A hiperatividade de Sarkozy

Do Estadão

Sexta-Feira, 30 de Janeiro de 2009 | Versão Impressa

Há 20 anos não ocorria ”colapso” social desse porte

Gilles Lapouge*

Uma greve em massa. Poderosa. Todas as centrais sindicais unidas, algo excepcional.Martine Aubry, a número um do Partido Socialista, participa das manifestações, o que nunca ocorreu. As cidades estão paralisadas.

Há 20 anos não se verificava um “colapso” social desse porte. Nicolas Sarkozy conseguiu nos rejuvenescer 20 anos.

No entanto, ele não é o responsável por essa greve. E no fundo, operários e funcionários sabem disso. O que eles querem expressar é o seu medo diante da perda do poder de compra e do desemprego. Ora, Sarkozy não tem nada a ver com isso e todos sabem. O caos é mundial.

Nasceu nos Estados Unidos. Tomou conta do planeta. Todos têm consciência desse fato, mas nas manifestações furiosas Sarkozy é que é vaiado.

Por que Sarkozy? O fato é que ele paga o preço da sua personalidade, do seu “narcisismo”, do seu comportamento grosseiro e seus erros na condução do país.

Em primeiro lugar, ele governa só. Dramaticamente só. Os ministros são marionetes. É o presidente que faz tudo. Fala tudo. Insulta seus ministros. Hostiliza seus conselheiros. Não existe mais um elo entre ele e o país. E até o planeta ele quer dirigir. Considera-se responsável por tudo. Portanto, é o responsável pela crise, dizem os trabalhadores.

Em segundo lugar, Sarkozy é um homem hiperativo e brutal. Em períodos de calmaria, isso pode ser uma virtude. Num país próspero e adormecido, é bom sacudir as pessoas, tirá-las da indolência, fazer dez reformas por semana, gritar por qualquer coisa.

Inversamente, num país afetado, angustiado com a crise, a agitação é uma idiotice.

Mas é o ele faz. Em vez de amenizar seu estilo, refinar as propostas, ele as multiplica. Parece um operário louco. Corre para todos os cantos. Conserta uma torneira. Desce ao compartimento de carga, sobe no mastro. Muda de rumo. Joga a âncora. Levanta a âncora. Acelera. Muda de rumo de novo.

Em terceiro lugar, Sarkozy trata seus adversários brutalmente. Se alguém não aprova o seu gênio, ele insulta, ameaça, faz zombarias.

Quando é um dos seus ministros, não há problema. Os ministros foram formados para bajulá-lo. Mas com os sindicatos e os trabalhadores isso não funciona. A multidão ofendida resmunga, morde.

Assim, com todos esses equívocos ele conseguiu se fazer “odiar” por uma parte da França. Com ele, a emoção e a paixão assumiram as rédeas do debate político. Metade da França adora Sarkozy. A outra metade o rejeita. E as consequências são graves.

Com sua violência incessante, o presidente conseguiu ressuscitar as sensibilidades que tinham desaparecido da França, felizmente, há 30 anos. A oposição se tornou uma “boa companhia”, bem educada, dócil. Um “poodle”. Sem dentes.

Ora, graças a Sarkozy vimos nascer em poucos meses uma nova oposição, feroz, mal-educada, implacável, imperceptível. À esquerda da esquerda, ou seja, à esquerda do Partido Comunista, uma esquerda radical foi se formando. Trotskistas, comunistas, ao estilo de 1930.

Mesmo o sindicato de esquerda, a CGT, viu crescer à sua esquerda um novo sindicato, o sindicato Sul, que bate e dá murros.

Claro que sempre existiu uma facção de “ultraesquerda” na França. Mas ela era insignificante e folclórica. Hoje, não é mais uma facção. Se houvesse eleições amanhã essa ultraesquerda conseguiria arrebatar 15% dos votos. A esquerda “civilizada”, ou seja, os comunistas, teriam apenas 3%.

Esse é o belo troféu que o estilo monárquico de Sarkozy conseguiu: despertar forças que se se acreditava estavam desaparecidas desde a revolução bolchevique.

*Gilles Lapouge é correspondente em Paris

Luis Nassif

23 Comentários

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  1. E o bobo desse correspondente
    E o bobo desse correspondente acha boma uma sociedade mansa. Como ele acha que a sociedade francesa chegou a essa “prosperidade”? Com certeza não foi por conta de figuras como Sarkosy &cia.

  2. Sarkozy é responsável sim!
    Sarkozy é responsável sim! Cabe não se iludir a propósito de Sarkozy e seus belos discursos (?oportunistas?) pela “regulação dos mercados mundiais”. Sarkozy é de direita (seu partido é a UMP) e ele representa a direita (à la francesa) e os seus valores, notadamente essas do neoliberalismo desenvolvido nos últimos 30 anos.

    Num país onde o aporte financeiro do Estado em politicas sociais é “fortíssimo” e que salta aos olhos de qualquer estrangeiro que resida na França por mais de 6 meses (o conjunto dessas políticas sociais deixariam assombrados as elites brasileiras que se horrorizam com as esmolas do Bolsa-Família).

    Sarkozy foi eleito em 2007 com uma plataforma de reformas de “direita”, e o eleitorado votou nele por isso, sobretudo por reformas em setores onde entendia-se haver privilégios. Contudo, chegou a crise mundial e uma parte das soluções brilhantes de M. Sarkozy (leia-se, diminuição do Estado, privatização de empresas públicas, diminuição dos direitos sociais para os mais pobres, etc…) afundaram junto com o ideário ultrapassado (se a eleição fosse hoje ele não ganharia).

    Acontece que agora ele não sabe o que fazer, e por mais que se esforce em vender uma imagem para o mundo, internamente ele é percebido de outra forma. Seu estilo trator está lhe isolando. E na França, diferentemente do Brasil, a população reclama e reclama “pesado”! Os dois milhões de ontem na rua foram um recado, resta esperar para ver no que vai dar!

  3. O problema dos franceses é
    O problema dos franceses é justamente que eles têm poucos Sarkozys. Eles querem trabalhar pouco e viver bem só porque são franceses. Não basta.

  4. com a Carla do lado, td vale
    com a Carla do lado, td vale a pena ! Até esse estress todo.
    Sarkô sei que é meio demodê mas relaxa e goza.
    Passa rápido. O que fica é o amor !

  5. P/ Tereza Ramos
    O Gilles
    P/ Tereza Ramos
    O Gilles Lapouge é o decano dos correspondentes na imprensa brasileira. Grande jornalista. Bobo é o que ele não é.

  6. Tenho para mim que Sarcozy
    Tenho para mim que Sarcozy gosta tanto de fantoches que até se casou com um. Me é a personificação dessa crise, finjindo que nada está a ocorrer. Esse artigo foi muito raso.

  7. Chamar o Gilles LApouge de
    Chamar o Gilles LApouge de bobo foi a opinião (?) mais esdrúxula que ouvi na minha vida. A autora pode se candidatar à vaga do Mainardi.

  8. Teresa ramos, pelo amor de
    Teresa ramos, pelo amor de Deus! Chamar o Lapouge de bobo é demais. Ele é um dos maiores comentaristas da política francesa. O que ele lamenta em seu artigo não é a combatividade dos franceses e sim o retorno de um certo extremismo de esquerda que, se combinado com o já de a muito existente extremismo de direita, pode resultar numa situação explosiva. A França já padeceu deste problema antes, nos anos 30, nos anos 50 e 60. Várias situações de ruptura social foram deflagradas por estes extremos naquele país. Não se verificou, em quase nenhum destes casos, avanços consideráveis da sociedade francesa. Os avanços que lá ocorreram deveram-se à luta cotidiana da classe trabalhadora em sindicatos e organizações diversas. Não em combates de rua.

  9. Sarkozy p/o público externo
    Sarkozy p/o público externo ao menos tem discursado d forma diferenciada d seus colegas chefes d Estado conservadores, o problema é q, ao q parece, internamente d concreto, não feito, realizado nda d prático…
    Foi eleito pelas belas palavras, propostas “diferentes”, enfim – voto d confiança – como acontece c/todo eleito. Confiança e paciência (por parte dos eleitos) aparentemente sendo retiradas, dado q a realidade da Não-Ação tem atrapalhado (inevitavelmente) um pouco a teoria da boa-itenção, novamente…
    Gabriel e Legal, por trabalhar vcs entendem (Des)”governar” no estilo Big Brother, Caras? Pq se for… tsc tsc tsc

  10. Considero o ativismo do
    Considero o ativismo do Sarkozy bem intencionando, criativo e seria considerado de esquerda no Brasil.
    Infelizmente, para ele, a crise é muito séria e despertou a esquerda francesa. Não dá para governar a França como se governa o Brasil, a Inglaterra ou a Hungria. O cuidado em falar e agir sobre os assuntos públicos precsa ser muito maior. A França é pai e mãe do direito administrativo e da burocracia weberiana. O Estado e o interesse público são sagrados na França, assim como o debate ideológico e a rebeldia social (o que não é ruim, é apenas peculiar).
    é como os estudantes de maio de 68 que acabaram contribuindo para derrubar um dos maiores estadistas do século XX por motivos que passam ao largo da avaliação da gestão dele.
    e ele é um ícone para o Sarkozy…

  11. Tenho minhas dúvidas com
    Tenho minhas dúvidas com relação ao “50% a favor e 50% contra”, do Lapouge.
    Em setembro mantive contato com alguns dos eleitores do Sarkozy em Paris e todos, sem excessão, estavam arrependido do voto dado a ele. Um chegou a afirmar que o atual presidente da França só não tinha virado motivo de piadas no mundo todo porque nesse quesito o W Bush era imbatível. “Espere Janeiro chegar…”
    E olha que a crise nem estava no horizonte ainda…

  12. ” Brasileiro residente em
    ” Brasileiro residente em Paris “.
    Somente espero que o IP seja realmente da França, ao contrário do ” direto de Israel “.

  13. Já faz tempo que o Sarkosy
    Já faz tempo que o Sarkosy vem sendo criticado pelos seus próprios eleitores.
    Agora, mesmo sem culpa, Sarkô tá pagando o pato.

  14. Já havia escrito algo sobre
    Já havia escrito algo sobre isso aqui no blog. Sarkô é um fracasso. O governo Chirac podia ser decrépito, mas ainda conservava algum estilo, alguma sobriedade que lhe dava uma aura de respeito. Sarkô é uma figura folclórica e desde o início o seu governo fica dando círculos, criando muito estardalhaço por nada, e os problemas franceses e europeus continuam se agravando.

    O crescimento atual da extrema-esquerda francesa é normal. Já aconteceu com a direita de lá e o “fenômeno” Le Pen – uma decorrência da percepção de que a centro-direita tradicional francesa não era mais capaz de resolver os seus problemas do país, o que deu numa espécie de reação radical. Desconfio, no entanto, se os trotskystas teriam tantos votos assim numa eleição, mas isso é melhor do que o “civilizado” PC francês crescer…

  15. Pois não Paulo Kaustcher,
    Pois não Paulo Kaustcher, posso ajudá-lo em algo? Alguma questão em especial que seja relevante ao tema discutido nesse post?
    Abraços

  16. Cada população tem a crítica
    Cada população tem a crítica que merece !
    Na França,como no Brasil,nem todos estão satisfeitos com a administração Sarkosy,e nem poderia ser diferente,afinal ele “foge”do padrão que tanto os franceses conservadores,como os comentaristas(alguns até parecem que entendem das particularidades francesas)e “sentam o pau”no político francês,assim como quem não admite que no nosso país,alguem que não seja da elite,e que revolucionou todo um sistema de chegada ao poder,vindo de baixo. Isso moa que lá como cá existe(graças a Deus,e à democracia onde o voto do rico,é igual ao do pobre)o fenomeno da mobilidade social,agora agradar a todos,isso é utopia.
    Mas do que o contentamento da minoria,o que prova se ua pessoa está fazendo a coisa certa na administração de um país,é o reconhecimento dos seus pares,governantes de outros países,e os organismos internacionais,estes sim independentes e dígnos de crédito.

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