de incentivar a indústria. Espero que isso seja ampliado no novo pacote anunciado essa semana. Nós demos um pequeno passo nessa direção há uns dois anos, mas ficou ainda tímido. E na área da saúde, isso é evidente.

Luis Nassif

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