A guerra fiscal e as importações

Do Valor

Importação sobe até 633% onde o ICMS foi reduzido 

Júlia Pitthan | De Florianópolis
14/10/2010

Nos Estados brasileiros que adotaram políticas tributárias de inventivo à importação, as compras feitas no exterior cresceram muito acima da média nacional nos últimos anos. Entre 2003 e 2009, as importações brasileiras cresceram 164%, passando de US$ 48,2 bilhões para 127,6 bilhões. Estados com benefícios à importação, cresceram muito mais. Em Santa Catarina, o aumento foi de 633%, em Tocantins, de 560%, e no Mato Grosso do Sul, de 445%.

De acordo com Welber Barral, titular da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), a maioria dos programas estudados pela Secex (que mapeou 18 Estados com alguma medida tributária que favorece a importação) atrela o benefício à necessidade de instalar unidades produtivas no Estado. É o caso de Tocantins. Outros são preocupantes, como o do Espírito Santo e o de Santa Catarina. Esse, diz ele, favorece o importado em detrimento da indústria local.

Tocantins adotou o Programa Prosperar em 2003. Ele prevê diferimento no pagamento do ICMS devido na importação de máquinas e equipamentos e matérias-primas para o processo industrial. O Proindústria, de 2003, também prevê redução do ICMS para 2% nas saídas de produtos dentro do Estado ou interestaduais. Segundo Iapurê Olsen, diretor de Atração e Fomento da Secretaria de Indústria e Comércio de Tocantins, o programa quer estimular a industrialização e a geração de empregos. “O nosso foco não é o aumento da importação, nem de arrecadação. O Estado é jovem e a indústria ainda é incipiente e queremos estimular a economia”, explica ele.

De20De 2003 a 2009, as importações no Tocantins passaram de US$ 19,3 milhões para US$ 127,5 milhões, crescimento de 445%. Apesar do aumento, a balança comercial do Estado ainda é positiva. Em 2009, o Estado exportou US$ 280 milhões.

O crescimento de 445% das importações do Tocantins o colocam atrás apenas de Santa Catarina no ranking dos Estados onde a atividade cresceu de forma acentuada. O secretário Welber Barral atribui o salto ao programa Pró-Emprego. Criado em 2007 para estimular a movimentação nos portos catarinenses, a iniciativa prevê redução de alíquota de ICMS que oscila entre 25% a 17% para 3% mais 0,5% de fundo social. “O programa de Santa Catarina é extremamente preocupante e coloca o Estado como um pária da ordem federativa”, critica o secretário. “O problema é que o mecanismo contempla inclusive bens de consumo, o que afeta a produção de maneira desleal”, complementa Barral.

O benefício se converteu em cifras para os cofres públicos catarinenses. A arrecadação foi de R$ 217 milhões, em 2006, e deve alcançar R$ 410 milhões este ano. O perfil do programa catarinense chamou a atenção de tradings de comércio exterior. De 2007, quando foi criado, a 2009, 805 empresas entraram com pedido de ingresso no regime especial e dessas, 537 foram atendidas. Cerca de 45% delas são tradings. Em 2007, entre os dez maiores importadores do Estado, quatro eram indústrias ou agroindústrias e seis eram tradings. Neste ano, nove das dez maiores são companhias de comércio exterior.

O secretário da Fazenda catarinense, Cleverson Siewert, defende o programa e argumenta que ele não é o mais agressivo comparado ao de outros Estados. “Em alguns Estados o ICMS fica em 3%. Aqui, fica em 3,5%”, diz o secretário. No Paraná, como Siewert faz referência, a lei prevê alíquota de 3% para matérias-primas e material intermediário ou secundário, inclusive de embalagem, usado no processo produtivo da indústria local.

Para Siewert, o programa catarinense foi potencializado pela infraestrutura portuária. São quatro portos em operação em uma costa de cerca de 500 km e um quinto deve começar a operar em 2011.

Segundo o secretário, o Pró-Emprego deve passar por uma revisão. Há dois meses, um grupo de estudo foi montado na Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) para avaliar que setores produtivos locais estariam sendo prejudicados pelo programa estadual. O Pró-Emprego prevê proteção para vidros, espelhos, zíperes e componentes, cristais e porcelanas e, desde abril, embarcações de lazer de até 60 pés. “O programa pode passar por uma revisão. A economia é dinâmica e faz todo o sentido debater”, reconhece o secretário catarinense.

O Pró-Emprego não passou por aprovação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Segundo o coordenador do Conselho, Carlos Santana, há uma inclinação do órgão a não aprovar políticas de redução de ICMS para estímulo à importação. Ele não sabe confirmar, no entanto, quais leis tiveram aval do órgão na relação de 18 Estados que concedem algum tipo de benefício à importação, segundo o levantamento da Secex.

Segundo Santana, as leis são criadas pelos Estados com o objetivo de aumentar a arrecadação e corrigir distorções nos repasses federais. Apesar da competição que a entrada de mercadorias importadas com benefícios acaba gerando para os produtos nacionais, o secretário acredita que a questão só poderá ser contornada com uma reforma tributária que estabeleça critérios mais equânimes para a distribuição do bolo de tributos entre os Estados.

No Espírito Santo, o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) está em operação desde 1970. Segundo Barral é o mais antigo benefício em operação no país. O programa capixaba prevê a utilização de recursos do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) no financiamento do pagamento de ICMS ao Estado. A alíquota é de 12% e o financiamento pode chegar a 8% do valor de venda das mercadorias importadas, com carência de cinco anos para o pagamento e amortização de 20 anos, o que chega ao total de 25 anos. O encargo é de 1% ao ano, sem correção monetária.

Para conquistar o benefício, a empresa precisa ter sede no Espírito Santo. O Fundap prevê proteção ao que chama de “produtos tradicionais de intercâmbio comercial com o exterior”, como café, cacau, madeira e trigo. Em 2007, o Espírito Santo complementou o seu programa de estímulo ao comércio exterior com o Invest-ES. O projeto prevê o diferimento de ICMS na importação de máquinas e equipamentos e matérias-primas, com prazo máximo de 12 anos para pagamento.

Segundo Barral, a pressão de associações empresariais para rever os benefícios concedidos pelo Espírito Santo fará o Estado rever a sistemática de concessão de créditos. O governo do Espírito Santo não atendeu ao Valor. O Mato Grosso do Sul, cujas importações também cresceram muito acima da média nos últimos anos, também não atendeu a reportagem. 

Treze Estados concedem benefício ilegal 

Marta Watanabe | De São Paulo
14/10/2010

Um levantamento encomendado pelo Instituto Aço Brasil (IABr) mostra que 13 Estados – Santa Catarina, Paraná, Goiás, Pernambuco, Tocantins, Ceará, Piauí, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Sergipe, Bahia e Espírito Santo – oferecem benefícios fiscais para importações sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Os incentivos vão desde postergação e reduções de base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) até o financiamento para pagamento do tributo. Na prática, os benefícios resultam em redução do imposto devido.

Segundo Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do IABr, o pedido do estudo foi motivado pelo que a entidade considera como “aumento descabido das importações”. Segundo estimativas do setor, a taxa de penetração dos importados no consumo nacional de produtos siderúrgicos subiu para 20% de janeiro a agosto deste ano. “Historicamente, esse índice varia entre 4% e 6%”, diz.

“Não temos nada contra a importação porque sempre houve alguma penetração dos importados no consumo interno. Mas esse aumento exponencial das importações nos pegou de surpresa”, diz Mello Lopes. A primeira explicação lógica encontrada para a elevação é a taxa de câmbio, numa combinação de real valorizado e depreciação do yuan, a moeda chinesa. O segundo fator é a lenta recuperação do mercado internacional, que apresenta atualmente um excedente calculado entre 500 milhões e 550 milhões de toneladas de aço e um ambiente de espera de alta do preço do produto.

A guerra fiscal entre os Estados é considerada como o terceiro fator para o atual cenário das importações, diz o executivo do IABr. Ele diz que incentivos de alguns Estados chegam a reduzir o ICMS a 2% ou 3%. O setor calcula que 55% das importações brasileiras de produtos siderúrgicos têm entrada no país com o uso de incentivos fiscais. “Isso traz um nível de competição que não consideramos justo.”

Elaborado pelas tributaristas Bianca Delgado Pinheiro e Fernanda Couto, do escritório Décio Freire e Advogados, o estudo também conclui pela viabilidade judicial de uma ação do IABr, que questiona os incentivos fiscais sem autorização do Confaz, que prejudiquem as indústrias siderúrgicas associadas. Bianca diz que o levantamento teve por objetivo elencar os programas estaduais que oferecem incentivos à importação de produtos siderúrgicos. “Esse tipo de incentivo, porém, não beneficia apenas esse tipo de produto. Por isso o estudo acabou levantando os programas estaduais que estendem o benefício de ICMS também para as importações.”

Os incentivos fiscais que reduzem o imposto devido nas importações refletem-se na formação do preço das mercadorias, lembra Bianca. “Esse fato permite o barateamento do produto comercializado por esses contribuintes, que importam a matéria-prima ou produto a ser revendido, ou simplesmente privilegiam revendedores estrangeiros na venda de produtos a consumidores finais no país, em detrimento de revendedores nacionais”, diz o estudo.

Mello Lopes não quis comentar, porém, se o IABr realmente irá levar a questão para o Judiciário. Ele acredita que o governo federal está preocupado com a questão e lembra iniciativas já tomadas por Estados como Minas Gerais e São Paulo no sentido de combater incentivos fiscais ilegais ao não reconhecer os créditos de ICMS resultantes desses benefícios em outros Estados.

O setor siderúrgico não é o único que nota a penetração maior dos importados. José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), diz que a luz amarela para o quadro de importações já deu lugar à luz vermelha. De janeiro a julho de 2010, diz ele, as vendas internas de produtos transformados plásticos aumentaram em 16,3% em volume na comparação com os primeiros sete meses de 2009. No mesmo período, o volume de importações cresceu 39,4% e as exportações, 15,8%.

“Os números mostram que as importações do setor estão crescendo em velocidade muito maior que a das exportações e também que a das vendas internas”, diz Coelho. “A guerra fiscal é mais um fator que atinge a competitividade das indústrias em relação às importações”, lembra o executivo. “É muito difícil o esforço de aumentar a produtividade quando existe esse tipo de concorrência.”

Segundo Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), os benefícios de ICMS, que costumam não somente ser oferecidos para a importação, mas também para as operações seguintes com o produto desembarcado, fazem diferença. Uma mesma operação comercial, que tem margem de lucro de 10% em Estados que concedem incentivos de ICMS, diz, geraria prejuízo de 2% em locais em que não há benefício. “Esse tipo de política tributária iniciou-se no Espírito Santo e hoje há uma guerra fiscal que é contra os investimentos realizados no Brasil e não traz benefícios a ninguém”, diz Pimentel. 

Luis Nassif

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