A guerra comercial a caminho

Do Valor

Guerra cambial pode abrir guerra no comércio 

Sergio Leo
25/04/2011 

Os Estados Unidos abriram o placar, e o Brasil decide, em breve, se participará também do jogo de salvaguardas contra as importações chinesas. Em dezembro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) deu ganho de causa, por goleada, aos EUA, no primeiro caso de aplicação de salvaguardas especiais (aumento de tarifas extraordinário) contra importações da China. No Brasil, as indústrias de máquinas e equipamentos acabam de pedir barreiras semelhantes, ao Ministério do Desenvolvimento. A reação dos chineses a essas medidas ainda é uma incógnita.

Ao ingressar na OMC, em 2001, a China aceitou medidas excepcionais para acalmar outros países, temerosos de uma enxurrada de mercadorias fabricadas pela barata mão de obra chinesa. Uma dessas medidas, a possibilidade de salvaguardas contra produtos têxteis, já teve expirado seu prazo de aplicação. A outra, a possibilidade de aplicar salvaguardas especiais contra surtos de importação danosa de outros produtos da China, vence só em 2013. Essa arma foi inaugurada contra a China, com êxito, pelos EUA, para barrar a entrada de pneus fabricados no Oriente.

A salvaguarda – sob a forma de tarifas de até 35%, decretadas em 2009 pelo presidente Barack Obama – foi questionada pela China na própria OMC, sob o argumento de que seria indevida. Ironias da globalização: os pneus são fabricados na China pelos próprios americanos, que decidiram trasladar fábricas para lá. 

QuemQuem se queixou e pediu a salvaguarda foi o sindicato dos metalúrgicos, fato lembrado pela China para contestar, sem sucesso, a decisão dos EUA. Afinal, a OMC aceitou uma medida para proteger uma indústria que não queria proteção. É um fato interessante, mas outros pontos chamam maior atenção.

A decisão da OMC, primeira sobre um caso de salvaguarda anti-China, saiu em dezembro. Neste mês de abril, os chineses apenas insinuaram que poderão retaliar. Em um movimento que analistas na China classificaram como reação às salvaguardas, mas de baixo potencial de dano aos EUA, os chineses anunciaram que devem concluir em breve investigações que provam a venda por preços abaixo do normal, de automóveis de cinco fabricantes americanos, entre eles General Motors e Chrysler. Ainda não se fala, porém, de medidas antidumping ou outras barreiras punitivas.

É apenas um alerta chinês de que o país cavará toda possibilidade dentro das regras internacionais para responder a ataques a suas vendas. Os chineses têm reagido com indignação à ameaça de se usar as salvaguardas, que foram obrigados a aceitar para entrar na OMC.

O governo brasileiro sabe dos riscos, tanto que evitou, até agora, a medida. Até usou essa cautela como argumento para que os chineses aceitassem, como aceitaram, uma escalada de medidas antidumping no Brasil contra mercadorias da China, além do adiamento para data indefinida do reconhecimento formal da China como economia de mercado – o que dificultaria os processos contra mercadorias chinesas por dumping.

Ainda na China, há duas semanas, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, revelou ao Valor a decisão concretizada na semana passada pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Máquinas e Equipamentos para a Indústria, a Abimaq, de abrir processos pedindo salvaguardas contra diversos produtos chineses. As salvaguardas são de aplicação mais fácil e rápida que qualquer outro instrumento de defesa comercial.

No seminário para empresários promovido em Pequim, o vice-presidente da Abimaq José Velloso Dias Cardoso, acusou os chineses de venderem produtos, como válvulas e chaves de fenda, a preços capazes de fechar indústrias no Brasil. A Abimaq fez um estudo apontando preços médios para alguns desses produtos abaixo até do preço médio internacional da matéria-prima.

“É a nossa Bíblia”, comentou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, ao ouvir de Velloso, no seminário, que o governo já recebeu o levantamento da associação com a comparação entre os preços chineses e os internacionais. De fato, impressionado, o ministro Pimentel exibe o estudo em uma mesa do gabinete, e orientou técnicos do ministério a estudar ações possíveis contra importações da China. Ele não pareceu interessado em deixar que considerações políticas sobre o “aliado estratégico” impeçam medidas para conter os chineses.

A adoção de salvaguardas é vista pela China, porém, como medida de agressão, e ameaças veladas de retaliação já foram feitas antes. O Brasil terá de lidar com o dilema de usar todos os instrumentos legais de que dispõe para proteger empresas nacionais e arriscar-se a despertar má vontade do principal parceiro comercial que, timidamente, começou há poucos dias a acenar com medidas para aumentar o valor agregado das compras de produtos brasileiros.

A China já vem fazendo uma transição de seu modelo exportador para um mais voltado ao mercado externo, mas os chineses sabem que não podem abrir mão rapidamente dos mercados que se alimentam de sua produção – e sustentam a geração de emprego no mercado chinês. A ação americana, seguida da brasileira, pode ser prenúncio de um ataque generalizado às invencíveis exportações chinesas, e o governo comandado por Hu Jintao não se dispõe a sancionar precedentes.

A ação aberta pela Abimaq será um teste duplo: para as relações entre Brasil e China e para a atuação chinesa em um mercado cada vez mais tentado pela saída protecionista. Acossados por custos absurdos no Brasil e pela valorização desenfreada do real, segmentos da indústria brasileira podem aproveitar a porta aberta pelos fabricantes de máquinas para impor ao governo uma sucessão de testes semelhantes, no futuro próximo.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

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Luis Nassif

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