Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br
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Argentina sob ataque, por Paulo Nogueira Batista Jr.

Argentina sob ataque

por Paulo Nogueira Batista Jr.

A Argentina está sob ataque dos mercados e acabou tendo que recorrer ao FMI. O banco central foi levado a aumentar a taxa básica de juros para 40% ao ano (em comparação com taxas em torno de 6 a 8% na maioria das principais economias emergentes). A esperança é que essa pancada nos juros e o apoio do FMI desativem a corrida contra o peso argentino, a moeda que mais tem sofrido com a onda de desvalorizações provocada pela alta das taxas de juro nos EUA.

O que aconteceu? A Argentina era celebrada nos mercados desde a posse do presidente Maurício Macri em fins de 2015. O FMI vinha fazendo avaliação basicamente positiva da política econômica argentina, ainda que com a ressalva de que ajuste fiscal era excessivamente gradual.

Não é a primeira (e nem será a última) vez que economias celebradas pelo mercado dão com os burros n’água. Paradoxalmente, a própria celebração pode ser uma das causas da crise. O otimismo dos mercados abre possibilidades de financiamento externo e aumenta a oferta de capitais estrangeiros para o país. Muitos governos não resistem à tentação e seguem a linha de menor resistência que é o caminho do endividamento no exterior.

No passado recente, a Argentina acumulou considerável vulnerabilidade externa. Não é por acaso que ela aparece como caso extremo entre os emergentes na conjuntura atual. Não é por acaso que ela caiu nos braços do FMI.

Bem sei, leitor, que estatística mata qualquer conversa. Mas peço a sua paciência para mostrar alguns indicadores macroeconômicos que revelam duas coisas importantes: 1) a posição argentina é muito precária; e 2) ela é bem pior do que a brasileira.

Na Argentina, o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui comércio de bens, serviços, juros e outras rendas do capital) cresceu rapidamente e se aproximou da marca perigosa de 5% do PIB. Uma parte pequena desse déficit vinha sendo coberto por investimentos diretos (uma forma geralmente mais estável de ingresso de capital). O grosso do financiamento estava vindo de endividamento externo, principalmente do setor público. Entre 2015 e 2017, a dívida externa da Argentina aumentou de 28% para 36% do PIB.

O rápido crescimento do déficit externo resultou da retomada gradual da economia argentina (que levou a um aumento da demanda por importações) e de certa apreciação do peso argentino (que diminuiu a competitividade das exportações e barateou as importações). Em dezembro de 2017, o FMI estimava a sobrevalorização do peso entre 10% e 25%, dependendo da metodologia de cálculo.

Para agravar o quadro, as reservas internacionais da Argentina são relativamente baixas, apesar de certa recuperação no passado recente. Em dezembro, as reservas brutas alcançaram US$ 50 bilhões, o equivalente a apenas 7 meses de importação de bens e serviços. Comparadas ao tamanho da economia argentina, as reservas do país são baixas: menos de 9% do PIB, em comparação com 20% do PIB no caso do Brasil e 15% no do México.

Mesmo esse dado pode ser um pouco enganoso. As reservas líquidas eram da ordem de US$ 40 bilhões, uma vez que há obrigações de US$ 10 bilhões no quadro de um acordo de swap bilateral com o banco central da China.

As autoridades argentinas tinham consciência do problema e chegaram a anunciar um plano de acumulação de reservas com o intuito de aumentá-las para o equivalente a 15% do PIB, nível mais próximo do que se observa em outros países da América Latina. Estranhamente, o FMI desencorajava esse plano. Apesar de apontar a sobrevalorização do peso e o aumento do desequilíbrio externo, o staff do FMI recomendava adiar a acumulação de reservas com o argumento de que isso pressionaria a taxa de câmbio nominal e dificultaria o combate à inflação.

Como fica o Brasil? A nossa posição é claramente mais forte. O déficit de balanço de pagamentos em conta corrente é pequeno, inferior a 0,5% do PIB nos doze meses até março. A entrada de investimentos diretos supera 3% do PIB no mesmo período. Ainda que a recuperação da atividade leve a um aumento do déficit, dificilmente nos aproximaríamos de níveis perigosos no horizonte visível. Além disso, as reservas internacionais brutas são altas, como mencionado, e o estoque de swaps cambiais é de apenas US$ 24 bilhões, segundo o Banco Central.

As reservas internacionais de cerca US$ 380 bilhões constituem uma herança positiva do período Lula e, em menor medida, do período Dilma. O Brasil começou a acumular reservas para valer a partir de 2006 e isso tem nos proporcionado tranquilidade importante em momentos de turbulência.

Na época em que o nosso país começou a reforçar a sua posição de reservas, eu era diretor executivo no FMI pelo Brasil e outros países. Posso testemunhar que o staff do FMI sempre foi crítico desse nosso esforço de autoproteção. Insistiam em argumentar que o nível de reservas estava acima do requerido e que não valia a pena incorrer o custo em mantê-las.

Compreensível. Afinal, o que seria do FMI, se todos os países fossem prudentes?

Paulo Nogueira Batista Jr. – Economista, foi diretor executivo no FMI pelo Brasil e outros países entre 2007 e 2015 e vice presidente do Novo Banco de Desenvolvimento estabelecido pelos BRICS entre 2015 e 2017.

 
Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br

5 Comentários

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  1. Este é o Sr. LULA que

    Este é o Sr. LULA que proporciona tranquilidade aos Brasileiros e hoje vive na cadeia por um erro jurídico fundado em um triplex que nunca foi dele no qual ele ainda gastou mais de 300 mil!

    1. Vamos classificar as coisas

      Vamos classificar as coisas pelo que elas são, “erro jurídico” não. Banditismo jurídico sim.

      Não gosto de juízes,  desembargadores ou ministros de tribunais.

      São funcionários públicos e como funcionários públicos pagos pelo povo deveriam ter um mínimo de zelo pela constituição e as leis nacionais. Devem punir criminosos com base nas leis e preservar as empresas e Interesses nacionais. Também deveriam ser punidos como criminosos lesa pátria caso ignorem estes fatos.

      Apesar de considerá-los meros decorebas corporativos creio que devem ter um mínimo de conhecimento do direito. Senão, para que serviriam as faculdades de direito?

      Então, eles SABEM o que estão fazendo.

      SABEM que condenaram o ex-presidente LULA apenas para tirá-lo da disputa eleitoral da qual certamente venceria. Eles SABEM que o crime de que acusam Lula NÃO EXISTE.  Assim como SABEM que o mensalão do PT jamais existiu.

      O que estão fazendo todos os dias a pelo menos uma década É COMETER UM CRIME LESA PÁTRIA contra o país e o povo que paga os seus salários.

      SÃO BANDIDOS QUE MERECEM ESTAR NA CADEIA.

       

  2. FMI

    O FMI é para os países em desenvolvimento o que a globo é para o brazil: um câncer que corroi e destroi qualquer possibilidade de desenvolvimento.

  3. O artigo não leva em conta a

    O artigo não leva em conta a política econômica adotada nos dos países. Sem investimento do Estado, a economia afunda.

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