As condições de trabalho nas obras do PAC

Do Valor

Dilma quer saída para greves em obras do PAC

Paulo de Tarso Lyra e André Borges | De Brasília
24/03/2011

O governo está alarmado com a onda de paralisações de operários nas principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e quer agir antes que a crise se torne incontrolável e se alastre ainda mais, como adiantou o Valor na edição de ontem. Ontem, 80 mil operários da construção civil estavam parados, somados os profissionais que atuam nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Porto Velho (RO), além dos complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE). No início da noite, 16 mil destes decidiram retornar ao trabalho hoje, após acordo com o consórcio que administra a obra da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia.

A presidente Dilma Rousseff pediu ao secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que se reúna com as centrais sindicais, empresas concessionárias e Ministério Público do Trabalho para tentar chegar a um acordo e impedir um colapso no principal programa de investimentos do governo. O encontro vai ocorrer na terça-feira, em Brasília.

Após reunião no Palácio do Planalto com o ministro Gilberto Carvalho, os presidentes da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, reforçaram a necessidade de encontrar uma saída com urgência. “É preciso estabelecer um mínimo de regras nas relações trabalhistas. Muitos dos serviços foram terceirizados, alguns deles até quarteirizados. Não dá para colocar 20 mil homens trabalhando sem um mínimo de organização”, afirmou o presidente da CUT, Artur Henrique. “Há dois anos a CUT avisava que poderia dar problema nas obras. Defendemos contrapartidas sociais para que essas obras sejam realizadas”, afirmou ele. 

ParaPara os sindicatos, o momento de resolver os problemas é agora, enquanto as obras estão no início. Pelos cálculos da Força Sindical, quando o PAC estiver em pleno funcionamento – incluindo as obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016 – cerca de 1 milhão de pessoas estarão trabalhando nos diversos canteiros de obras do país. “Se não resolvermos agora, tudo ficará mais complicado mais tarde”, disse Paulinho. Ele estima que 5 mil estão parados nas obras de Pecém, no Ceará, além dos 40 mil de Santo Antônio e Jirau (ontem, antes do acordo que negociou a volta de 16 mil deles) e 34 mil nas obras de Suape, em Pernambuco.

O sindicalista admite que tanto a Força quanto a CUT não têm experiência para lidar com multidões. “Naquela região de Jirau, construíamos no máximo uma ponte ou um prédio, empregando no máximo mil pessoas. Estamos lidando com 20 mil”, comentou. Segundo Paulinho, uma das saídas para os impasses nessas obras é criar uma “comissão de fábrica” para estabelecer a negociação entre os trabalhadores e as empresas. “Nessas revoltas em Jirau, percebemos que não existe um líder para negociar uma trégua”, completou.

Além da “comissão de fábrica”, será sugerido que os benefícios e salários sejam pagos de forma igual quando se tratar das mesmas funções, mesmo sendo pagas por consórcios diferentes.

Para o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), o cenário é reflexo da escassez de mão-de-obra do setor. “A construção civil ficou internada em um hospital por 25 anos, até 2005. Foram idas e vindas para a UTI. Agora pegaram esse organismo debilitado e o colocaram para correr uma maratona”, diz Eduardo Zaidan, diretor de economia do Sinduscon.

O setor de construção civil tem batido recordes sucessivos de contratação. Em 2006, empregava 1,8 bilhão de trabalhadores. Hoje são 2,8 bilhões de pessoas. Só no ano passado, de acordo com o Sinduscon, foram gerados 320 mil empregos no setor com carteira assinada, crescimento de 13% sobre o ano anterior. Hoje a taxa de desemprego no segmento é praticamente inexistente, de apenas 2,3%.

O governo pretende repetir no setor da construção civil o mesmo acordo fechado com as empresas e empregados que trabalham no setor sucroalcooleiro. Esse segmento sofria com a péssima relação estabelecida entre as usinas, os plantadores e os cortadores de cana, contratados ilegalmente por meio dos chamados “gatos” (intermediadores de mão-de-obra barata e pouco qualificada). “Com a regularização nas relações trabalhistas, o setor hoje eliminou a pecha de trabalho escravo. Se os Estados Unidos quiserem comprar nosso etanol, não poderão dar mais esta justificativa para vetar os acordos”, declarou Paulo Pereira da Silva.

Segundo Eduardo Zaidan, do Sinduscon, já não é mais possível dizer que os trabalhadores da construção civil estão em condições menos favoráveis que outros setores da indústria nacional, já que houve um movimento forte de formalização de trabalho nos últimos quatros anos. A escassez de mão-de-obra no setor, porém, levou a classe operária a cobrar por melhores condições de trabalho e salário. “A situação é muito clara. Essa classe de trabalhadores virou a moça mais bonita do baile e todos querem dançar com ela. O problema é que ela sabe disso”, comenta Zaidan.

Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Divonzir Gusso, o país começou a pagar a conta pela enxurrada de obras que passou a realizar sem ter se preparado para isso. “Nem governo nem empresas estavam preparados e agora terão de trocar os pneus com o carro em alta velocidade”, diz.

Hoje, segundo José Bonifácio Júnior, diretor do consórcio construtor da hidrelétrica de Santo Antônio, os 9 mil funcionários da usina que trabalham no período diurno devem voltar ao trabalho. Ontem a noite, o consórcio fechou acordo para a volta dos outros 7 mil trabalhadores. Em Jirau, a situação ainda é de impasse. Ontem, a Comissão do Trabalho da Câmara decidiu que vai mandar cinco deputados para Jirau para analisar o caso. O presidente da construtora Camargo Corrêa, Antonio Miguel Marques, será convocado para uma audiência. Por meio de nota, a Camargo Corrêa informou que “está sempre aberta ao diálogo com seus funcionários e sindicatos representantes de trabalhadores”.

No Complexo Portuário de Suape, em Pernambuco, há cerca de 34 mil trabalhadores de braços cruzados, sendo 20 mil na Refinaria Abreu e Lima e 14 mil na Petroquímica Suape, as duas controladas pela Petrobras, segundo o Sindicato dos Trabalhadores na Construção Pesada de Pernambuco. Em Assembleia ontem, os operários do consórcio Conest, formado por Odebrecht e OAS, decidiram manter a paralisação das obras da refinaria, que já dura 15 dias. Procurado pela reportagem, o consórcio Conest – que emprega 4,8 mil dos 20 trabalhadores parados nas obras de Suape – informou que “as reivindicações e paralisações fazem parte de um processo democrático” e que o Conest “permanecerá com a postura de estar aberto ao diálogo e a negociação”.

A legalidade da greve em Suape será apreciada amanhã pelo Tribunal Regional do Trabalho. Está marcada também para amanhã uma nova assembleia dos trabalhadores, que reivindicam reajuste nas horas extras e no benefício de alimentação. (Colaborou Murillo Camarotto, de Recife) 

Luis Nassif

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