Alagoas não acompanha crescimento do Nordeste

Do Valor Econômico

Por Murillo Camarotto | De Maceió 

Com a devida pompa, o governo de Alagoas anunciou, em outubro de 2009, a instalação do Estaleiro Ilha (Eisa) no município de Coruripe, litoral sul do Estado. Orçado em R$ 1,5 bilhão, o empreendimento tem, na visão do governador Teotônio Vilela Filho (PSDB), potencial para “mudar a paisagem do Estado” com os cerca de 50 mil empregos diretos e indiretos prometidos.

Mais de dois anos depois, as obras não começaram, o que gera desconfiança e a percepção que a indústria naval é mais uma das muitas soluções “milagrosas” já apresentadas para dar jeito na economia de Alagoas, Estado com a população mais pobre do país.

O ciclo de expansão econômica experimentado pelo Nordeste nos últimos anos não foi acompanhado por Alagoas. Sem infraestrutura, mercado consumidor relevante e recursos próprios para contrapartidas, o Estado não conseguiu absorver investimentos, que acabaram destinados para Bahia, Ceará e Pernambuco. Altamente concentrada no setor sucroalcooleiro, a economia alagoana ficou em desvantagem em relação a Estados como Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Maranhão.

Os péssimos indicadores sociais, sobretudo a violência urbana, também ajudaram a repelir os investidores, tornando mais complicada a tarefa de tirar a economia alagoana do atoleiro em que se encontra há quase três décadas.

O cenário já foi diferente. Entre as décadas de 60 e 80, a secular indústria sucroalcooleira local se beneficiou dos muitos programas federais de incentivo e se expandiu para onde foi possível, ocupando as melhores áreas agricultáveis, praticamente monopolizando a atividade econômica do Estado.

Com o fim do Proálcool e a desregulamentação do setor, em 1990, os usineiros foram obrigados a se profissionalizar para competir com a produção do Centro-Sul. Os cortes de custos exigidos pela nova realidade inviabilizaram pequenos e médios fornecedores, incluindo as indústrias de equipamentos. Esse cenário, somado à inoperância de seguidos governos, resultou em uma população rural paupérrima e uma economia muito pouco diversificada.

 

  

Nos últimos anos, o Produto Interno Bruto (PIB) de Alagoas avançou abaixo da média do Nordeste, ainda assim puxado pelo crescimento do consumo, na esteira da expansão do crédito e do Bolsa Família, em um modelo conhecido por “renda sem produção”.

A distribuição do crédito ilustra bem a estrutura da economia alagoana. De acordo com o Banco Central, Alagoas é o segundo Estado nordestino onde mais cresce o volume de empréstimos a pessoas físicas. Entre novembro de 2008 e outubro de 2011, o salto foi de 119%, atrás apenas de Sergipe, com 120%. Por outro lado, no crédito para as empresas Alagoas tem o pior desempenho da região, com alta de 60,9%. No mesmo intervalo, a média do Nordeste foi de 105%.

A expansão do poder de compra da população aqueceu o setor terciário do Estado, que passou a ser visto com maior interesse pelas grandes redes varejistas, como o Carrefour, que desembarcou recentemente em Alagoas com a bandeira Atacadão. Maceió está em vias de receber um shopping center de alto padrão, que está sendo erguido pelo grupo Aliansce e deve empregar 4.000 pessoas. Até 2009, o Estado tinha apenas um grande shopping.

A renda sem produção, porém, é insuficiente para colocar Alagoas no ritmo nordestino de geração de empregos. De acordo com Ministério do Trabalho, a criação de vagas formais em Alagoas cresceu 3,1% ao ano, em média, entre 2007 e 2011, o pior desempenho da região, que registrou avanço médio de 6%.

Em cinco anos, o Estado gerou pouco mais de 48 mil empregos, abaixo de vizinhos com população bem inferior, como Sergipe, que criou 75 mil. O Piauí, com PIB inferior ao de Alagoas, gerou 70 mil postos de trabalho, alta de 6,6%.

A desvantagem em relação aos demais Estados pode ser explicada em boa parte pela situação fiscal, a mais dramática do Nordeste. O enfraquecimento do Proálcool, a partir de 1986, deixou os usineiros locais sem auxílio federal, criando uma demanda pesada para os governadores, historicamente íntimos – quando não membros – do setor. Acordo assinado em 1988 pelo então governador Fernando Collor de Mello isentou os usineiros de impostos, gerando gigantesca perda de receita para o Estado, que quebrou em 1996.

“Isso aconteceu justamente na época em que começava a guerra fiscal, quando os Estados nordestinos passaram a oferecer incentivos para atrair as indústrias do Sul e Sudeste, que buscavam custos menores e novos mercados em outras regiões. Como Alagoas estava quebrado, os outros Estados saíram na frente”, lembra o economista Cícero Péricles, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Quem também procurou o Nordeste naquele tempo foi o gaúcho Darlan Jacobs. Técnico em logística, ele chegou a Maceió fugido do frio do Sul, mas não encontrou lugar ao sol. O único emprego em solo alagoano foi de garçom, sendo depois promovido a maître. Os salários “baixíssimos”, contudo, o arrastaram para a informalidade.

“Decidi vender biscoito na rua e ganho mais do que antes. Como não tem emprego, eles pegam quem aceitar ganhar menos”, contou Jacobs, que trabalha em uma esquina no bairro de Pajuçara, área nobre de Maceió.

A escassez de empregos, os salários baixos e a agricultura familiar desamparada resultaram na população mais pobre do Brasil. Números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) referentes a 2009 mostram Alagoas em primeiro lugar nos rankings de pobreza e extrema pobreza, bem à frente do segundo colocado, o Maranhão, não menos famoso pelas mazelas sociais.

Também com base em 2009, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, do IBGE, revela que as famílias alagoanas têm a menor renda do Nordeste, com média mensal de R$ 1.396. São também as famílias que gastam menos com alimentação, vestuário, transporte, higiene, lazer e educação. Segundo relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da ONU, Alagoas tem, no país, o maior percentual de famílias (57,5%) que vivem com até meio salário mínimo por mês.

Ainda de acordo com a pesquisa do IBGE, o Estado é campeão de analfabetismo, de jovens com defasagem educacional, de homicídios e está entre os primeiros em insegurança alimentar grave. Até pouco tempo, era também líder absoluto em mortalidade infantil, cenário que, segundo o governador do Estado, está mudando. “Saímos do último lugar para o 15º. Temos um programa eficaz, que vai desde a atenção nutricional à gestante até o apoio estrutural aos municípios”, conta Vilela.

Na avaliação do professor Péricles, a reversão desses indicadores passa obrigatoriamente pela dinamização de economia. Ele entende que o crescimento do poder de consumo, devido aos programas de transferência de renda, deveria incentivar a criação de polos industriais voltados ao atendimento dessa demanda.

“Sem uma estratégia que leve em conta essas especificidades regionais, teremos sempre as mesmas políticas centradas em anúncios de factoides e investimentos mirabolantes, que nunca se confirmam”, diz Péricles. Nos anos 70, lembra, se dizia que, na onda do Proálcool, Alagoas teria tanta força que entraria na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Na década seguinte, era o Polo Cloroquímico que possibilitaria que a renda per capita dos alagoanos ultrapassasse rapidamente US$ 5 mil. Mais tarde, o turismo surgiu como o novo eldorado, o que também não se materializou, apesar dos avanços conquistados.

Dessa vez será diferente, garante o governador alagoano. Ele lembrou que a Braskem está investindo R$ 1,5 bilhão para dobrar a capacidade de sua unidade de PVC em Marechal Deodoro, região metropolitana de Maceió. As obras do Estaleiro Ilha, segundo Vilela, devem começar em breve. “Foram aprovados os recursos do Fundo da Marinha Mercante, mas ainda não há um parecer definitivo do Ibama. Estamos aguardando, este ano sai.”

As contas públicas são um dos maiores entraves ao crescimento econômico de Alagoas. Além da arrecadação discreta e da elevada dependência financeira da União, o Estado carrega um endividamento pesado e o pagamento dos juros inviabiliza qualquer possibilidade de investimento próprio. Segundo o governador Teotônio Vilela Filho, faltou dinheiro até para as contrapartidas exigidas em convênios com o governo federal ou com agências internacionais de fomento.

“Ficamos no marasmo completo por 25 anos. O Estado ficou fora da Federação. Não havia interlocução confiável com Banco Mundial. Os organismos internacionais passavam ao largo de Alagoas. Não tínhamos projetos para demandar recursos, e quando tínhamos não se conseguia os recursos, porque a gente estava no calque [com nome sujo]”, conta Vilela.

Os números mais atualizados mostram a dívida consolidada de Alagoas em R$ 7,7 bilhões em agosto do ano passado, segundo maior passivo da região, atrás apenas da Bahia, que tem um PIB seis vezes maior. O montante representa 170% da receita corrente líquida do Estado, bem próximo ao limite de 200% imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No Nordeste, o segundo Estado com o maior índice é o Maranhão, ainda assim bem abaixo, com 62%.

O serviço da dívida suga todo mês R$ 40 milhões dos cofres do Tesouro alagoano. “Tiram meu oxigênio”, dramatiza o governador. Apesar do aperto, garante que tem conseguido arcar com algumas contrapartidas em convênios, quase todos com o governo federal e na área de infraestrutura.

“O presidente Lula teve uma postura excelente, nos atendeu e começaram a vir os recursos. Readquirimos a confiança dos órgãos internacionais e agora são nossos parceiros”, afirma Vilela, demonstrando uma peculiar cordialidade em relação ao ex-presidente para um político tucano histórico.

A cordialidade do governador faz sentido. A União tem papel vital nas contas e na economia de Alagoas. As transferências constitucionais representam algo em torno de 55% da receita corrente do governo estadual, sem falar no peso do Bolsa Família, do INSS e dos repasses para as áreas da saúde e educação.

Diante da arrecadação própria insuficiente para pagar a folha dos servidores, o governador diz estar trabalhando na melhoria da saúde fiscal e financeira do Estado, mediante cortes de custeio e aumento das receitas. Quando assumiu, em 2007, ele convidou o Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial (INDG) para ajudar na missão.

Até 2010, no entanto, a receita tributária de Alagoas havia crescido no mesmo ritmo das despesas correntes, algo em torno de 11% ao ano. Ainda assim, empresários locais cobram o aprofundamento da parceria com o INDG, caso de Sérgio Papini, presidente do Movimento Alagoas Competitivo.

Papini também sugere que o governo estabeleça acordo com Pernambuco, a fim de atrair parte da cadeia de fornecedores que atenderá empreendimentos já anunciados no Estado vizinho. Vilela promete atender. (MC)

Luis Nassif

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