A Europa contra as agências de rating

Do Opera Mundi

06/04/2011 – 08:10 | Lamia Oualalou | Rio de Janeiro

Europa entra em guerra contra as agências de qualificação de risco

Menos de uma semana após a queda do governo português, duas das três principais agências de classificação de risco – Standard & Poor’s (S&P) e Moody’s e Fitch – rebaixaram novamente a nota da dívida portuguesa. Os papéis tem agora a cotação BBB -, um nível acima da categoria “lixo”, ou seja, em risco de descumprimento. Os rebaixamentos sucessivos provocaram um aumento substancial do custo da dívida. Os juros sobre os títulos de dez anos chegaram a 9%, um recorde na zona do euro. Concretamente, isso significa que a capacidade do governo de reembolsar os nove bilhões de euros devidos em abril e junho pode ser comprometida.

Portugal não é o único país europeu a sofrer a degradação de sua classificação pelas famosas agências. A Grécia, que até dois anos atrás era considerada segura, já caiu para a última categoria e a Espanha caminha para um novo rebaixamento, caso não consiga melhorar sua situação fiscal. Antes temidas somente pelos chamados países emergentes, como Argentina, Turquia e Brasil, as agências tem como novo alvo as capitais europeias.

No começo de março, o ministro das Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, mandou uma carta às principais autoridades monetárias europeias para denunciar a decisão das agências de degradar a nota dos bônus gregos para grau especulativo – uma nota inferior à turca e egípcia –, fato para ele “completamente injustificado”. Papaconstantinou pediu à União Europeia para que aumentasse a regulação sobre as agências de forma “urgente”.

No documento, destinado ao líder do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, ao comissário europeu das Finanças, Olli Rehn, ao presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, e ao comissário europeu responsável pelos serviços financeiros, Michel Barnier, Papaconstantinou assegurou que a última revisão do rating era “mais um indicativo da distorção das motivações das agências.”

Círculo vicioso

A comissão européia tem a mesma opinião. Em 30 de março, após um novo rebaixamento pela agência S&P, o porta-voz de Bruxelas,  Amadeu Altafaj, disse que o organismo não concordava com a avaliação. “Temos o nosso ponto de vista e é o mesmo que o do FMI [Fundo Monetário Internacional] e da UE”, afirmou. A ministra das Finanças francesa Christine Lagarde chegou a sugerir que os países que têm um acordo com o FMI ou a comissão europeia não sejam avaliados pelas agências.

A crise da dívida dos países do sul europeu relançou o debate sobre o poder das agências de classificação. Muito criticadas em 2008 por não terem previsto a falência da companhia de energia Enron, o efeito bomba dos títulos sub-prime americanos, ou a quebra da Islândia e da Irlanda, as agências redobraram a severidade com os países conhecidos como os patinhos feios da Europa: Portugal, Grécia e Espanha.

Essas degradações têm o efeito de uma profecia que se auto-realiza: o rebaixamento da nota aumenta o custo da dívida, provocando ataques especulativos dos mercados financeiros, crise política dentro dos países, o que acrescenta o risco e causa uma nova degradação do rating. “As agências reagem aos mercados, e depois, são os mercados que reagem às agências, é um circulo vicioso”, lamentou Papaconstantinou.

Maquiagem

“É certo que as agências têm poder demais”, explicou ao Opera Mundi um banqueiro europeu especialista em mercados emergentes. Segundo ele, a nota dada a uma empresa ou país é “altamente” subjetiva. “Os países contratam os bancos para ajudá-los a apresentar os resultados fiscais de forma mais positiva, para obter uma boa avaliação das agências”, continuou. “Isso não é difícil: os bancos têm ex-funcionários das agências, o que nos ajuda a entender exatamente o que eles querem ver.”

A maquiagem pode ser excessiva, como no caso da Grécia, que mentiu sobre o estado de suas finanças públicas. “Mas pode ser também uma montagem que respeita perfeitamente a legalidade, escondendo, porém, a realidade”, disse o banqueiro. E os pequenos países não são os únicos. “Os funcionários dos Ministérios das Finanças na França ou nos Estados Unidos multiplicam as reuniões com especialistas para manter uma boa avaliação das agências”, afirmou.

Críticos também lembram o conflito de interesses no funcionamento das agências, já que elas são pagas pelas estruturas – empresas ou governos – que avaliam, o que pode induzir uma nota artificialmente alta. É o caso dos pequenos países. A Alemanha, por exemplo, não paga pela classificação, mas devido ao peso nos mercados financeiros, as agências fazem o trabalho até sem remuneração direta.

A outra explicação do poder das agências é a enorme capacidade para dar uma nota a qualquer empresa ou governo no mundo inteiro. Em teoria, os investidores asseguram ter uma equipe de pesquisadores capaz de detectar riscos de descumprimento. “Fora os principais bancos no mundo, porém, não é verdade: até dá para acompanhar a classificação da dívida da França ou da Alemanha. Mas Portugal ou Irlanda? Impossível”, assegurou o banqueiro europeu.

Agência pública

As autoridades europeias fizeram propostas de reforma para diminuir o peso das agências de classificação no mercado da dívida. Entre elas, a criação de uma agência de notificação pública, o aumento da concorrência em um mercado dominado por apenas três empresas no mundo inteiro, a introdução de uma responsabilidade judiciária em casos de erros graves, e até a obrigação pela agência de informar os Estados de um eventual rebaixamento 72 horas antes de comunicá-lo aos investidores.

Tais mudanças teriam um impacto gigante, já que os governos são os maiores devedores dos mercados financeiros, emitindo mais de oito bilhões de dólares de divida segundo o Moody’s – cifras de 2009 –, ou seja 62% do total. A tensão entre os governos e as agências deveria piorar no futuro, já que os investidores já começam a questionar as notas de grandes países. “No papel, a avaliação da Alemanha e da França é a mesma, mas todo o mundo sabe que é mentira, e que a dívida alemã é mais segura que a francesa”, afirmou o banqueiro europeu.

Convergência

Além do questionamento sobre os métodos das agências, a crise revela a cegueira dos investidores sobre a zona do euro. Os 12 anos de história da moeda comum demonstrou que o otimismo sobre a chamada “convergência” das economias era grande demais. O rebaixamento da Grécia também é provocado pelo fato que este país teve uma avaliação positiva demais pelo único fato de pertencer ao grupo.

O euro é ainda a moeda comum de 15 nações européias, mas para muitos investidores, é possível perceber a criação de uma zona que corresponde à antiga zona do marco alemão. Holanda, Áustria, Alemanha, e os países do norte europeu são vistos como os mais seguros. Portugal, Itália, Espanha e Grécia, os mais problemáticos. E a França se coloca como no passado, em uma zona intermediária.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/especial/EUROPA+ENTRA+EM+GUERRA+CO…

Luis Nassif

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